CRIMES CONTRA A ORDEM ECONÔMICA: A ADULTERAÇÃO DE COMBUSTÍVEIS NO CENÁRIO BRASILEIRO EM FACE DAS RELAÇÕES CONSUMERISTAS

Bianca Fernandes

Karla Giuliane[1]

Socorro Carvalho[2]

RESUMO

Esta pesquisa tem como objetivo geral descrever a conduta de adulteração de combustíveis e sua implicação frente ao Direito Penal Econômico, bem como criticar a postura do legislador em tipificar as condutas que ferem esse bem jurídico em leis esparsas. Busca-se avaliar como essa conduta afeta as relações de consumo de forma a prejudicar a uma coletividade, uma vez que a falta de fiscalização é notória e isso facilita que a criminalidade se espalhe. Entretanto, antes de tudo faz-se necessário um estudo aprofundado acerca do surgimento dos crimes contra a Ordem Econômica e da lei nº 8.176.

INTRODUÇÃO

Em uma visão clássica, o Direito Penal, por muito tempo, sempre procurou prever condutas que afetassem o indivíduo. No entanto, considerando os diversos princípios referentes ao Direito Penal, em especial o Princípio da adequação social, exsurge mais um bem jurídico a requerer tutela, que a despeito da velha tradição clássica tem um caráter coletivo. Dessa forma surgem os chamados crimes contra a ordem econômica. A doutrina afirma que o fato de se prever a “criminalidade econômica” é uma forma de intervenção necessária e devida do Estado. Para a maioria doutrina o bem jurídico é assunto relevante na ponderação sobre a legitimidade da criminalização primária promovida pelo Estado, implicando na delimitação de qual seja o objeto do direito penal econômico.

A possibilidade de se tutelar se assenta nos princípios constitucionais, em especial ao princípio da dignidade da pessoa humana que é o ponto chave para da defesa de um efetivo controle penal sobre a atividade econômica. É com esse intuito que de forma “espalhada” o legislador buscou prevê condutas para proteger o bem jurídico em questão em prol da coletividade.

A adulteração de combustíveis - descrita na Lei 8.176/91- é um crime de muita ocorrência e levanta várias discussões, uma delas seria a competência para apreciar os casos que envolvem o crime. Recentemente o Ministério Público Federal do estado de São Paulo, em 2007 lançou um trabalho intitulado “Entendendo a adulteração de combustíveis” que será objeto de estudo do presente artigo. Além disso, a prática deste crime está aliada a outros tipos penais, como o estelionato e o incêndio.

No que tange as relações de consumo, nota-se que inserção destes produtos adulterados no mercado de consumo gera um risco à ordem econômica e consequentemente, elevados prejuízos a quem os utiliza em seus veículos automotores, por exemplo. Mostrou-se então de grande relevância a abordagem de tal problemática, uma vez que a análise do crime em questão implica em uma maior proteção as relações consumeristas e consequentemente a própria ordem econômica.

1 O SURGIMENTO DO DIREITO PENAL ECONÔMICO E SUA PROTEÇÃO PELO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Na visão de João Junior (1995) os bens jurídicos protegidos pelo ordenamento jurídico tem uma dupla face, atuando tanto contra os abusos estatais, quanto como instrumento de atuação repressiva. Sendo assim, com o surgimento de um Estado Democrático de Direito buscou-se proteger o homem e a Parte Especial dos Códigos Penais primitivos tinham como fundamento e principais características a vida, liberdade e patrimônio.

Atualmente, a situação é bem diversa visto que na perspectiva de Marino Barbero Santos (1997) no sistema vigente o homem é visto em suas condições concretas: participante da ordem econômica, consumidor, trabalhador dependente e que afeta os fins sociais. Nota-se então que homem não está sendo visto dentro de sua individualidade, mas é tratado como um ser social, desta forma os ordenamentos continuam a proteger o indivíduo, contudo os interesses individuais passam a ser protegidos em consonância aos interesses sociais. Assim João Junior afirma que

os bens jurídicos a serem selecionados pela lei penal não se limitam mais aos “naturais” e ao patrimônio individual. A inserção social do homem é muito mais ampla, abrangendo todas as facetas da vida econômica. Daí um novo bem jurídico: a “ordem econômica”, que possui um caráter supra-individual e se destina a garantir um justo equilíbrio na produção, circulação e distribuição da riqueza entre os grupos sociais. (JUNIOR, p.123,1995).

