Faz 20 anos, no dia vinte de novembro de 2012, que foi fundada, no Hospital Distrital do Fundão, a Unidade de Tratamento da Dor D. Eva Nunes Correa. Esta iniciativa pioneira constituiu o princípio dos cuidados paliativos em Portugal:

DA ESCURIDÃO PARA A LUZ

Pareceria à primeira vista que longe iam os tempos em que a precariedade dos cuidados e a escassez de soluções médicas prodigiosas face às doenças graves tinham sido a regra. É interessante, por exemplo, olhar mil anos atrás e imaginar como era a vida desse tempo. A desgraça era muita e, sem plausíveis remédios, havia no entanto a grande religiosidade que amortecia a angústia. As catedrais majestosas relevam o poder enorme da força invisível da fé dessa época, ao mesmo tempo que permitiam que se acolhessem à sua sombra as primeiras enfermarias onde os infelizes chegavam com o corpo mazelado. Vagabundos, peregrinos exaustos após penosas caminhadas em busca de redenção, doentes e moribundos, finalmente, podiam aí repousar. Penúria é certo, mas cheia de uma graça que só podia ser divina. Invocava-se o exemplo de Cristo que, sem pejo, tocara o leproso e o curara, invocando apenas o amor. A virtude divina usava assim, também ela, uma força terrena sem limites.

Mil anos depois, porém, a medicina triunfante chegara para dar outras cartas nessa tarefa da cura. Cartas vencedoras com o cimento da ciência.

Mas, em maio de 1992, o Jornal do Fundão relatava um caso muito estranho! Um homem, com um cancro incurável e a face derruída, jazia no leito da sua casa, na serra da Gardunha, esperando a morte, abandonado por essa mesma medicina trinfante. Oh! escândalo inconveniente. Que notícia fora do tempo! Então a medicina não chegava a estes casos de doença tão intensa? Onde estava a sua competência? Fugira? Parece que ninguém sabia ou queria responder a tais perplexidades.

Valeu que o caso acabou por servir de exemplo para provocar a mudança abrindo uma luz em escuridão tão pesada e tão lenta a aclarar. O grito do Jornal do Fundão tinha todo o sentido. Ainda hoje se diz que a medicina paliativa, que chegou até nós mas que é tão exígua no país, começou exatamente por aqui.