CURRÍCULO, DIFERENÇA CULTURAL E DIÁLOGO

João Paulo Nogueira de Souza

              O artigo Currículo, diferença cultural e diálogo, de autoria de Antônio Flavio Barbosa Moreira faz uma análise crítica do multiculturalismo na sociedade contemporânea, tendo como alicerce para a desagregação cultural, o diálogo. Para que chegar às conclusões apresentadas no decorrer do texto, o autor realiza entrevistas com especialistas brasileiros acerca do tema, buscando reflexões que serão apresentadas adiante.

            De início, é realizado um estudo bibliográfico sobre os conceitos de multiculturalismo, diferença cultural e diálogo, assim como na inserção desses termos dentro do currículo escolar. Para isso, o autor interroga o leitor em relação ao que se pretende saber e logo depois oferece às respostas necessárias.

                Dentre os vários significados contidos no texto para multiculturalismo é citado o fato de que esse indica o caráter plural das sociedades ocidentais contemporâneas, como forma de resolver problemas conflitantes do mundo atual, sobretudo na conformação das relações de poder entre os grupos.

              O artigo deixa explícito a centralidade que se tem dado a cultura na contemporaneidade, onde ela deixa de ser vista como algo separado da esfera social e passa a ser não só parte dessa mais fator que interfere na forma como a sociedade atende às necessidades dos indivíduos que a constituem. Nesse ponto, o que o autor chama de revolução cultural ganha um poder analítico e explicativo e se mostra essencial nos discursos, práticas e políticas curriculares. Contudo, é claro na leitura do artigo que a ascensão que a multiculturalidade tem alcançado não implica reduzir tudo à cultura, como se nada existisse sem ela.

              Quanto à centralidade dos fenômenos culturais no âmbito social e a existência de diversidades culturais em um mesmo país ou em países distintos, o texto cita que embora os grupos dominados tenham conseguido certa liberdade cultural, ainda há um predomínio da cultura dominante, que tende a lutar para que haja uma homogeneização cultural, o que, segundo o autor pode ser visto facilmente através dos meios de comunicação de massa. As consequências desse processo de, por um lado a tentativa de homogeneizar a cultura e por outro lado a luta para a aceitação de seus valores culturais é a existência de práticas sociais competitivas e imprevisíveis, que se configura sob forma de guerras, perseguições e exclusão social dentre tantas outras formas, que podem ser vistos facilmente, inclusive no Brasil.

             Como forma de reduzir os males causados pela dominação da cultura dominante através das relações de poder, o autor sugere que se busque a disseminação de um multiculturalismo benigno, que seria, segundo o mesmo, uma forma de tolerância e respeito entre as pessoas e as sociedades e, ao mesmo tempo um multiculturalismo crítico, que é o questionamento das práticas sociais e a busca por melhorias dessas práticas, fenômeno esse que, para ele não pode ser deixado de lado nas práticas curriculares. Entretanto, para que se consiga chegar a esse modelo de sociedade, faz-se necessário o que o autor desse artigo, recorrendo a fontes bibliográficas, chama de conhecimento emancipação, que seria o próprio reconhecimento do sujeito em relação às suas obrigações e direitos individuais e sociais, assim como o do outro, promovendo assim uma sociedade mais solidária.

               Dentre os fatores que dificulta essa prática multicultural, de acordo com o artigo está o fato de que as lutas enfrentadas s esbarram em dois obstáculos: O silêncio e a diferença, e nesse contexto, assim como em diversas partes do texto, é recorrido aos estudos de Sousa Santos (2001) que enfatiza a necessidade de se ter cuidado para que as diferenças não contribuam para isolar os grupos, fato esse que já é visto em diversos meios sociais e que o autor referido nesse parágrafo denomina de apartheid.

                Após toda abordagem teórica, acima explanada de maneira sucinta, o autor apresenta sua pesquisa, assim como anteriormente com perguntas tais como: Que estratégias tem sido utilizadas para conferir uma orientação multicultural aos currículos das escolas, assim como outras perguntas pertinentes, às quais as respostas foram buscadas na leitura de outros pesquisadores do assunto.

            O enfoque, embora de forma distinta, em relação a preocupação com a diferença, no que diz respeito a diversidade cultural e o diálogo, como forma de promoção do multiculturalismo crítico, faz parte do alicerce das pesquisas realizadas e, para isso, o autor faz uma análise de quais pesquisadores utilizados na elaboração do texto se preocupa com cada um desses enfoques, tratando de cada um deles de forma mais detalhada a partir das entrevistas, as quais segue uma explanação nos parágrafos abaixo.  

               O primeiro ponto da entrevista focaliza a diferença cultural, tema que preocupa os pesquisadores da área, tendo como eixo de reflexão o fato de que “IO que nos une são as nossas diferenças”, como relata um dos especialistas, ou seja, a necessidade de compreender a singularidade de cada cultura e assim conhecer melhor a especificidade de cada ser humano.

