Crime de Contrabando e Descaminho à luz do Princípio da Insignificância[1]

Breno Sampaio Lima Rodrigues[2]

Sumário: Introdução; 1 Contrabando e Descaminho; 2 O Princípio da Insignificância no Sistema Penal Vigente; 3 O Princípio da Insignificância e os Crimes de Contrabando e Descaminho; Considerações Finais; Referências 

RESUMO

O presente trabalho traz como objeto de estudo a aplicabilidade do princípio da insignificância nos delitos abrangidos no art. 334 do Código Penal Brasileiro, correspondentes ao Contrabando e ao Descaminho. Tal trabalho foi embasado de acordo com pesquisas bibliográficas, identificando a diferença entre os dois crimes, assim como foi analisado e levado em conta as jurisprudências a respeito deste tema. O trabalho está dividido em 3 (três) partes, sendo o primeiro tratando sobre o Contrabando e Descaminho, estabelecendo suas diferenças e fazendo um estudo acerca de atividades equiparadas a esses delitos, que até hoje causa certa confusão quanto às suas reais definições, assim como serão analisados confrontos de leis. No segundo momento, trataremos sobre o Princípio da Insignificância no nosso ordenamento vigente, analisando o que vem a ser esse princípio e correlacionando ele com outros princípios para no último momento deste trabalho fazer relação com os crimes do art. 334.

 

Palavras-chave: Contrabando; Descaminho; Princípio da Insignificância.

 

INTRODUÇÃO

Os ilícitos penais dos quais trataremos aqui neste trabalho científico são o Contrabando e o Descaminho, que hodiernamente são comumente confundidos quanto a sua definição e aplicação. O Contrabando se define pela prática ilícita de entrada e saída de mercadorias no país, enquanto que o descaminho é configurado quando existe distorção fraudulenta do pagamento de impostos tanto na importação quanto na exportação de mercadorias não proibidas. Logo, o Contrabando se torna o ato de importar e exportar objetos proibidos, enquanto que o Descaminho é o ato de não pagamento de impostos de mercadorias legais.

Nesse sentido, o presente trabalho apresenta um estudo mais aprofundado a respeito destes ilícitos presentes no Art. 334 do Código Penal Brasileiro, a fim de definir bem e deixar clara a diferença entre os dois, Contrabando e Descaminho, visto que estes se apresentam no mesmo dispositivo supracitado.

Por fim, serão abordados os reflexos da aplicabilidade do Princípio da Insignificância aos delitos do Art. 334, abordando de forma técnica as decisões aplicadas pelos Tribunais e comparando a posição doutrinária sobre o assunto. 

1 CONTRABANDO E DESCAMINHO

Começando a analisar o crime de Contrabando, cuja definição no dicionário Aurélio Buarque Ferreira[3] apresenta-se como “introdução clandestina de mercadorias estrangeiras sem pagamentos de impostos” e com Luiz Regis Prado[4] declarando que o termo possui origem do latim contra e bandum definindo-as como “atravessamento de limites territoriais com mercadorias sem o pagamento de taxas estipuladas” verificamos certa confusão em relação à definição desses crimes com base nesses conceitos auferidos.

Segundo Édna Márcia Marçon Noschang[5] o Contrabando e Descaminho podem ser definidos em duas ocasiões distintas:

(...) num primeiro momento, no ato de “importar ou exportar mercadoria proibida” – contrabando – e, num segundo momento, no ato de “iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, saída ou pelo consumo de mercadorias” – descaminho.

Continuando com a definição destes ilícitos, reza o Art. 334 do Código Penal:

Art. 334. Importar ou exportar mercadoria proibida ou iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos.

§ 1º - Incorre na mesma pena quem:

(...)

b) pratica fato assimilado, em lei especial, a contrabando ou descaminho;

(...)

§ 2º - Equipara-se às atividades comerciais, para os efeitos deste artigo, qualquer forma de comércio irregular ou clandestino de mercadorias estrangeiras, inclusive o exercido em residências.

§ 3º - A pena aplica-se em dobro, se o crime de contrabando ou descaminho é praticado em transporte aéreo.

