Resumo

Este artigo visa dialogar com os conceitos de Razão que constituem a ciência moderna e a ciência contemporânea, percorrendo o pensamento de autores como: Foucault, Deleuze , Guattari, e Boaventura Santos.

FRANCIELI BARROSO

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A marca da ciência moderna é a construção da racionalidade abstrata,sustentada no pensamento cartesiano. A ciência  é fruto da ruptura com os padrões religiosos e mitológicos que sustentaram a Idade Média. Ruptura que  fez emergir novos saberes  e modos de agir e pensar.. “A modernidade se pôs em curso há muito tempo, e desde o século 16 já há sinais de seu advento. Mas é a partir do século 18 que se configuram os elementos constitutivos principais da modernidade, que são essencialmente três.
O primeiro é o indivíduo, isto é, uma sociedade que reconhece os direitos do homem, com seu correlato, que é a democracia. O segundo elemento é o mercado: Adam Smith, a "mão invisível", já no século 18. E o terceiro elemento é a dinâmica tecnocientífica.”LIPOVETSKY,2004. O paradigma do Sagrado estava rompido, a racionalidade  se apresentava como modelo de significação  do mundo e do homem. É, no contexto da Modernidade, que surge a idéia de Sujeito. O cogito cartesiano – penso logo existo-  permite a legitimação do homem como centro do saber. Saber que promoveu a “morte de Deus”, morte necessária para o desenvolvimento de uma racionalidade que se edificava e edificava ainda um novo modo de vida e de subjetividade.

A concepção cartesiana do conhecer, a busca da verdade do saber puro, sustentado no modelo experimental e na concepção de um saber Absoluto, portanto superior ao mitológico e imaginário, fez com que o conhecimento se transformasse em um instrumento de poder e de controle e a ciência torna-se ela própria uma prisão “da Razão” ( de um modo de racionalidade, segundo Foucault). Da concepção cartesiana, vem a cisão entre pensamento e experiência, entre sujeito e objeto, entre conhecimento e história. A supremacia do sujeito que independe de contingências sociais e históricas .

Tais idéias são constituintes da ciência moderna. Boaventura assim a analisa “ a intemporalidade da verdade cientifica permitiu à ciência moderna autoproclamar-se contemporânea  de si mesma e, do mesmo passo,descontemporaneizar todos os outros conhecimentos, nomeadamente os que dominaram na periferia do sistema mundial no momento do contacto com a expansão européia. Assim nasceram os selvagens, pelo mesmo processo por que hoje se continuam a reproduzir comportamentos racistas e xenófobos. A idéia da superioridade biológica da raça ariana não teria sido possível sem a idéia da superioridade temporal da atitude e do comportamento racistas.

(... a distinção entre aparência e  realidade).Nos termos em que ela foi feita pela ciência moderna, trata-se muito mais de uma hierarquização do que de uma distinção.A aparência é a não-realidade, a ilusão que cria obstáculos à inteligibilidade do real existente.Daí que a ciência tenha por objetivo identificar-denunciar a aparência, e ultrapassá-la para atingir a realidade, a verdade sobre a realidade. Esta pretensão de saber distinguir e hierarquizar entre aparência e a realidade e o fato de a distinção ser necessária em todos os processos de conhecimento tornaram possível o epistemicídio, a desclassificação de todas as formas de conhecimento estranhas ao paradigma da ciência moderna sob o pretexto de serem conhecimento tão-só de aparências. A distribuição da aparência aos conhecimentos do Sul e da realidade ao conhecimento cientifico do Norte está na base do eurocentrismo.” SANTOS,pág,331,2003.

A ciência, ao postular o principio da verificabilidade,  relegou todo o saber que apontasse para o transcendente (pensamento  místico-religioso) à marginalidade; tornando-se transcendente ao se legitimar como a “verdade”. “A ciência tem negado sistematicamente às representações religiosas o status de conhecimento  do real. E o faz de forma coerente com suas pressuposições acerca do que é conhecer.”ALVES,pág93,1933.

O reducionismo do conhecimento, através da racionalidade cientifica foi instrumento de segregação social e legitimadora de assassinados sociais, a critica do paradigma cientifico baseado no pensamento platônico-cartesiano, vem sendo feita por pensadores que se respaldam  em paradigmas filosóficos outros: a transcendência do pensar (abstrato)é questionada, a cisão sujeito –objeto é uma falácia, a experiência não é um engano à razão, o conhecimento acontece na imanência do viver, a história nos produz, mas também somos sujeito de possibilidades históricas.