              Para se aprofundar nesse tema, o autor utiliza diversas citações de pesquisadores entrevistados, dentre as quais é lembrado o fato das diferenças culturais existentes aqui no Brasil e que mesmo com a ideologia de que todos somos iguais, a discriminação, seja racial, social e cultural perdura o nosso país.

                Outro ponto forte dessa parte do artigo está na discussão a respeito da associação diferença cultural-poder, onde é trabalhado o fato do porquê algumas diferenças culturais ao longo da história se comportarem como superiores a outras. E como respostas a esse questionamento tem-se duas facetas: A primeira é a luta dos oprimidos por aqueles que mantém o controle sobre o poder, a segunda é a acomodação para não dar a resposta à classe dominante.

             O texto cita nesse aspecto a diferença entre identidade e diferença, listando essas características como interdependentes e relatando o fato de que a identidade não é uma essência, um dado, não é algo fixo, estático, homogêneo, mas ao contrário, instável, contraditória, inconsistente, inacabada. Dessa forma, identidade e diferença ligam-se a estruturas discursivas, a sistemas de representação e relação de poder. Ao se conceber identidade e diferença dessa forma, sugere-se no artigo que se utilize estratégias pedagógicas que abordem esses dois elementos como questões de política.

                 Para finalizar essa primeira parte da entrevista, o autor do artigo evidencia o fato de que não é suficiente que os conteúdos e experiências curriculares trabalhem apenas o respeito às diferenças, é indispensável que se questione a produção da diferença.

                 A segunda parte da entrevista realizada no artigo diz respeito às implicações da multiculturalidade dentro do currículo, para isso, inicia-se esse tópico com a necessidade da escola, reconhecendo a diversidade cultural na sociedade e em seu interior, abandonar em sua prática pedagógica a perspectiva monocultural, denominada de daltonismo cultural, caracterizado pela insensibilidade de alguns professores trabalharem à heterogeneidade.

              Para que a multiculturalidade possa fazer parte dos currículos escolares é fundamental uma formação docente que trabalhe a diversidade cultural, o que não se faz presente em muitos dos cursos de nível superior atual. Sendo assim, esse professor seria um docente reflexivo, multiculturalmente orientado. A expectativa é que se explore nos futuros docentes o que se chama de estética da relação professor-aluno, que na verdade faz parte do conjunto de atitudes que favorece a boa relação na sala de aula, onde, horizontalmente equilibrados, professor e aluno possam cumprir seu papel com competência e desenvolver suas potencialidades.

            Outro item que merece destaque nas entrevistas realizadas pelo autor do texto está no que um dos entrevistados chama de reescrever o conhecimento a partir das raízes étnicas, mas não individualmente, mas olhando para mim e para o mundo a minha volta.

               Ainda nesse embasamento teórico, mas partindo para outra análise surge uma terceira e também importante implicação, que é a de ancoragem social, que trata de entender como, historicamente, posturas preconceituosas cristalizaram-se no currículo, nas diferentes disciplinas. Para isso, é preciso compreender o contexto social da época em que esse conteúdo ou disciplina surgiu, qual a ideologia dominante. Com o objetivo de romper essa ancoragem, professores reflexivos devem mostrar aos seus alunos, o processo pelo qual se deu as diferenças que existem até hoje e que causam tanta marginalização, dor.

               As implicações anteriores levam a uma quarta, fundamental em qualquer ambiente social, que é a criação de um contexto no qual as relações interpessoais favoreçam a aprendizagem, para isso, conhecer o outro é muito importante, pois é através dele que se percebe sua cultura, seus valores. Nesse enfoque, a tarefa do professor é de criar enredos, histórias e o currículo tem como função criar contextos que tornem possível a aprendizagem, contudo, é indispensáveis nesse processo que os sujeitos envolvidos estejam abertos ao diálogo.

              Tratando-se de diálogo, parte da entrevista do artigo que focaliza esse elemento mostra a função da educação como forma de fazer a mediação através do diálogo entre pessoas de diferentes culturas. Há de se refletir que pedir para que os professores sozinhos façam essa mediação é algo pesado demais, porém, outras entidades como partidos e sindicatos podem e devem colaborar com essa mediação. É importante também a criação de fóruns nacionais e internacionais que possam tentar da conta da complexidade dessas relações, ampliando os espaços públicos, de modo que os mediadores saiam apenas do âmbito escolar e possam enriquecer os debates.

              Há que ressaltar o que o artigo chama de inconsciente, que seria um terceiro elemento presente no diálogo, que seriam as fantasias, os medos, os desejos, que a medida que não podem ser expressados, devido a opressão deixam de existir e de fazer parte do discurso, aumentando ainda mais o poder do dominador sobre o dominado. O espaço não-transparente do inconsciente provoca inevitáveis desajustes entre uma interpelação e a resposta, entre um currículo e a aprendizagem.

               O autor finaliza o artigo fazendo um breve discurso de abreviação do que foi difundido, ressaltando mais uma vez as relações existentes entre os pesquisadores entrevistados ou lidos e trazendo sugestões de como pode se trabalhar o tema nas práticas pedagógicas curriculares.