CURSOS DE FORMAÇÃO DOS PROFESSORES: PERSPECTIVAS EM RELAÇÃO À EDUCAÇÃO ESPECIAL.

 

*Eliana Costa Bessa

 

Segundo MARQUES (1992), os cursos de licenciatura para a docência secundária foram introduzidos no Brasil na década de 1930 e só mais tarde irão estender-se à preparação de professores para os demais níveis e ramos do ensino. Nascem eles no seio de uma proposta de universalidade que aliasse as dimensões do preparo profissional com as da alta cultura. Essas intenções, no entanto, logo seriam frustradas face à degradação funcional das licenciaturas confinadas à mera habilitação de professores para tarefas docentes definidas, quer no projeto liberal de alguns educadores ou em alguns governos estaduais.

 MARQUES (1992), ainda relata que na legislação posterior será consolidada a separação entre a função universitária de preparar trabalhadores intelectuais para o exercício das altas atividades culturais de ordem desinteressadas ou técnicas, no bacharelado, e a função de preparar candidatos ao magistério secundário e normal, através de seção especial de didática, acrescentada e concentrada em um ano posterior (Decreto- lei nº1.190, de 4/4/39). A duração do bacharelado e da licenciatura é equiparada pelo Decreto –lei nº 9.092, de 26/03/46, podendo os alunos, no quarto ano, optar pó duas ou três cadeiras  ou cursos dentre os magistrados pela faculdade. Receberia para a licenciatura, formação didática teórica e prática no ginásio de aplicação e seriam obrigados a um curso de pedagogia aplicada á educação.

*Professora rede estadual de Mato Grosso, Licenciada em Letras Pela UNEMAT (Universidade do Estado de Mato Grosso), Pedagogia para as séries iniciais e ensino fundamental pela UFMT (Universidade Federal de Mato Grosso) e pós-graduada em Educação Especial.

Dessa forma, segundo MARQUES (1992),  na década de 1980, a questão da formação do educador ultrapassa os limites das discussões internas e ganha forma de debate nacional. O movimento e, depois, a Comissão Nacional de Reformulação dos Cursos de Formação de Professores, em seus encontros periódicos, busca melhor definir o conceito central de uma base comum nacional de formação do educador, centrada na docência e nas relações intrínsecas entre as dimensões profissionais, política, e epistemológica de formação.

 Com vistas a uma formação mais sólida e menos fragmentária, postula-se uma aproximação maior entre as disciplinas de conteúdo e as disciplinas pedagógicas, através de disciplinas integradoras, que propiciem o caráter abrangente da formação do educador, englobando a adequação, dosagem, organização e aplicação do conhecimento a ser licenciado nos diversos graus do ensino e nas diferentes realidades existentes. Seriam disciplinas que trabalhem o conteúdo especifico na ótica do ensino. Tais as Práticas de ensino, a Didática especial e , nas áreas da física e da Química, as instrumentações para o ensino.

Portanto, é preciso considerar os territórios corporativos dos profissionais ligados á Educação Especial. Eles lutam por conservar seus privilégios, identidades corporativas e os reconhecimentos sociais, que adquiriram em todos esses anos. Não admitem que sua formação se descaracterize, suas práticas sejam abaladas pela inclusão, temendo perder seus espaços, duramente conquistados, de uma hora para outra. Com isso ficam cegos diante do que a inclusão lhes propiciaria, desde que conseguissem admitir o caráter complementar conferido á Educação Especial, pela nossa constituição, quando propõe o atendimento educacional especializado.

De fato, no art.208, fica estabelecido que o dever o Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente, na rede regular de ensino. Constitucionalmente esse atendimento implica a ressignificação da Educação Especial, pois é aquele que complementa, mas não substitui o que é ensinado em sala de aula a todos os alunos com e sem deficiência, garantindo a inclusão de alunos com deficiência nas escolas comuns; ele deve estar disponível em todos os níveis de ensino.