José Marques (2012) alude que a Constituição Federal dispõe de vastos princípios implícitos e explícitos que devem permear a produção legislativa ordinária funcionando como um catálogo de garantias ao indivíduo, bem como critérios de interpretação e integração do texto constitucional. Dentre os princípios constitucionais encontra-se o da Dignidade da Pessoa Humana que é um dos mais importantes quando se trata do Direito Penal. No posicionamento do autor a tutela penal da ordem econômica é indispensável para que haja a eficácia dos direitos fundamentais, visto que não buscam tão somente defender a efetividade dos direitos econômicos, mas também os de esfera civil e política. Portanto, o autor afirma que

é necessário que o Direito Penal passe a preocupar-se com o delinquente econômico, que é, na maioria das vezes, uma pessoa de situação econômica privilegiada, com a respeitabilidade social, e, motivado pela ganância e pelo lucro fácil, locupleta-se através do ataque ao sistema econômico, num total desprezo à ordem jurídica, confiando nas fragilidades das normas de proteção da ordem econômica, que geram a impunidade aos agentes desses delitos (MARQUES, p.113,2012).

Anteriormente, em uma visão fechada, a doutrina entendia que a Constituição seria responsável pelo desenvolvimento da justiça social dignificando o homem e esses interesses tinham uma maior proteção como já fora dito anteriormente. O que impulsou essa mudança foi à adoção do modelo capitalista, mas José Marques (2012) conclui que a percepção de que o Direito Penal, em especial o direito penal econômico seria o “ramo do direito com maior poder de coercibilidade e de garantia da tutela do ordenamento econômico é um fenômeno recente”. Com a adoção do modelo capitalista em grande parte da economia mundial, houve a necessidade de uma maior interferência jurídica no âmbito econômico. Neste cenário - o qual também está incluído o Brasil - surge o Direito Penal Econômico. (LUCAS, 2014)

Ao reafirmar o entendimento de que a ordem econômica é merecedora de proteção penal, nota-se que, no entendimento de Jescheck (1986 apud MARQUES, 1995) esse bem jurídico está entre aqueles “vitais imprescindíveis para a convivência humana em sociedade que são, portanto, merecedores de proteção através do poder coativo do Estado”. Portanto, mostra-se necessária a chamada “criminalidade econômica”, que no Brasil é regulada, basicamente, pela lei Federal n° 8137, de 27 de dezembro de 1990, bem como pela Lei Federal n° 8176, de 08 de dezembro de 1991.

Além dessas leis, existe ainda a Lei nº 9613, de 03 de março de 1998, na qual estão previstos os crimes de “lavagem” ou ocultação de bens, direitos e valores. Tem-se ainda a Lei nº 4728, de julho de 1965, que prevê alguns delitos contra o mercado de capitais; e a lei nº 7492, de julho de 1986, que dispõe sobre os crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, conhecidos como os crimes do colarinho branco. No Código Penal estão previstos, ainda, os artigos 168-A, 334 e 337- A, os quais foram incluídos após a promulgação da Constituição.

De acordo com José Marques (1995) de forma paralela a essas legislações institui-se a Lei nº 8.884/94 de “natureza extrapenal, que transformou o CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) em autarquia”. A Lei é de suma importância, uma vez que dispõe acerca da prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica e acabou por alterar o Código de Processo Penal para incluir a “garantia da ordem econômica” como autorizador da prisão preventiva.

2 A CRIMINALIDADE ECONÔMICA - UM VIÉS CRÍTICO ACERCA DA LEGISLAÇÃO QUE ATENDE AOS CRIMES DE FORMA “ESPALHADA”

Diante o surgimento do direito penal econômico há também a chamada “criminalidade econômica”, que a despeito de diversos outros crimes não é tratada, na perspectiva de Murilo Vale (2011) analisando os fatores criminógenos externos que contribuem para criar “um comportamento agressivo, ou depressivo, tais como a pobreza, educação, fome e guerra, aptos a ensejarem a ocorrência de crimes clássicos”, tais como homicídio, roubo etc. Estes comportamentos são inexistentes na seara econômica, a qual na maioria das vezes é cometida através da fraude.             

Ainda sobre a ótica do presente autor, no que se refere à criminalidade econômica, é válido ressaltar as melhores formas de fiscalização com o fim de evitar a concretização das fraudes. Entretanto, os meios preventivos extrajudiciais é a melhor forma de minimizar a ocorrência dos delitos. Neste sentido “não há dúvidas de que o Direito Penal, por meio da sua função repressora, tem papel de destaque na prevenção da delinquência econômica”.

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