Existem muitas histórias, verdadeiras ou não, sobre a presença de judeus marranos no Brasil Colonial. Alguns foram judeus eminentes como Fernando de Noronha, Gaspar Lemos e muitos outros anônimos que por aqui vieram para fugir da “Santa Inquisição”.  Uma das histórias que são propagadas é que os judeus portugueses adotavam nomes de plantas e animais para serem mais facilmente identificados pelas autoridades. Assim, todos com sobrenome Carvalho, Figueiredo, Pereira, Oliveira, Coelho, Lobo, Onça, Cavalo, Cobra  entre outros, seriam de origem judaica.

Quando ouvia essas histórias me sentia quase um cristão novo, pois tendo ascendentes com sobrenomes Lobo e Oliveira já estava prestes a ingressar numa sinagoga. Mas foi o jornalista e escritor Flavio Mendes de Carvalho que colocou uma luz sobre o assunto ao pesquisar na Torre do Tombo os registros das atividades da inquisição em Portugal. Foi então que ele descobriu que a família Rodrigues (que também está entre os meus ascendentes) teve o maior número de membros presos, torturados e executados pela inquisição pelas práticas judaizantes ou por serem criptos judeus.  Em seu livro outros nomes aparecem como Nunes, Mendes, Fernandes, Antunes, Gonçalves, Costa, Martins, Bastos etc desfazendo o mito de que apenas nomes de plantas e bichos eram utilizados por judeus convertidos.

Entretanto, não se pode afirmar que toda pessoa com o sobrenome Rodrigues tem raízes judaicas, mas alguns deles, radicados no Brasil, Portugal ou Espanha, podem ter em seu DNA ascendência hebraica.  Rodrigues é um nome ibérico de origem visigoda (povo germânico que ocupou a península) dando origem a nomes como Fernandes (Fernan), Lemos (Lenz), Franco (frank) entre outros.  Roderick se transformou em Rodrigo e Rodrigues vem a ser a designação para os descendentes de Rodrigo ou Roderick.

Outra versão difundida é que os nomes que eram adotados pelos judeus convertidos variavam de acordo com os recursos dos mesmos. Os judeus ricos podiam escolher nomes mais nobres, enquanto os judeus pobres deveriam se conformar com nomes mais comuns. Apesar de ser plausível, não existem confirmações históricas sobre isso.

Por outro lado, muitos hábitos de origem judaica estão presentes entre brasileiros, principalmente das regiões mais isoladas. Alguns deles como: varrer a casa para dentro, lavar os corpos dos entes falecidos, jurar pelos mortos, a expressão “Deus te crie” quando uma criança espirra; jogar um punhado de terra no túmulo sobre o caixão; a lenda da verruga (apontar para as estrelas faz nascerem verrugas nos dedos); passar a mão na cabeça (forma judaica de bênção) etc. Muitos desses hábitos podem ter sido imitados e difundidos e não indicam, necessariamente, a origem de famílias brasileiras. 

O Frei Torquemada em 1492 convenceu os reis Fernando e Isabel a expulsar os judeus que  recusaram a conversão ao catolicismo. Muitos deles foram para Portugal, mas lá chegando, foram também impedidos de partir, já que não se dispunha de navios suficientes para o transporte e nem havia interesse que eles saíssem do país.  Em Portugal no século XV havia cerca de 190.000 judeus ou quase 20% da população. Muitos conseguiram fugir para a Holanda, Itália, África e Turquia.  Outros aproveitaram as expedições para a colônia brasileira para fugir da inquisição e para cá vieram com nomes alterados para evitar riscos de serem descobertos. De fato, isso ocorreu com a vinda da inquisição para o Brasil.

A presença holandesa no Brasil no século XVII facilitou a entrada de judeus no Brasil e muitos deles se estabeleceram em Pernambuco, pois os holandeses não faziam restrições aos credos religiosos dos seus colonos. No entanto, após a retomada portuguesa do território, a maioria fugiu para a Philadelphia e New York nos EUA, onde se estabeleceram. Até hoje podem ser identificados sobrenomes portugueses nas listas telefônicas desse país.

Houve uma pesquisa realizada com uma amostragem significativa na Espanha que identificou no DNA da população a presença de mais de 30% com ascendência judaica. Isso significa que houve uma grande miscigenação na população da península. Muitos judeus não enfrentaram a inquisição ou não foram descobertos e viveram discretamente apesar da perseguição da Santa Madre Igreja. A conversão nos tempos difíceis foi uma prática de muitos judeus por interesses sociais, econômicos e sobrevivência. O pai de Karl Marx, um advogado judeu alemão bem sucedido, renunciou ao judaísmo para evitar problemas, mas seu brilhante filho abraçou outras causas e causa problemas até hoje.