Com o advento da Rede Mundial de Computadores e a aproximação política e econômica das nações pós Guerra Fria, que de fria não tinha nada devido ao calor de suas tensões, havia a esperança da aproximação das culturas do mundo todo numa grande Aldeia Global. Nessa esteira e com ares de mudança e avanços tecnológicos, foram surgindo aprimoramentos virtuais que encantam e desaparecem anualmente, mais ou menos como acontece com os hits da temporada de carnaval aqui no Brasil. Tocam sem parar em tudo que é parafernália de dispositivos de música durante alguns meses na entressafra do carnaval e depois como num passe de mágica ou se preferir usando o “desneuralizador” do filme MIB – Men in Black (1997) ninguém mais se lembra.

Curiosamente aplicativos de relacionamentos virtuais tem uma longevidade maior. A explicação pode ser simples ou complexa. Vou optar pela minha mesmo, deixando as complexidades para os intelectuais de plantão. Nota-se uma grande necessidade de aproximação com o diferente que parece tão encantador pelas suas belas fotos que lembram muito as propagandas de creme dental. Filtros e fotos sem fim que ninguém irá admirar, nem mesmo você, são desovados todos os dias nas respectivas paginas de relacionamento. E lá permanecem na esperança de uma curtida, um joinha, um match salvador que te faça menos solitário e mais amado. Muito parecido com a realidade representada nas ilustrações de Steve Cutts em Happness (2017) e Are you lost in the world like me (2016). Nas descrições frases impactantes de todos os tipos, tais como: “Não sei o que estou fazendo aqui”, “Alguém para me tirar daqui” e muitas outras que demonstram claramente um apelo com sentido duplo. Ou seja, demonstro que busco alguém e ao mesmo tempo não tenho domínio algum sobre mim mesmo. É mais ou menos o paradoxo da mãe ou do pai que dá a bronca nos filhos sorrindo, uma dupla mensagem confusa.

Mas nada disso se compara a substituição do diálogo pelos interrogatórios virtuais. As desculpas variam entre manter a segurança da fragilidade feminina principalmente em detrimento da exposição genital masculina (o famigerado Nud’s) nos aplicativos e evitar os psicopatas de plantão. Vejam, temos até diagnósticos psiquiátricos neste meio. Dependendo da sua fala, você será cancelado porque não passou no psicotécnico da pessoa.

Horas e horas afio são gastas digitando e enviando áudios cujo conteúdo é a mais pura propaganda e culto a sí mesmo expondo sempre o melhor ângulo na foto, coisa que deixaria o Faraó Ramsés II (O Grande) com inveja, só não é superado porque seu legado já dura milênios. Aliás ele foi esperto, seu legado foi inscrito e esculpido em rochas e não na nuvem que por sí só já é um símbolo interessante, mas deixemos isso para os psicólogos, egiptólogos e historiadores. O pior ainda não é isso, é ter que passar por uma sabatina de questões como: solteiro? tem filhos? enrolado? trabalha? estuda? etc. E por aí vai somadas a dezenas de outras que não apresentam esperança de fim para se iniciar um diálogo autêntico. Nota-se que as pessoas não sabem mais conversar sem passar mais de poucos segundos sem fazer uma questão com a desculpa da autoproteção e da paz mundial. Depois de horas de interrogatório com luz forte do celular no rosto e se comportando como um cão adestrado que aguarda a recompensa, você é simplesmente cancelado, bloqueado, excluído sem nem ao menos receber um beijo na boca de compensação.

Diante destes fatos fica a questão: qual o objetivo de tudo isso, digo, destes interrogatórios virtuais? Insegurança? medo? Mera curiosidade? Afastar o tédio como alguns afirmam? Não se sabe ao certo as causas, mas pode-se afirmar que a fluidez das relações virtuais caminha para mudança no modo como nos relacionamos. Questionamos mais do que propriamente falamos de nós mesmos. Quais as consequências? Talvez corações partidos, crimes cometidos, exposição excessiva e tantas outras possibilidades que se possa imaginar.

No entanto, muitos relacionamentos autênticos e verdadeiros surgem, sinal de que há esperança, e eles tem tido um prazo de validade maior até do que os dos próprios aplicativos. Sinal de que o segredo nunca esteve na tecnologia em si, mas no ser humano por trás da sua cortina virtual.  Portanto, pense duas vezes antes de escrever no seu status “Não sei o que estou fazendo aqui”, “Alguém para me tirar daqui”, porque chega a ser até um insulto a capacidade humana de liberdade e racionalidade. E como diz o gato Cheshire a Alice na obra de Lewis Carrol “para quem não sabe onde vai qualquer caminho serve”.

Pense bem, menos interrogatórios e mais diálogos, menos virtualidade e mais presencialidade, menos imaginário e mais concretude que fomente o verdadeiro amadurecimento humano das relações.