DA REPERCUSSÃO GERAL COMO REQUISITO ESPECÍFICO DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO

Atos Paulo Nogueira Otaviano

Ayrton Luís Magri

Christian Barros

RESUMO

Como a superlotação de demandas no Poder Judiciário brasileiro estava atingindo até mesmo o Tribunal de cúpula do país (Supremo Tribunal Federal), necessário foi a criação de institutos específicos para que seja admitida a entrada dessas causas, as vezes banais, em instâncias superiores através de recurso. A EC 45/2004, e posterior regulamentação da Lei nº 11.418/06, foram responsáveis por essa mudança no que diz respeito à criação de requisitos específicos de admissibilidade do Recurso Extraordinário. O presente artigo tratará da aplicação do mais importante deles e o mais discutido na doutrina, qual seja: a repercussão geral. Já existia aplicabilidade do mesmo em outros países e a partir das legislações supracitadas ele foi introduzido no ordenamento jurídico brasileiro, demonstrando-se como um desafogo pro Supremo Tribunal Federal na análise dos Recursos Extraordinários.

1 INTRODUÇÃO

É bem verdade que para se chegar às instâncias superiores, seguindo as disposições do Código de Processo Civil, é necessário se interpor recursos capazes de produzir os efeitos necessários a essa finalidade: agente capaz, objeto lícito e forma prescrita em lei.

É sabido que alguns requisitos devem ser preenchidos para que os recursos civis sejam aceitos, isto é, para sua consideração é necessário que eles passem por uma etapa conhecida como juízo de admissibilidade dos recursos. O Recurso Extraordinário, endereçado ao Supremo Tribunal Federal, é mais criterioso, sendo importante notar que para ver o mérito do seu recurso ser analisado é importante que o recorrente faça valer em sua peça recursal alguns requisitos específicos de admissibilidade, dispostos no art. 102, III e § 3º, da Constituição Federal de 1988.

O presente trabalho de pesquisa vai explorar exatamente essa seara dos requisitos específicos dos recursos extraordinários, dando ênfase à repercussão geral, indicando conceituação, natureza jurídica, bem como sua finalidade e aplicabilidade no Direito Processual brasileiro.

Serão analisadas a EC 45/2004 e a Lei nº 11.418/06, que foram as responsáveis pela mudança paradigmática ocorrida no âmbito da recepção de recursos extraordinários pelo Supremo Tribunal Federal.

O enfoque principal será na repercussão geral, que é um requisito específico de admissibilidade do recurso extraordinário e corresponde a obrigatoriedade de demonstração da importância da matéria ventilada no recurso, isto é, só serão admitidos os recursos que contenham em seu bojo questões relevantes do ponto de vista político, social, jurídico e econômico que por consequência ultrapassem subjetivos da causa.[3]

Desta feita, por conta da grande importância do tema, haja vista que tais requisitos específicos restringem consideravelmente o acesso via recurso ao Supremo Tribunal Federal, o presente artigo tem como objetivo descobrir as principais modificações processuais com o advento da repercussão geral como requisito específico de admissibilidade do recurso extraordinário.

2 NOÇÕES SOBRE O RECURSO EXTRAORDINÁRIO

Fazendo um levantamento histórico no que diz respeito ao Recurso Extraordinário, observa-se que tal instrumento tinha atribuições diferentes antes da promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Acontece que as demandas levadas ao Supremo Tribunal Federal, responsável pelo julgamento do RE, eram tão intensas que acabavam por interferir no bom funcionamento do Poder Judiciário, atingindo até mesmo seu órgão de cúpula.

Em decorrência disso, a Carta Magna do Brasil de 1988 fez uma cisão nas atribuições do Recurso Extraordinário, mantendo tal nomenclatura para as demandas estritamente constitucionais e endereçadas ao Supremo Tribunal Federal e criando o intitulado Recurso Especial para se tratar de questões infraconstitucionais, recurso este endereçado ao Superior Tribunal de Justiça.[4]

Sobre essa cisão, aduz André Luís Galindo de Carvalho:

Consoante pode-se inferir através de uma simples leitura do artigo 102, inciso III, da Carta Magna de 1988, o Recurso Extraordinário fixado pelo constituinte originário tem por escopo precípuo a revisão das teses jurídicas de matéria constitucional envolvidas nos julgamentos dos tribunais a quo. Antagonicamente, o Recurso Especial, com espeque no artigo 105, inciso III, da Constituição Federal de 1988, maneia todas as discussões consubstanciadas nas questões infraconstitucionais. (2009)

Como indicado acima, o cabimento do Recurso Extraordinário só diz respeito às questões estritamente constitucionais, restringindo, apesar de ainda insuficientemente, a entrada de demandas desnecessárias para o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal.

