Da Cabala Beresiths
Publicado em 20 de janeiro de 2016 por Germano Brandes
Esta Cabala Beresiths, como fundada em meditação natural, afirmam todos os autores que dela escrevem ser uma ciência justa e boa. Pertence à verdadeira Beresiths a interpretação dos mistérios que contém a Santa Escritura, em tal forma que muitos varões sábios entendem não ser esta Cabala outra coisa que o sentido anagógico que os Teólogos Escriturários têm descoberto e admitido acerca do Testamento Sagrado; como bem se conforma com a própria interpretação desta palavra anagogia de que diz : anagogia, entre outras significações, é um remontamento sutil, ou uma excelsa e superior inteligência. Ou como Dionísio: Anagogia, et Theoria pro eodem accipiuntur, id est, pro sensu oraculorum mystico, et recôndito, qui nos in coelum meditando subvenit,
Seu ofício é sublimar o pensamento do homem, e conduzi-lo a nova alteza e contemplação, conforme ao que lemos: Beatus vir, qui in lege ejus medieditur die, que se não diz: Qui legat, nem: Qui scribat, nem: Qui loquatur, senão: Qui meditetur, porque da meditação da lei do Senhor vem toda a sabedoria, como já disse Davi: Initium sapientiae timor Domini.
Esta sublimação do humano pensamento se consegue por um destes caminhos a que os cabalistas chamam Sechel, Sandalphon, Mettatron, aos quais correspondem Diafanidade, Fantasia, Razão. Porque no homem imaginam eles três regiões: baixa, média, altíssima. A primeira entregam ao sentido exterior. A segunda, ao sentido interior. A terceira, ao juízo humano. E nestes três estados assentam seis diferenças, porque no primeiro obram os sentidos corpóreos, e estão suspensas as operações internas da alma; no segundo cessa o corpo, e começa a as da alma por onde é chamado homem; no terceiro cessa a potência intelectiva e começam as operações da mente, por onde o homem é chamado Deus (e mais semelhante a ele) conforme ao que está escrito: Ego dixi, Dii estis. Mas com maior distinção se dizem estes três: Sentido, Juízo, Razão, cuja diferença de espécies constitui na Diafanidade, Fantasia e Mente, pelos quais estados fazem subir a Deus as considerações humanas, levantando-as desde as coisas terrestres às celestiais, das sensitivas às inteligíveis, d mortais às divinas, quase por uma falível consequência ou forçosa ascensão do discurso. Pelo que alguns padres gregos e latinos tiveram para si que Cabala Beresiths é conveniente e necessaria para a interpretação da Bíblia, em que pode fundar a comum sentença dos Cabalísticos referida por Reuchlin: Conversare oportet cum Diis.
Passa a Beresiths a considerar a força e dignidade e natureza de todas as coisas criadas assim naturais como celestes, por onde também de alguns é chamada física exposição, mui semelhante à magia natural, em que Salomão, por obra divina, foi tão eminente, que afirma Jorge Cedrenio tomaram inteiramente de seus livros os filósofos gregos toda a origem da Medicina, de descobria por firmíssima conclusão a qualidade de todas as coisas, desde o cuja virtude ali se não declarasse. O que tudo também da Cabala Beresiths quiseram afirmar os que a seguiam. De que obrigado Reuchlin e favorecido dos hebreus, disse por autoridade eles: Quod ad xplicandum virtutem operis de sanguini impossible; e em outra arte lhe chamou Auro bono, entendendo pelos cabalistas aquele lugar de Isaías: Dignabor homine plusquam aurum optimum.
Entre os gregos parece sem dúvida que não foi de todo ignorada esta ciência (como já dissemos) sendo mui conforme, quando não fosse a , com aquela a quem eles chamaram Cosmologia, segundo se colige de alguns lugares de Platão e principalmente noDiálogo Crátilo comentado por Marsilio Fisino, onde (como adiante veremos) pretende assentar a razão física da virtude dos nomes, por ciência constituída entre sábios hebreus. Da qual afirma Marsilio eram eles tão observantes, que à sua própria religião a antepunham, quando disse: Scientia nominun non est humilis, sed excelsa praecipue divinorum, hanc sapientes Haebrae tanti fecerunt, ut eam nonmodo scientiis omnibus, verum etiam legi scriptae praetulerint; pelo que bem se infere como o uso da Cabala Beresiths lhes facilitava a inteligência dos mistérios e sua Lei, que por ela interpretavam e obedeciam.