 

O processo de inclusão é muito mais que um discurso bonito, é a representação de um direito adquirido é, sobretudo, um passo da sociedade na busca da tão sonhada igualdade e da fraternidade.

No âmbito educacional tem-se lutado para dar assistência com qualidade às crianças com necessidades especiais. Por isso, a formação dos profissionais da educação é um dos aspectos que merece atenção especial, uma vez os cursos oferecidos ultimamente não têm atendido as reais expectativas da educação. As academias poucas preparam os profissionais, pois não discutem o tema com a seriedade que ele demanda, apesar de ser amparado por lei, além disso, a realidade mostra o grande número de crianças com necessidades especiais  que estão frequentando as escola comuns e muitas vezes não recebem o tratamento devido por não terem profissionais capacitados.

Com base nisso, há muitos cursos de especialização voltados para a Educação Especial, os quais têm como objetivo principal atender as necessidades dos alunos não só de aprendizagem como também de seres humanos com limites e possibilidades. Portanto os educadores precisam ter como meta principal em suas atividades docentes a construção da aprendizagem e principalmente a autonomia pessoal e social do aluno.

O município de Sapezal tem se mostrado empenhado em atender as crianças com necessidades especiais, porém ainda falta muito para chegar ao ideal, a começar pela capacitação dos educadores, as adaptações nas estruturas físicas de ensino e também curriculares, pois nós educadores ainda nos assustamos como processo de inclusão.

No que se refere às adaptações curriculares existem três aspectos que merecem destaque: O geral referente ao Projeto Pedagógico Escolar no qual os professores e diretores podem fazer adaptações que visam contribuir para o desenvolvimento dos alunos com necessidades especiais: O particular que é ação pedagógica que cada educador realiza para auxiliar seu aluno na aprendizagem; e o nível individual que se trata da necessidade que cada aluno tem, por isto as adaptações são necessárias tanto para os alunos com altas habilidades como também aqueles com deficiências.

O que se precisa ter claro é que o processo de inclusão vai além das adaptações curriculares, ela envolve uma conscientização social, familiar, educacional e individual, pois a inclusão é antes de tudo o reconhecimento de direito humano que é a interação social.

O processo educacional é antes de tudo um processo cultural e a escola foi criada para uma parcela privilegiada da população, os mais ricos financeiramente, por isso a língua e as formulas que nela se ensina e para atingir um público com determinadas características e nesta situação muitos ficam e excluídos. A discussão que impera hoje é que a escola é para todos, entretanto nossos professores não estão preparados para lidar com as crianças especiais nas escolas. Aqueles professores efetivos que se formaram há certo tempo não tem cursos de aperfeiçoamento e os que estão formando agora, saem das academias despreparados para esta situação.

Construir e conceitualizar a ação didática em educação especial, pressupõe também caminhar complexa e provisoriamente. Não é possível destrinchar o objeto de conhecimento para simplificar nossa tarefa, temos de enfrentá-lo globalmente e abordar todos os aspectos ao mesmo tempo, sem evitar a complexidade.

“Há dez anos, quase 90% dos matriculados frequentavam instituições ou classes especiais. Hoje, são apenas 53% nessa situação, ou seja, quase metade está em salas regulares. A batalha continua, mas agora acompanhada de outra tão importante quanto: garantir a aprendizagem. Não basta acolher e promover a interação social, é preciso ensinar..”. (Nova escola, 2007, p.39).

 

A Educação é por natureza especial, mesmo aqueles que dizem atuar com crianças normais estão de certa forma lidando com situações especiais que exige do professor um olhar especial. A questão cultural, as raças, as posições sociais são fatores que infelizmente geram marginalização e exclusão na sociedade. Por isto entende-se que a educação é o elemento integrador da humanidade, só um trabalho de sensibilização tornará a sociedade menos etnocêntrica e mais relativista.

