CRÍTICA À LEI FEDERAL 8.429, DE 02 DE JUNHO DE 1992 E SUA INTERPRETAÇÃO DOGMÁTICA - LEI PARA COIBIR O ENRIQUECIMENTO ILÍCITO NO SERVIÇO PÚBLICO (Felipe Genovez)

A Lei Federal n. 8.429, de 02 de junho de 1992 dispôs sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional, além de dar outras providências. O art. 1º dispõe que:

“Os atos de improbidade praticados por qualquer agente público, servidor ou não, contra a administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos municípios, de território, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade  para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de cinquenta por cento do patrimônio ou da receita anual, serão punidos na forma desta Lei. Parágrafo único. Estão também  sujeitos às penalidades desta Lei os atos de improbidade praticados contra o patrimônio de entidade que receba subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público, bem como daquelas para cuja criação ou custeio ao erário haja concorrido ou concorra com menos de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, limitando-se, nestes casos, a sanção patrimonial à repercussão do ilícito sobre a contribuição dos cobres públicos”.

Toshio Mukai, critica essa legislação federal:

“(...) Mas, com a Lei n. 8.429/92, queremos alertar os bons administradores que ela amedronta, no sentido de que ela não vai obter os desideratos (que são nobres) que os seus autores com ela buscaram obter. É que essa lei contém gravíssimos defeitos desde o seu nascedouro, podendo-se acoimá-la, material e formalmente, de ser inconstitucional. Além disso, a sua aplicação pelo Ministério Público não tem sido correta, no nosso entender, quando cumula a ação civil pública, prevista na Lei n. 7.347/85, com a ação ordinária da Lei n. 8.429/92. É que os objetos das duas ações são diferentes: a primeira busca a indenização ou a obrigação de fazer; a segunda busca apenas o mau administrador (...). Veja-se que todas as sanções previstas na lei, em função dos atos de improbidade, são de natureza administrativa, sendo a única penal aquela prevista no art. 19 da Lei n. 8.429/92. E, portanto, jamais essa lei poderia ser de natureza nacional, como pretende ser. Aliás, ela não poderia ser de natureza civil e/ou processual, porque neste caso, o par. 4o do art. 37, cujo caput trata da Administração Pública, quando se refere à lei (na forma  e gradação prevista em lei), de acordo com o art. 18 da Constituição, está se referindo a leis administrativas punitivas, cada qual no seu âmbito, dos seus próprios funcionários (da União, dos Estados, dos Municípios, do Distrito Federal). Jamais está autorizada na Constituição uma lei de natureza nacional, e, portanto, se nem a emenda constitucional  pode ferir o sistema federativo, em razão da cláusula pétrea do art. 60, par. 4o, I, da Constituição, quanto mais uma simples lei ordinária. Eis aí a inconstitucionalidade material da Lei n. 8.429/92, que é manifesta. Ainda, para finalizar, essa mesma lei padece de inconstitucionalidade formal, eis que na sua produção não foi observado o princípio bicameral previsto no art. 65 da Constituição (...)” (in Boletim de Direito Administrativo, NDJ, n. 3 – março, São Paulo, p. 192).

Mariano Pazzaglini Filho e outros, sobre o art. 11, II, da Lei 8.429/92, doutrinam:

“(...) Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, significa prevaricar. O agente público que, sem relevante razão de direito, protrai ou se abstém de praticar ato que se lhe impõe por dever inserto em sua esfera de atribuições realiza a figura do inciso II, desnecessária a intenção de obter vantagem pessoal ou proporcioná-la a outrem. É a letra da lei, embora, na prática, tal complemento ilícito se apresenta com freqüência. Exemplo típico é o do agente público encarregado de sindicar atos de outro servidor, mas que retarda a investigação, ou deixa de apurar a denúncia que sabe procedente ou contém fundada suspeita de irregularidade, embora consciente de que é seu dever apurar. Outro exemplo é o do agente público que deixa de comunicar ou, se for o caso, de punir a ilegalidade administrativa praticada por subordinado. Tanto na forma de retardar como na de deixar  de praticar, a lei acrescenta o advérbio ‘indevidamente’, elemento normativo a denotar que o agente público deve ter conhecimento de que está agindo irregularmente (...)” (Improbidade Administrativa, Atlas, 3a Ed., 1998, SP, p. 122).

Outro exemplo é do parágrafo 3°., da Lei Federal n. 8.429/92 que  dispõe que:

"Será punido com pena de demissão, a bem do serviço público, sem prejuízo de outras sanções  cabíveis, o agente público que se recusar a prestar declaração dos bens, dentro do prazo determinado, ou que a prestar falsa".

O parágrafo 2°., do mesmo dispositivo legal dispõe que a declaração dos bens dos servidores públicos deverá ocorrer anualmente.

Infere-se dessas situações mencionadas (e de outras inúmeras) que na doutrina dominante os juristas trataram de interpretar a sobredita legislação de forma dogmática, sem formular questionamentos sobre o verdadeiro espírito que deveria ter norteador o legislador (apresentar uma legislação que viesse para coibir o enriquecimento ilícito) - por exemplo - prescindindo da aplicação de princípios, como por exemplo, da proporcionalidade e razoabilidade nos julgamentos finais e na condução dos trabalhos das comissões de sindicâncias e processos disciplinares, bem como na verificação das reais intenções dos acusados ou administradores faltosos. A legislação tratou de forma genérica do instituto da “improbidade administrativa” colocando os servidores na condição de sujeição ilimitada a julgamentos administrativos internos, muitas vezes motivados por interesses políticos ou escusos, diferentemente dos processos judiciais em que se verifica independência e equilíbrio entre julgador, acusador, defesa, além da independência da fase de investigações. Uma certeza é que muito possivelmente doutrinadores jamais atuaram em setores correicionais, muito provavelmente, a serviço do Poder Público.