Conforme verificado no caput do artigo 334 fica estabelecido que Contrabando e Descaminho acontecem quando a mercadoria proibida entra no território brasileiro e para uma definição mais específica desses delitos Filipe Andrios Brasil Siviero[6] define que trata-se de:

(...) crime comum, ou seja, que pode ser cometido por qualquer pessoa, também é formal, pois é um crime que não exige para sua configuração resultado naturalístico consistente na produção de efetivo dano para a Administração Pública, nas modalidades importar e exportar.

Confusão também pode ser vista sob a ótica do Superior Tribunal de Justiça[7], que destaca:

Contrabando. Descaminho. Crime permanente. Crime instantâneo de efeito permanente. Natureza jurídica.O art. 334, CP encerra várias ações típicas. Diz-se - crime permanente - o delito, cujo resultado persiste enquanto persistir a conduta. No caso do contrabando, fica configurado o efeito permanente do delito quando praticado por quadrilha.

Verifica-se que o STJ menciona crime permanente quando cometido por quadrilha e nesse sentido é importante ressaltar que crime permanente não se confunde com crime de efeito permanente. Mais uma vez Filipe Andrios Brasil Siviero[8] bem define:

Se o momento da consumação do crime revela-se na entrada ou saída da mercadoria sem o devido pagamento de tributos, estamos diante de um crime instantâneo, sendo que possui efeito permanente ao lesar o erário público, bem como os setores do comércio e da indústria nacional, denotando mais uma vez o caráter extrafiscal de repreensão da conduta.  

Portanto, podem-se tipificar estes crimes como sendo crimes instantâneos de efeito permanente. Em relação ao tipo subjetivo observa-se que existe a vontade de praticar o crime de importação e exportação de mercadorias que estejam em absoluta ou relativamente proibição, sabendo da ilicitude do não pagamento dos tributos devidos, configurando assim o dolo.

Além da definição constante no Art. 334 do CP a respeito do Contrabando e Descaminho, está presente também em seu §1º a assimilação do delito, com penas iguais aos que praticam os delitos em questão para aqueles que “praticam navegação de cabotagem de fora dos casos permitidos em lei”, tratando-se, portanto, de norma penal em branco, sendo necessária complementação de lei especial, §1º, alínea “b”.

Danilo Von Beckerath Modesto[9] explica o que vem a ser norma penal em branco:

Não obstante, existem situações em que, seja pelo caráter da conduta que se quer regular, seja por questão de técnica legislativa, não se pode descrever exaustivamente todas a descrição da norma incriminadora. Tal fato ocorre quando existem particularidades na conduta desvalorada que a classificam como de contínua mutação. Deste modo, não se pode empregar, simplesmente, uma norma legal (em sentido formal) para sua regulação que, pela sua própria origem, é naturalmente engessada. É o caso por exemplo das normas penais que regulam os crimes contra a economia popular (Lei 1.521/51) que se submetem à contínua flutuação dos preços. É cediço que um tipo penal descritivo de um crime contra a economia popular pode rapidamente ficar ultrapassado, bastando, para isso, uma mera alteração na situação econômica do país. E, uma atualização legislativa, de tão delongada, certamente seria inócua. Para corrigir estas distorções, criou-se o que se denomina de norma penal em branco, são normas que possuem sanções previstas mas cuja incriminação depende da existência de outra norma.

Portanto, trata-se de norma incompleta que não pode ser aplicada isoladamente, precisa-se de um complemento de outra norma.