Vale dizer, além disso, que o Recurso Extraordinário não foi feito com o escopo de exercer juízo de mérito da decisão impugnada, isto é, não é de sua natureza a reapreciação da matéria, muito menos o reexame das provas relacionadas ao caso que gerou a feitura do RE. Evidente que a finalidade do Recurso Extraordinário é a de assegurar a uniforme e correta aplicação da Constituição Federal por todos os tribunais e juízes monocráticos do país.[5]

Nesta mesma esteira, vide o que Barbosa Moreira disserta:

O recurso extraordinário (como o especial, ramificação dele) não dá ensejo a novo reexame da causal, análogo ao que propicia a apelação. Com as ressalvas que a seu tempo hão de consignar-se, nele unicamente se discutem quaestiones iuris, e destas apenas as relativas ao direito federal. No seu âmbito, contudo, parece excessivo negar que também sirva de instrumento à tutela de direitos subjetivos das partes ou de terceiros prejudicados. Quando interposto pelo Ministério Público, na qualidade de custos legis, então, sim, visará de modo precípuo ao resguardo da ordem jurídica positiva, do direito objetivo; mas essa não é uma peculiaridade do recurso extraordinário, pois o Ministério Público, no exercício daquela função, se legitima à interposição de qualquer recurso. (2011, p. 582)

Diante do que já fora dito, percebe-se que o Recurso Extraordinário faz jus à sua nomenclatura, sendo de difícil absorção e apreciação, isto é, desde a análise de admissibilidade até a análise do seu mérito tal recurso se demonstra bastante restritivo de matéria, tornando a chegada ao Supremo Tribunal Federal bastante complicada.

Para a hipótese de cabimento do Recurso Extraordinário, preciso é o preenchimento de um requisito bastante discutido na doutrina, qual seja: o prequestionamento. Tal instituto exige que as matérias alegadas no RE já tenham sido analisadas nas instâncias inferiores, formando uma espécie de alicerce para a construção da jurisprudência do Tribunal Superior.

Sobre o prequestionamento, interessantes são os apontamentos de Fredie Didier Jr e Leonardo Carneiro Cunha:

O prequestionamento é exigência antiga para a admissibilidade dos recursos extraordinários, segundo o qual se impõe que a questão federal/constitucional objeto do recurso excepcional tenha sido suscitada/analisada na instância inferior. Primeiramente, tem-se o prequestionamento como manifestação do tribunal recorrido acerca da questão jurídica federal ou constitucional. E, por fim, a posição eclética, em que se somam as duas tendências citadas, sendo o prequestionamento o prévio debate acerca de questão federal, seguindo a manifestação expressa do Tribunal a respeito. A segunda concepção vê o prequestionamento como debate anterior à decisão recorrida, hipótese em que se configura como ônus atribuído à parte. Para essa concepção, prequestionar é ato da parte, independentemente de o tribunal de origem manifestar-se ou calar-se a respeito da questão federal ou constitucional suscitada. (2014, p. 245/246)

Dito isso, observa-se mais uma hipótese de restrição dentro do cabimento do Recurso Extraordinário. A doutrina em geral[6] considera a exigência do prequestionamento razoável, haja vista manter relação intrínseca com a finalidade do recurso interposto no Tribunal Superior.

Além do prequestionamento, o RE também exige que a matéria suscitada em seu bojo tenha repercussão geral (art. 102, § 3º, CF/88), devendo o recorrente demonstrar a notoriedade do tema estipulado no recurso, nos termos da lei, a fim de que o tribunal examine a admissão do mesmo, podendo recusá-lo, é verdade, mas somente através de um quórum de dois terços de seus membros, como bem indica o dispositivo da Constituição Federal acima citado. Sobre tal requisito específico, os capítulos subsequentes o tratarão de forma mais detalhada, pois o mesmo corresponde à grande inovação processual dentro da temática do Recurso Extraordinário.

Entende-se, desta feita, que o Recurso Extraordinário é importante solução para sanar incongruências entre decisões dos tribunais e juízes monocráticos do país com a Carta Magna. No entanto, como foi perceptível, sua admissão não se restringe aos requisitos genéricos de admissibilidade dos recursos (cabimento, legitimidade, interesse recursal e inexistência de fato impeditivo ou extintivo do direito de recorrer), existindo requisitos específicos como prequestionamento e repercussão geral, sendo este último o mais discutido ultimamente pela doutrina, haja vista seu caráter novel dentro do Direito Processual brasileiro.

3 NOÇÕES SOBRE REPERCUSSÃO GERAL

Importante deixar claro, desde já, que a repercussão geral corresponde ao que a doutrina intitulou de “conceito jurídico indeterminado”. No entanto, tal natureza do instituto não tira seus méritos, muito pelo contrário, devido ao seu grau de abertura (questões constitucionais de relevância econômica, política, social e jurídica) as possibilidades dos litigantes aumentaram, sendo importante destacar que o núcleo comum entre estas causas é a questão constitucional, que necessariamente deve estar presente.

Fazendo uma busca histórica, o instituto da repercussão geral teve suas características primordiais estabelecidas na Constituição de 1967/69, introduzidas através das emendas constitucionais 1/69 e 7/77, que alteraram o artigo 119 daquela Carta Magna, acrescentando a expressão “relevância da questão federal” como requisito específico para o cabimento do Recurso Extraordinário. Tal mudança na Constituição fez com que o Supremo Tribunal Federal modificasse seu Regimento Interno, introduzindo a “relevância da questão federal” como requisito de admissão do RE.[7]

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