Cruz e Lobato, o médico e o escritor na luta em prol do sanitarismo

Denise Mendes de Melo & João Evangelista de Melo Neto

Vários são os estudos produzidos acerca da vida e da obra do médico Oswaldo Cruz, assim como do escritor Monteiro Lobato, os quais se celebrizaram e tiveram seus nomes perpetuados na história pelas atuações destacadas nos seus respectivos campos profissionais.

Contemporâneos que foram, viveram a conturbada passagem da primeira república, marcada por crises que sucederam o final do regime imperial, com graves problemas econômicos, em especial na agricultura, que se adaptava a ausência de braços escravos e a vinda de  trabalhadores estrangeiros.

Oswaldo Gonçalves Cruz, nascido em 1872, bem cedo escolheu a saúde pública como seu campo de atuação profissional. Após se graduar em medicina no Rio de Janeiro, rumou para Paris, onde esteve por três anos em aperfeiçoamento profissional no Instituto Pasteur, período em que publicou diversos trabalhos sobre medicina geral e pesquisas.

De volta ao Brasil, Cruz funda o Instituto Soroterápico, na Fazenda Manguinhos. Com apenas trinta anos de idade, foi nomeado diretor geral de Saúde Pública, quando teve início a sua brilhante trajetória sanitarista. Lutou contra a febre amarela, a varíola, a peste bubônica e a tuberculose. Em 1910, Cruz traça um plano de combate à malária na Amazônia para permitir a construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré.

Aspecto marcante da atuação de Oswaldo Cruz foram as expedições científicas por ele promovidas, com especial destaque para a viagem aos sertões, empreendida por Arthur Neiva e Belisário Penna, cujo relatório foi divulgado em 1916. O relatório Neiva-Penna mostrou para as populações dos grandes centros urbanos a extensão avassaladora das mazelas representadas pelas doenças amplamente disseminadas entre a população rural.

José Bento Monteiro Lobato nasceu em 1882 na cidade de Taubaté, o no atual município de Monteiro Lobato, como querem alguns autores. Formou-se em direito na capital e foi promotor público em Areias, no interior de São Paulo, após o que transferiu-se para a fazenda Buquira, herdada de seu avô, o Visconde de Temembé.

Lobato, no período em que foi fazendeiro, escreveu dois artigos polêmicos – A velha praga e Urupês – nos quais atribuiu ao caboclo, ou seja, ao homem do sertão, a culpa por todos os problemas que afetavam o desenvolvimento do país. Ênfase foi dada ao setor agropecuário em que o Jeca Tatu representava o agente responsável pelas queimadas destruidoras da fertilidade do solo, empobrecendo-o para a agricultura, além da destruição das matas. Esses dois artigos foram divulgados na imprensa em 1914 e, mais tarde, em 1918, publicados no livro intitulado Urupês.

A questão básica que une os dois personagens vem a ser a luta pelo saneamento do país, uma vez que Monteiro Lobato empreendeu uma radical mudança no seu pensamento racista - evidenciado na caracterização dada ao personagem Jeca Tatu - por influência das descobertas que foram reveladas através do relatório Neiva-Penna e diante da atuação saneadora de Oswaldo Cruz.

Lobato ao rever seus conceitos sob a influência do relatório passou a atribuir como causa do estado mórbido, indolente e apático do caboclo, a doença e não mais a raça. Nesse período, Lobato declarou: “o Jeca não é assim, está assim”.

Numa época em que não havia as facilidades de comunicação do rádio e da televisão, os artigos publicados nos jornais, em especial os de grande circulação, adquiriam grande destaque.  Foi disso que lançou mão Monteiro Lobato, ao dar popularidade aos relatórios dos sanitaristas da equipe de Oswaldo Cruz, quando tratou o saneamento como o problema vital do país.

Em 1918, Lobato divulgou em um grande jornal de São Paulo nada menos do que quatorze artigos com elogios e informações sobre o trabalho de Oswaldo Cruz e dos sanitaristas de sua equipe. Esses artigos, que tiveram grande repercussão, foram publicados em livro sob o título de Problema Vital.

O relatório de Neiva e Penna, assim como outros importantes relatos de viagens daquele período, continua sendo referência nacional e internacional para os pesquisadores que se debruçam sobre as questões de saúde pública. Os relatórios produzidos por Oswaldo Cruz e seus seguidores constituem base para o estudo das doenças do país através dos tempos, possibilitando tecer importantes considerações sobre as condições de saúde e a promoção de ações para a prevenção e cura das doenças.

Os aspectos que se pretende estudar se relacionam à saúde coletiva, ao saneamento e às políticas públicas de saúde, todos pertencentes ao campo da enfermagem, salientando que os problemas de higiene encontrados nas primeiras décadas do século XX persistem em muitas regiões do país e constituem aspecto de suma importância, no momento em que o Brasil enfrenta diversas epidemias que apresentam como pano de fundo o problema da falta de saneamento.

Mais do que uma homenagem aos personagens, este estudo adquire importância uma vez que muitas das precárias situações sanitárias denunciadas no tempo de Oswaldo Cruz ainda persistem no Brasil atualmente, como se pode verificar com as epidemias de dengue e outras doenças que estão a provocar pesadas perdas na população.

Esta é tão somente uma reflexão não pretende enveredar pelos estreitos e longos caminhos da análise do pensamento social ou das tendências políticas que tiveram cenário na Primeira República.

O que se pretende é conhecer um pouco mais sobre alguns aspectos da obra de Oswaldo Cruz, em especial o que representou para movimento sanitarista e o que significou para o avanço da saúde pública no país.

Já Lobato é sobremaneira estudado, mas carece de uma apreciação mais detalhada a sua atuação em prol do sanitarismo.