Ainda em analise ao Art. 334, observa-se que equipara-se ao Contrabando toda e qualquer atividade comercial irregular ou ilícita de bens ou mercadorias estrangeiras, bem como a efetivação de residências, ficando comprovada a habitualidade do comércio ilícito. Os Tribunais têm identificado atividades ilícitas que são equiparadas ao Contrabando, como no caso do acórdão emitido pelo Tribunal Regional Federal da 4º Região[10]:

PENAL. PROCESSO PENAL. INTRODUÇÃO IRREGULAR DE ARMAS. ARTIGO 334 DO CÓDIGO PENAL. CERCEAMENTO DE DEFESA. NULIDADE. INOCORRÊNCIA. AUTORIA. COMPROVAÇÃO. CRIME TENTADO. HIPÓTESE NÃO-CARACTERIZADA. PENA. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS. CONTINUIDADE DELITIVA. MAJORANTE DO § 3º DO ARTIGO 334. INAPLICABILIDADE. SUBSTITUIÇÃO POR RESTRITIVAS DE DIREITOS. Regularmente aberto às partes o prazo do artigo 499 do Código de Processo Penal, não há falar em nulidade do processo por cerceamento de defesa. A expedição de carta precatória para a inquirição de testemunha não tem o condão de suspender a instrução criminal, podendo o feito ser inclusive sentenciado, findo o prazo marcado para o seu cumprimento. Comprovada, pelos elementos constantes nos autos, a participação de todos os acusados na prática delituosa, imperiosa a manutenção do decreto condenatório. Já tendo havido a liberação da mercadoria no momento da prisão em flagrante, não resta caracterizada a hipótese do delito tentado. Penas privativas de liberdade fixadas em consonância com as circunstâncias do artigo 59 do Diploma Penal, mas redimensionadas no tocante ao aumento decorrente da continuidade delitiva, devido ao número de fatos comprovados. Inaplicável a majorante prevista no § 3º do artigo 334 do Código Penal quando o transporte, apesar de efetuado por via aérea, se dá em vôo regular, em circunstâncias que não tornam mais difícil a atuação da autoridade fiscal. Precedente desta Corte. Sendo a pena privativa de liberdade superior a um ano, correta a substituição por duas penas restritivas de direito, e não por apenas uma, conforme o disposto no artigo 44, § 2º, do CP. Apelos parcialmente providos. Punibilidade declarada extinta em decorrência da prescrição em relação a um dos fatos. (julg. 10.02.04 - DJU2, 03.03.04, p 519, Rel. Des. Fed. José Luiz B. Germano da Silva, j. 10.02.04, DJU 03.03.04, p. 519.).

Portanto, qualquer componente de comercialização que adentre no país de forma irregular, ou que tenha comercialização proibida é equiparado ao Contrabando. A mesma equiparação ocorre no caso da Lei 9.347/97, no seu Art. 10, § 2º, que especifica que quando o agente portar arma contrabandeada ou de efeito do descaminho, este responderia tanto pelo crime de porte ilegal de armas, como também pelo crime de Contrabando e Descaminho.

2 O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA NO SISTEMA PENAL VIGENTE

Antes de ser feita a correlação dos delitos do art. 334 com o Princípio da Insignificância é preciso entender o que vem a ser esse princípio e entender a finalidade que ele exerce no Direito Penal. Para conceituar este princípio, Érika Scudeler Paulino[11] diz:

(...) o princípio da insignificância pode ser conceituado como aquele que permite infirmar a tipicidade de fatos que, por sua inexpressividade constituem ações de bagatela, despidas de reprovabilidade, de modo a não merecerem valoração da norma penal, exsurgindo, pois como irrelevantes.  

Analisando este princípio sob a ótica dos Tribunais, Luís Flávio Gomes[12] colabora dizendo:

(...) a linha jurisprudencial mais tradicional reconhece o princípio da insignificância levando em conta apenas o desvalor do resultado, ou seja, considera suficiente, para caracterização da infração bagatelar, que o nível da lesão ao bem jurídico, ou do perigo concreto verificado, seja ínfimo.

Destarte, para a lei penal, é preciso que exista uma ofensa relevante para ocorrer a intervenção estatal, sendo esta ofensa causadora de lesão prejudicial. Logo, para aplicação deste princípio da insignificância ocorrer é necessário a exclusão do tipo penal.