“A prática preconceituosa de raça, de classe, de gênero ofende a substantividade do ser humano e nega radicalmente a democracia. Quão longe dela nos achamos quando vivemos a impunidade dos que matam meninos nas ruas, dos que assassinam camponeses que lutam por seus direitos, dos que discriminamos negros, dos que inferiorizam as mulheres. Quão ausentes  da democracia se acham os que queimam as igrejas de negros porque, certamente negros não tem alma. Não rezam. Com sua negritude, os negros sujam a branquitude  das orações”.(Freire, 1996, p.36).

Mais que isto, a Educação torna-se o único meio para que todas as culturas venham a ser consideradas na rede social, talvez por esta razão seja esta a área de maior interesse e também de maior conflito, uma vez que é constituidor de subjetividade e multicultural.

A educação está envolvida em um contexto de luta, entre os grupos culturalmente dominantes e culturalmente dominados. No entanto os grupos culturalmente dominados, geralmente buscam modificar, por meio de suas ações, de seus posicionamentos, de seus discursos, a lógica através da qual a sociedade produz sentidos e significados sobre si mesma e sobre os grupos que a constituem, assim podemos compreender o valor de estudar os grupos culturalmente dominados e as propostas a eles dirigidos.

“Refletir sobre o processo de ensino / aprendizagem significa pensar sobre os modelos de explicações do que acontece na natureza, na sociedade e na vida de cada homem em particular. Significa pensar sobre teorias, leis, procedimento, hipóteses de investigações”. (Santos e Pannuti, 2006, p. 15).

 

A primeira condição para que a aprendizagem das crianças com necessidades especiais aconteça no ensino regular é que o professor acredite naquilo que ele está fazendo, que ele esteja preparado para nortear suas ações em sua prática cotidiana. Para isto, a licenciatura e os cursos de formação continuada são muito importantes.

Não se pode esquecer que a educação vem sendo considerada um importante instrumento de mudança social, sabemos também que dada á situação da educação do nosso país, ainda há um longo percurso para alcançarmos o ideal, contudo, sabemos que uma educação que atinge a todos sem distinção realmente pode transformar uma sociedade.

Quando se discute a questão da educação especial, especificamente a inclusão, entende-se que os cursos de formação de professores precisam contemplar  este tema uma vez que faz parte desse caminho repensar a dimensão do currículo e o que temos feito em sala de aula, qual a nossa relação com o conhecimento e com nosso alunos, considerando as necessidades de formação docente no diz respeito a concepção de educação; ao conhecimento sobre o desenvolvimento físico, afetivo, social e intelectual dos alunos; ao conhecimento da comunidade na qual está inserida a escola; ao conhecimento das disciplinas com as quais trabalha; ao conhecimento de metodologias, estratégias e materiais didáticos. Neste sentido, como queremos que o processo de inclusão dê certo se não capacitamos nossos professores?

Então nos perguntamos, Quem é nosso professor?  E em muitos casos a resposta seria é um trabalhador solitário e desprestigiado com jornada de trabalho injusto, que vive em país que estabelece um piso salarial para professores extremamente vergonhoso e humilhante sob pretexto de estar melhorando a educação. Nosso professor é um profissional que, muitas vezes, esta dando muito mais do que recebeu, pois que também é fruto desse mesmo sistema de ensino que, menosprezando a educação, coloca em segundo plano também seus agentes formais, obrigando-os a uma formação limitada e também precarizada. Minha convivência pessoal e profissional com professores revela a presença de profissionais nem sempre bem-sucedidos, sentindo-se solitários e desmotivados, trabalhando ora segundo procedimento tradicionais ora cedendo à pedagogia da facilidade, mas sempre convivendo traumaticamente com o fracasso e desinteresse de seus alunos.

