Desde criança ouvia meu pai, seus amigos, vizinhos e parentes sobre política. Eram sempre conversas sobre esperanças de que um dia o país entraria nos eixos. Os problemas sociais seriam resolvidos, a corrupção acabaria de vez e estaríamos entre os países desenvolvidos. Enfim, o país o futuro.

Mais tarde, trabalhando, ouvia os funcionários mais velhos com a mesma conversa que eu ouvia quando criança.  Sempre, sempre, o país do futuro. Com a ditadura militar, que foi fruto da aliança entre os militares e setores da elite política e econômica, muita gente deu ouro para “o bem do Brasil”. Gente simples, que vivia do salário minguado, tirando a aliança do dedo e depositando como uma contribuição para o país sair do buraco. Até hoje ninguém sabe o que foi feito desse ouro.

Durante o regime militar, que prometia desenvolver o país e livrar-nos dos comunistas, muita coisa aconteceu. A economia cresceu, mas não acabou a corrupção, o mandonismo, a carteirada e os velhos políticos com seus métodos e transgressões continuaram incólumes. Alguns foram cassados, não por desvios de conduta, mas por ameaçarem à ordem constituída.

Pessoas presas, torturadas, muitos jovens morrendo porque acreditavam que era possível mudar o país. Muita gente enriqueceu com o crescimento fugaz da economia. Corporações brotaram, de repente, transformando-se em enormes conglomerados.  E o país continuava injusto com grandes diferenças sociais, elevado índice de analfabetismo, infraestrutura insuficiente, desigualdades regionais entre outros problemas.

Terminado o boom da economia mundial, o país voltou com seus problemas internos. A inflação disparou, o desemprego aumentou e todos nós, jovens, adultos e velhos acreditávamos que a democracia era a solução. Os militares perceberam que chegara a hora de “tirar o time de campo” e aconteceu a lenta e gradual abertura política. A abertura chegou e com ela o movimento pelas diretas já. O povo precisava ter o direito de conduzir o seu próprio destino.

A democracia chegou com a anistia ampla geral e irrestrita. Quem matou, quem torturou, quem roubou... era tudo coisa do passado. Colocou-se uma pedra em cima e a nova palavra de ordem era esquecer e começar tudo de novo.

Democracia restaurada, militares nos quartéis, os exilados retornaram, as velhas oligarquias recuperaram os seus espaços no poder. Repetiu-se quase tudo. A corrupção, ao invés de acabar, aumentou, ficando mais voraz.  A roubalheira passou a ser feita em nível escancarado e as somas se tornaram exorbitantes. Ninguém nunca foi punido e continuou-se acreditando que o Brasil não tem mesmo jeito. É a nossa cultura. É o nosso jeitinho. É o velho patrimonialismo em que os políticos confundem os bens públicos com os privados.

Saiu a direita, entrou a esquerda. Novas esperanças de mudanças nos costumes, no jeito de se fazer política. Tudo em vão. A esquerda aprendeu fazer política com as velhas oligarquias e seus líderes justificaram que é preciso levar vantagem em tudo. Locupletamo-nos todos, afinal ninguém é de ferro. Todos precisam de caviar e champanha.

O crime organizado se espalhou pelo país. Traficantes aliciando crianças para o consumo e distribuição de drogas ilícitas. Passaram a controlar prisões e favelas em todos os cantos do país. Armas poderosas entram por todos os lados e muitas delas desconhecidas pela nossa polícia.  Ninguém controla mais nada. Estamos próximos ao caos Hobbesiano em que ocorre a luta de todos contra todos.

Enfim, “há uma hora em que os bares se fecham e todas as virtudes se negam”, como escreveu o poeta mineiro. Uma nova onda: “direita volver”. Muita gente abriu mão de valores, de ética e sei lá mais o quê e votaram contra tudo que está aí. O negócio é tentar encontrar uma luz no fim do túnel. Não importa onde esta luz vai dar. O país já foi do centro para a esquerda e agora, uma guinada para a extrema direita. A maioria não está preocupada se vamos ter censura à imprensa, perseguições às minorias, se os professores serão proibidos de falar em política e sexo nas salas de aula ou de ensinar a Teoria da Evolução, de que a terra é redonda entre outras coisas.  O povo quer emprego, saúde e segurança, o resto que pode esperar.

“Eles estão taciturnos, mas nutrem grandes esperanças...”. Muita gente sabe que o preço a ser pago poderá ser alto, mas se acredita que a possibilidade de conseguir um emprego, poder sair à rua sem riscos à integridade física e acabar com a roubalheira vai valer a pena. Mas se conseguir apenas os empregos de volta, o povo já ficará feliz, pois haverá um pão para ser repartido na mesa de todas as famílias. O Quanto ao resto, briga-se depois com o estômago saciado.

Enfim, brasileiro, sua profissão é mesmo a esperança, como escreveu o cronista Antônio Maria. Os nossos heróis são aqueles que cumprem a lei. Ora, cumprir a lei é obrigação de todos aqueles que são servidores públicos. Heroína de verdade foi àquela humilde professora em Minas, que arriscou sua vida para salvar crianças em uma escola incendiada e deixou seus filhos órfãos. O resto é conversa.