 De forma breve e resumida, temos algumas das principais criticas que nos interessam neste artigo: Nietzche crítica da supremacia do sujeito racional, Feuerbach, ao positivismo, através de sua negação da realidade, dos sentidos , dos objetos; Marx,  à idéia de uma consciência em-si, a-historica; Freud, à consciência racional; Foucault, à idéia  de  atemporalidade do saber, fazendo revelar a construção contingencial do mesmo através da genealogia do saber, relatividade da verdade; Piaget crítica ao conhecimento puro, o homem é sujeito e objeto da saber e o mesmo é construído nas relações de interação;Deleuze e Guattari a crítica de um modo de subjetivação  edipiano dominante e de um saber legitimador do mesmo;Boaventura crítica da razão instrumental, a hegemonia do conhecimento tecno-cientifico, instrumento de opressão político-social; Giddens, a intimidade não é um reduto do sujeito, ela se constrói socialmente (é fruto da modernidade) e modifica as relações sociais, a democracia produziu novos papeis sociais, gerando na intimidade novos possibilidades de vivências subjetivas, vivências que se apresentam no contexto sócio-politico como exercício de cidadania, de direito de expressão.

A critica da modernidade, da racionalidade tecno-cientifica ganha legitimidade em uma sociedade que vê ruir os paradigmas que a sustentaram: o individuo e seus direitos, a democracia como principio, o uso do saber como recurso de justiça ,desenvolvimento e liberdade. As guerras mundiais fizeram eclodir pensamentos de ruptura até então marginais e excluídos,no campo cientifico; uma vez que já não se podia negar os fins a que a “ciência” se prestava. A intensificação e popularizam de tecnologias, num contexto em que as lutas políticas estavam diluídas ( o capitalismo já não tinha o contraponto socialista, o marxismo se via enfraquecido , enquanto organização partidária )  produziram –e produzem- subjetividades massificadas, em que a hegemonia de modos de pensar e agir dificultam a reflexão e a produção de um conhecimento emancipatório. O momento atual  tem recebido nomes diferentes, conforme o entende o autor: pós-modernidade, hipermodernidade, modernidade tardia, fluida. Seja qual nome lhe seja dado, o que lhe caracteriza é a massificação dos saberes e do pensar através das tecnologias de massa. Onde o que prevalece é o pensamento imaginário ( não mais produzido pela religião, mas pela imagem televisiva ), a-historico e a-temporal, posto que tudo vira SLOGANS e o discurso narrativo perde espaço para a imagem reveladora. “Este fim de século é conhecido também como a era  do conhecimento,pela utilização do saber em todos os aspectos da atividade humana.É, curiosamente,também,um momento em que, ao mesmo tempo,escasseiam os verdadeiros intelectuais e a época em que uma vida intelectual genuína se torna mais difícil. Aumenta exponencialmente a demanda de conhecimentos específicos dirigidos a ações pontuais e utilitárias, enquanto a demanda de reflexão fica em baixa, substituída por um manancial de respostas ideológicas que a grande mídia se incumbe de difundir e fazer acreditar.Em outras palavras, se impõe-se a precedência do saber tecnicoi sobre o saber filosófico e a figura do sábio é substituída pela do exper.”  SANTOS,54, 1998   

Finalizando, por todas as questões que foram expostas, o momento presente impõe uma ruptura com um modelo de ciência e de razão, impõe ainda e sobretudo uma relação ética de implicação como o conhecimento. Ele pode ser possibilidade de emancipação , como pode ser instrumento de opressão. O domínio do conhecimento não se reduz ao espaço acadêmico pois ele é gerado nas relações sociais, ele é parte constituinte do humano. Como coloca Foucault, o desafio humano , na atualidade, é sabermos que “ a  ontologia histórica de nós mesmos deve responder a uma série aberta de questões: ela se relaciona com um numero não definido de pesquisas que é possível multiplicar e precisar tanto quanto se queira : mas elas responderão todas à seguinte sistematização:como nos constituímos como sujeito de nosso saber; como nos constituímos  como sujeito que exercem ou sofrem as relações de poder : como nos constituímos  como a sujeitos morais de nossas ações.” A atitude filosófica de pesquisa como condição de posicionamento crítico de nós mesmos “implica a fé nas luzes:ele sempre implica,penso, o trabalho sobre nossos limites, ou seja um trabalho paciente que dá forma à impaciência da liberdade.”FOUCAULT,351,1984.

BIBLIOGRAFIA:

ALVES, Rubem- O enigma da religião , Campinas: Papirus,1984

DELEUZE,Gilles-e-GUATTARI,Felix.O anti-édipo:capitalismo e esquizofrenia. Lisboa: Assírio e Alvim.

FOUCAULT, Michel - O que é o Iluminismo.In: O dossier: ultimas entrevistas, RJ:Taurus,1984

GIDDENS,Anthony.A transformação da intimidade: sexualidade,amor e erotismo nas sociedadesTrad.Magda Lopes, SP: Universidade Estadual Paulista,1993

LIPOVESTSKY,Gilles- O caos organizador- cad.Mais, Folha de São Paulo,2004

MASSIMI,Marina e MAHFOUD,Miguel (org)- Diante do Mistério-psicologia e senso religioso. São Paluo:Loyola,1999.

SANTOS, BoaventuraPela mão de Alice: o social e o político na pós modernidade.S.P.:Cortez,2003

SANTOS, Milton- O intelectual ,Revista USP,S.P.n.39,pág.54-57 Set./ Nov.1998

[1] Licenciada em Filosofia e Psicologia, Pós-graduada Psicopedagogia Institucional, Especializada em Educação, Mestranda em Educação.