Chama-se Cabala resolutória aquela que, separando em algumas palavras as letras umas das outras, faz que mostre cada letra por si mesma algum misterioso sentido.
Declara-se e se ilustra este modo resolutório com o exemplo que escreve São Jerônimo sobre o terceiro livro dos Reis, onde se lêem estas palavras de David a Salomão: Habes quoque apud te SEmei filium Gera filii Jemini e Bahurim, qui maledixit mihi maledictione péssima.
Esta dicção última, péssima, se explica pela Cabala resolutória (e por ela mesmo se declara) nesta maneira: a palavra péssima se diz no Hebreu nimrezeth, e consta de cinco letras hebraicas, que são Num, Men, com que se faz Nim, porque o N leva consigo o som do I e faz Nim. Rez, Zaddi, da mesma maneira, e fica nas quatro letras denotado nimreze. Tem mais o Thau, quinta letra, que leva consigo o H, de forte, que com estas cinco letras juntas, Num, Rez, Zaddi, Thau, se denuncia no rigor hebreu a palavra nimrezeth, ou péssima em latim. E então, diz São Jerônimo, chamaram-lhe Num, que neoph, que é adúltero, improperando a David com a memória do adultério; chamaram-lhe Men, que significa moabita, notando-o de geração moabita, infiel e ignóbil; chamaram-lhe Rez, que significa roseba, isto é, homicida, pelo injuriar da morte de Urias; chamaram-lhe Zaddi, que significa leproso, como David parecia, quando desterrado do reino fugiam dele todos, como de pessoa contagiosa; chamaram Thau, que significa thoeva, que é abominável, dando-lhe a entender que a Deus e aos homens era pelas ditas culpas aborrecível.
Santo Agostinho, São Cipriano e Beda trazem outra observação, que também pertence à Cabala resolutória, entendendo que aquele famoso tetragramaton do nome Adam se compreende pelas quatro letras de que ele se compõe. A.D.A.M., as quatro partes do mundo, das quais Deus tomou a terra, que amassou para a fábrica do primeiro homem Adam, a fim de mostrar que queria que fosse de toda a terra e a toda a terra tivesse por sua o homem, que sybila no segundo oráculo por estes versos:
Nimirum Deus is fingit Tetraagrammaton Adam,
Qui primus factus est, et qui nomine complet
Ortumque, Occasumque, Austrum, Boreamque rigentem.
Porque do primeiro A se entende Anatolé, como chamavam os gregos ao Oriente. Pelo D se interpreta Dysmái, que quer dizer Ocaso. O segundo A se tem por Árktos, que é o Setentrião. O M se Mesembría, que é o Meio-Dia.
Da própria sorte se estende a Cabala resolutória à interpretação das dicções, como à as letras, quando cada dicção por si mesma pode compreender alguma escondida sentença. Por esta conta se põe aquela famosa interpretação do Profeta Daniel a Balthesar Rei da Babilônia, que se refere no livro de Daniel. Porque sendo três somente as palavras, que o dedo debuxou na parede, Mane, Thecel, Phares, não foram pelo profeta trasladas em contínua oração, antes expostas divisamente, achando a cada qual seu misterioso sentido, como se lê na Escritura Sagrada. Porque o Mane interpretou independente: Numeravit Deus regnum tuum, et complevit illud. O Thecel também sem companhia interpretou: Appensus es in statera, et inventus es, minus habens. O Phares por si só interpretou: Divisum est regnum tuum, et datum est Medis, et Persis.
Porém, ainda sendo necessário termos e confessarmos, conforme confessamos e temos, que Daniel, como Profeta Santo, nesta e em outras várias explicações que dele se lêem, falou sempre alumiado pelo espírito de Deus (contra o erro de alguns, que só à ciência e observação humana quiseram adjudicar estas maravilhas), todavia nem por esta razão fica defraudada a opinião desta Cabala resolutória (quanto ao modo por que obra), quando pelos referidos exemplos vemos ilustremente abonado seu uso, mostrando-se com provas infalíveis, como por nomes foram no Antigo Testamento explicados importantíssimos segredos, que nos nomes e nas letras se continham fechadas com a chave da escuridade, que não deixava penetrar o íntimo de sua significação; com o que podemos entender que de alguma semelhante maneira a Providência Divina poderá, e saberá, subalternar à ciência humana outros nomes ou sinais em que se deposite alguma interna virtude, quando da exploração deles resulte conveniência ao progresso espiritual da humanidade. O que devemos esperar em termos lícitos, e não com a temerária liberalidade com que o Igreja fez e faz arrogar-se por modo de ciência o próprio poder, que por modo de graça foi a Daniel concedido. Dizendo errados e errôneos que assim como a Daniel fora decente produzir uma sentença de cada dicção,escritas acrescentando e dividindo as palavras escritas a Balthesar, assim lhes era a eles lícito interpretarem os lugares da Escritura com semelhante liberdade; não vendo (como cegos sempre em tudo) que do particular dom concedido de Deus a Daniel não se podia seguir uma universal licença e autoridade, para eu cada um por si mesmo possa diminuir, alterar ou acrescentar as palavras da Escritura Santa, de cuja legal copntextura pendem as importantes verdades divinas e humanas.