Mesmo registrando que as mudanças sociais ocorridas na maioria dos países ocidentais no século XX geram profundas transformações no valor que os grupos sociais atribuem à educação e suas expectativas com relação á escola, implicando desprestigio ao magistério, gerando insegurança, ceticismo ou desencanto, quando não doenças físicas e psicológicas em boa parte dos professore, em várias partes do mundo. Entretanto, ceticismo, recusa ou desânimo não têm impedido que a maioria dos professores continue a lecionar, assim como é interessante relatar que, apesar do fracasso, a maioria das famílias brasileiras continuam colocar seus filhos na escola por que acima de tudo acreditam na educação e na escola como instituição capaz de transformar e emancipar uma sociedade.

Não seria este um dos grandes impasses na educação brasileira? Mesmo sabendo tão pouco sobre o que os professores pensam e trabalham, vemos muitas diretrizes para a formação dos professores que, muitas vezes, ignoram resultados de pesquisas, continuam a proliferar receituários, tentando normatizar um cotidiano escolar que pouco conhecem.

Compreender e analisar nossos professores, inseridos neste contexto conflituoso, é tarefa decisiva para os pesquisadores em educação. Investigar seus processos formativos e construir alternativas para enfrentamento das dificuldades, mediando sua prática pedagógica, são pontos de honra para educadores competentes.

È relevante salientar que o desenvolvimento profissional docente não acontece apartado da cultura da escola, regras e ritos. A escola tem ritmos próprios, normas, rotinas que condicionam a prática pedagógica até mesmo dos mais bem-sucedidos professores. Toda escola está condicionada por leis de um sistema escolar que pode bloquear possibilidades de mudanças e aprendizagem profissionais da docência. È na escola que muitas concepções são perpetuadas é na escola que, concretamente, os professores reforçam ou anulam saberes oriundos de sua formação. Neste sentido, não é possível limitar um estudo apenas, sobre uma determinada modalidade de ensino, chamando-a de educação especial pois quando se trata de formação dos professores toda a educação deve ser tratada como especial.

“A revisão do currículo da formação de professores deve ser coerente com os recentes resultados das investigações sobre aprender e ensinar. Como mostrou Calderhead  (1991), os professores em formação têm um conhecimento inicial acerca do ensino, na medida em que tiveram experiências com crianças, ou ainda devido ás milhares de horas em que foram estudantes. Este conhecimento pode influenciar os alunos em práticas, proporcionando-lhes imagens, modelos e práticas que podem não ser os mais adequados a um ensino que procura fomentar a compreensão dos alunos. A formação deve facilitar a tomada de consciência das concepções e modelos pessoais e, em alguns casos provocar a dissonância cognitiva nos professores em formação”. (García, 1999, p.100)

 

No caso do atendimento á crianças com necessidades especiais, é preciso pensar na escola como redes de autoformação continuada, enquanto espaços formativos e de experimentação, enquanto organização em desenvolvimento, certamente não é um ponto forte da cultura de nossas escolas e pode estar muito longe do poder de ação dos pesquisadores e mesmo das universidades. Na maioria das vezes é mais fácil a escola aceitar os pesquisadores na condição de diagnosticadores ou avaliadores do fracasso do que como colaboradores ou investigadores-parceiros na construção do sucesso escolar.

 Faz parte, também, da formação do professor estabelecer relações entre o que faz em sala de aula e as características e necessidades de nosso país. A grande demanda por educação, requer atendimento a todas as camadas da sociedade, portanto todas as camadas incluem as pessoas com necessidades especiais.

A questão do desenvolvimento profissional deve estar intimamente relacionado com o desenvolvimento da escola, com o desenvolvimento e a inovação curricular, com o desenvolvimento do ensino e da profissionalidade docente. Por isto é preciso se pensar numa escola como unidade básica de mudança e formação, salientando alguns aspectos necessários ao desenvolvimento dessa formação: existência de liderança instrucional entre os professores, a existência de uma cultura de colaboração e, em terceiro lugar, a existência de uma gestão democrática e participativa, para que se consiga a relação entre o desenvolvimento profissional e o desenvolvimento organizacional. Tal gestão requer autonomia, por parte dos professores, nas tomadas de decisão acerca do ensino, das questões organizacionais, profissionais, etc.

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