O Princípio da insignificância sempre esteve relacionado com o Princípio da Legalidade, cuja finalidade vem a ser limitar os tipos penais. Analisando a definição do Princípio da Insignificância no Direito Penal Moderno, Maurício Macedo dos Santos e Viviane Amaral Sêga[13] dizem que tal definição ocorreu por meio de Claus Roxin, em 1964, para quem o princípio atuaria como auxiliar de interpretação, permitindo que na maioria dos tipos penais exclua-se os danos de pouca importância. Para Julio Fabbrini Mirabete[14] alguns autores justificam a presença desse princípio devido à ausência de periculosidade social do crime, embora o fato praticado seja típico e antijurídico.

Logo, a aplicabilidade do Princípio da Insignificância surge vinculado ao Princípio da Legalidade, como forma de excluir de penalização os delitos. É nesse sentido que Vico Mañas[15] se pronuncia:

O princípio da insignificância surge justamente para evitar a condenação de alguém por uma conduta que o legislador não desejou incriminar, atuando como instrumento de interpretação restritiva do tipo penal, com o significado sistemático e político-criminal de expressão da regra constitucional do nullum crimen sine lege, que nada mais faz do que revelar a natureza subsidiária e fragmentária do direito penal.

Portanto, tal princípio surgiu no Direito Penal como fundamento de intervenção mínima e como finalidade de estabelecer uma adequada proporcionalidade entre delito e pena. Daí é possível perceber uma certa correlação com outros princípios penais na identificação da relevância do delito e na aplicabilidade da pena, entre os quais estão não só o da legalidade já mencionado, mas também o da proporcionalidade, o da mínima intervenção, subsidiariedade, fragmentariedade, adequação social e lesividade.

A correlação com o Princípio da Intervenção Mínima, o qual tem como objetivo vedar o arbítrio legislativo, limitando a intervenção do poder de incriminar o Estado, pode ser analisada conforme os ditames de Filipe Andrios Brasil Siviero[16]:

(...) criminalização de uma conduta só se legitima se constituir meio necessário para a proteção de determinado bem jurídico. Se para o restabelecimento da ordem jurídica violada forem suficientes medidas civis ou administrativas, são estas que devem ser empregadas e não as penais. Por essa razão, diz-se ser o Direito Penal a ultima ratio, isto é, deve atuar somente quando os demais ramos do direito revelarem-se ineficazes ou incapazes de dar a tutela devida a bens relevantes do indivíduo e da própria sociedade.

Este Princípio da Intervenção Mínima foi criado diante movimentos sociais que defendem que a penalização do indivíduo só deva ocorrer quando for a única forma de proteger um bem jurídico lesado.

A correlação do Princípio da Insignificância com o da Fragmentariedade é que este delimita a punição pelo Direito Penal, em que serão levados em conta somente os atos considerados graves e que venham a ofender os bens juridicamente tutelados. Este princípio da fragmentariedade também possui ligação direta com o os princípios já mencionados, legalidade e intervenção mínima, pois sua aplicação se fundamenta na teoria de que apenas delitos considerados graves e que sejam perigosos para a sociedade é que devem ser punidos com os rigores das penas do Direito Penal[17].

Continuando com as correlações, o Princípio da Subsidiariedade preconiza que a penalização só deve ocorrer em último caso, quando todas as demais hipóteses do direito estejam descartadas para resolução da lide. Nesse caso o Direito Penal só deve ser aplicado quando as outras áreas do direito não se configurarem eficazes para resolver a questão[18].

Quanto ao Princípio da Adequação Social, este tem como fundamento a redução ao máximo a área de atuação do Direito Penal, tendo em vista o alto custo social que a pena apresenta. Logo, as lesões de bens jurídicos só podem ser submetidas à pena quando isso for indispensável para a ordenada vida em comum[19]. Por fim, a relação existente entre o Princípio da Insignificância e o da Lesividade é que estes tem uma relação harmônica, uma vez que ambos defendem a teoria de que o Direito Penal só seja convocado para defender bens jurídicos relevantes, isto é, a intervenção penal só ocorre em casos em que a lesividade seja legítima.

