Recentemente os jornais divulgaram a notícia de um bebê de nove meses de idade acusado de tentativa de homicídio. Uma das fotos mostra o infante segurando uma mamadeira e, em outra, ele no colo do seu avô colocando a impressão digital num documento perante a autoridade policial. O advogado do bebê afirmou que seu cliente será absolvido, tendo em vista que a maioridade penal naquele país é de 7 (sim, sete) anos.

Porém isto ocorreu no Paquistão. No Brasil, situações similares não ocorreriam. Por aqui, o bom senso prevalece no sistema penal. Será? Como explicar então a incessante e recorrente elaboração de leis com o escopo de criar novos crimes e de aumentar penas?

O encrudescimento da legislação penal possui um fundamento identificável: o medo. É inegável que os índices de violência alarmam a população, que a sociedade se sente insegura e que todos estão desesperados esperando uma solução para esta criminalidade que parece diariamente aumentar.

Mas o problema reside justamente na solução desta crescente delinquência, pois a insegurança abre uma perigosa lacuna para os discursos populistas que prometem acabar com o pavor generalizado.

Há anos nos deparamos com a execução de políticas que “combatem” a criminalidade com a criminalização. Que responde à indignação causada por crimes midiáticos com o aumento de pena. Que clama pela diminuição da maioridade penal cada vez que um adolescente comete um crime hediondo.

Agora questiono: esta política esta obtendo êxito? O aumento das penas ou a criação de novos crimes está evitando que outros crimes da mesma espécie sejam cometidos? A repressão penal diminui os índices de criminalidade?

Precisa-se investigar as raízes da delinquência: Por que se cometem crimes? Quais os motivos de termos tantos presos?

O sistema penitenciário atesta uma realidade perversa no que se refere à seletividade social dos encarcerados. Mais de 80% dos presos estão cumprindo pena por crimes patrimoniais e crimes associados a drogas. São crimes relacionados basicamente às classes baixas. Destaca-se também o fato de que mais de 60% sequer possuem Ensino Fundamental completo.

É clarividente que a pobreza, a ausência de recursos e a péssima distribuição de renda possuem um papel significativo. Não se trata de uma crítica vazia, mas sim da observação da realidade, de dados e de índices.

Uma análise refletida certifica que a diminuição da criminalidade passa obrigatoriamente pela implementação de uma política criminal focada não diretamente no sistema penal, mas sim em políticas sérias e consistentes de moradia, educação, alimentação adequada, trabalho bem remunerado, saúde, cultura, lazer. Ou seja, tudo aquilo que apenas as classes economicamente favorecidas têm acesso.

O contínuo aumento de penas e de crimes é extemporâneo, uma vez que primeiramente deveria haver condições mínimas de igualdade a todos. Oportunidades iguais. Condições materiais e imateriais para uma vida digna, para uma vida que vale a pena ser vivida. 

 A discussão da redução da maioridade penal segue a mesma lógica. Além de condições materiais, as crianças e adolescentes deveriam ter uma família estruturada que os tratassem com respeito, carinho e lhes educassem (tanto em educação de valores quanto educação escolar). Não é coerente cobrar uma responsabilização penal plena, tampouco exigir comportamentos dóceis, de quem é e sempre foi marginalizado.

Deve-se conter este frenesi autodestrutivo de criminalização e ponderar sobre as perguntas que de fato são importantes para a vida em sociedade, como: Por que a maioria da população carcerária é composta por pessoas pobres e miseráveis? Qual é a lógica e a ética que leva as pessoas acreditarem que a punição (e a repressão penal) tem prioridade sobre a pacificação? É justo que uma minoria restrita acumule a maior parte da renda, enquanto a maioria não possui acesso a bens mínimos? Será que esta (ausência de) distribuição de renda não possui reflexos nefastos para a coletividade?

A ampliação do encarceramento cria um grande problema social e bloqueia a possibilidade de uma sociedade integrada, coesa e em busca do desenvolvimento pleno.

Precisa-se perceber que enquanto o foco estiver no “pós-crime”, ou seja, no aumento da repressão penal e do número de encarcerados, podem-se prender inclusive bebês de alta periculosidade, mas isso não irá impedir que os mesmos crimes continuem a ocorrer ou aumentar nosso sentimento de segurança.

Rodrigo Faucz, advogado criminalista e professor de direito penal da UniBrasil