Esta Cabala Beresiths, como fundada em meditação natural, afirmam todos os autores que dela escrevem ser uma ciência justa e boa. Pertence à verdadeira Beresiths a interpretação dos mistérios que contém a Santa Escritura, em tal forma que muitos varões sábios entendem não ser esta Cabala outra coisa que o sentido anagógico que os Teólogos Escriturários têm descoberto e admitido acerca do Testamento Sagrado; como bem se conforma com a própria interpretação desta palavra anagogia de que diz : anagogia, entre outras significações, é um remontamento sutil, ou uma excelsa e superior inteligência. Ou como Dionísio: Anagogia, et Theoria pro eodem accipiuntur, id est, pro sensu oraculorum mystico, et recôndito, qui nos in coelum meditando subvenit,
Seu ofício é sublimar o pensamento do homem, e conduzi-lo a nova alteza e contemplação, conforme ao que lemos: Beatus vir, qui in lege ejus medieditur die, que se não diz: Qui legat, nem: Qui scribat, nem: Qui loquatur, senão: Qui meditetur, porque da meditação da lei do Senhor vem toda a sabedoria, como já disse Davi: Initium sapientiae timor Domini.
Esta sublimação do humano pensamento se consegue por um destes caminhos a que os cabalistas chamam Sechel, Sandalphon, Mettatron, aos quais correspondem Diafanidade, Fantasia, Razão. Porque no homem imaginam eles três regiões: baixa, média, altíssima. A primeira entregam ao sentido exterior. A segunda, ao sentido interior. A terceira, ao juízo humano. E nestes três estados assentam seis diferenças, porque no primeiro obram os sentidos corpóreos, e estão suspensas as operações internas da alma; no segundo cessa o corpo, e começa a as da alma por onde é chamado homem; no terceiro cessa a potência intelectiva e começam as operações da mente, por onde o homem é chamado Deus (e mais semelhante a ele) conforme ao que está escrito: Ego dixi, Dii estis. Mas com maior distinção se dizem estes três: Sentido, Juízo, Razão, cuja diferença de espécies constitui na Diafanidade, Fantasia e Mente, pelos quais estados fazem subir a Deus as considerações humanas, levantando-as desde as coisas terrestres às celestiais, das sensitivas às inteligíveis, d mortais às divinas, quase por uma falível consequência ou forçosa ascensão do discurso. Pelo que alguns padres gregos e latinos tiveram para si que Cabala Beresiths é conveniente e necessaria para a interpretação da Bíblia, em que pode fundar a comum sentença dos Cabalísticos referida por Reuchlin: Conversare oportet cum Diis.
Passa a Beresiths a considerar a força e dignidade e natureza de todas as coisas criadas assim naturais como celestes, por onde também de alguns é chamada física exposição, mui semelhante à magia natural, em que Salomão, por obra divina, foi tão eminente, que afirma Jorge Cedrenio tomaram inteiramente de seus livros os filósofos gregos toda a origem da Medicina, de descobria por firmíssima conclusão a qualidade de todas as coisas, desde o cuja virtude ali se não declarasse. O que tudo também da Cabala Beresiths quiseram afirmar os que a seguiam. De que obrigado Reuchlin e favorecido dos hebreus, disse por autoridade eles: Quod ad xplicandum virtutem operis de sanguini impossible; e em outra arte lhe chamou Auro bono, entendendo pelos cabalistas aquele lugar de Isaías: Dignabor homine plusquam aurum optimum.
Entre os gregos parece sem dúvida que não foi de todo ignorada esta ciência (como já dissemos) sendo mui conforme, quando não fosse a , com aquela a quem eles chamaram Cosmologia, segundo se colige de alguns lugares de Platão e principalmente noDiálogo Crátilo comentado por Marsilio Fisino, onde (como adiante veremos) pretende assentar a razão física da virtude dos nomes, por ciência constituída entre sábios hebreus. Da qual afirma Marsilio eram eles tão observantes, que à sua própria religião a antepunham, quando disse: Scientia nominun non est humilis, sed excelsa praecipue divinorum, hanc sapientes Haebrae tanti fecerunt, ut eam nonmodo scientiis omnibus, verum etiam legi scriptae praetulerint; pelo que bem se infere como o uso da Cabala Beresiths lhes facilitava a inteligência dos mistérios e sua Lei, que por ela interpretavam e obedeciam.