3 O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA E OS CRIMES DE CONTRABANDO E DESCAMINHO

Já visto o que vem a ser o Princípio da Insignificância e os delitos do Art. 334 do CP, verifica-se agora como ocorre sua relação e aplicação. A aplicação do princípio no crime de descaminho vem sendo tratado pelo Supremo Tribunal Federal, conforme jurisprudência a seguir:

EMENTA: HABEAS CORPUS . DESCAMINHO. INSIGNIFICÂNCIA. PRECEDENTE DO STF. ABSOLVIÇÃO EX OFFICIO . - O Supremo Tribunal Federal (HC nº 92.438) decidiu trancar ação penal intentada em desfavor de "sacoleiro" por introduzir mercadorias oriundas do Paraguai, iludindo tributos no montante de R$ 5.118,60, apontando para a falta de justa causa para a denúncia. - O fundamento da decisão foi, em síntese, haver constrangimento ilegal porque é inadmissível que uma conduta seja administrativamente irrelevante e, ao mesmo tempo, considerada relevante e punível penalmente.

- O limite para a aferição da relevância do fato, para o Direito Penal, é aquele instituído pela Lei nº 11.033/04, ou seja, valores consolidados superiores a R$ 10.000,00 (dez mil reais), porque os iguais ou inferiores têm ordinariamente a cobrança suspensa pela Fazenda. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, absolver, de ofício, o paciente do delito previsto no artigo 334 do Código Penal, com fundamento no artigo 386, III, do CPP e, conseqüentemente, julgar prejudicado o pedido de liberdade provisória postulado no presente writ , tendo em conta a insignificância da conduta, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte do presente julgado. Porto Alegre, 17 de setembro de 2008. Desembargador Federal Luiz Fernando Wowk Penteado[20]

O Superior Tribunal da Justiça também vem considerando o princípio da insignificância no tratamento processual tributário, em crime de descaminho, como pode ser visto na decisão destacada a seguir:

A Seção, ao julgar o recurso repetitivo (art. 543-C do CPC e Res. n. 8/2008-STJ), entendeu que, em atenção à jurisprudência predominante no STF, deve-se aplicar o princípio da insignificância ao crime de descaminho quando os delitos tributários não ultrapassem o limite de R$ 10 mil, adotando-se o disposto no art. 20 da Lei n. 10.522/2002. O Min. Relator entendeu ser aplicável o valor de até R$ 100,00 para a invocação da insignificância, como excludente de tipicidade penal, pois somente nesta hipótese haveria extinção do crédito e, consequentemente, desinteresse definitivo na cobrança da dívida pela Administração Fazendária (art. 18, § 1º, da referida lei), mas ressaltou seu posicionamento e curvou-se a orientação do Pretório Excelso no intuito de conferir efetividade aos fins propostos pela Lei n. 11.672/2008. REsp 1.112.748-TO, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 9/9/2009[21].

O mesmo é observado na redação do Art. 20 da Lei nº 10.522 de 2002, onde todas as ações cujo valor seja inferior a 10 mil reais são consideradas insignificantes, no caso do descaminho a falta de pagamento tributário pode causar grandes prejuízos ao erário federal, pois ao analisar esse valor ao correspondente ao atual salário mínimo vigente, 678 reais, este não pode ser considerado insignificante. É nesse sentido que Filipe Andrios Brasil Siviero[22] diz:

Tratar R$ 10 mil como irrisórios, por ser dinheiro devido ao Fisco, é corroborar com a velha máxima: “se é público, não é meu”. O que se vê é que o art. 334 do Código Penal foi transformando numa norma penal em branco ao bel prazer do magistrado. Como pode ser visto no julgado a seguir. HABEAS CORPUS. PENAL. DESCAMINHO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INCIDÊNCIA. AUSÊNCIA DE TIPICIDADE MATERIAL. TEORIA CONSTITUCIONALISTA DO DELITO. INEXPRESSIVA LESÃO AO BEM JURÍDICO TUTELADO. ORDEM CONCEDIDA.

2. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, no que se refere ao delito de descaminho, orientava-se no sentido de que o princípio da insignificância somente seria aplicado nas hipóteses em que o valor do tributo devido fosse igual ou inferior ao mínimo exigido para a propositura de uma execução fiscal, por força do disposto no art. 20 da Lei 10.522/02. 3. Posteriormente, com a edição da Lei 11.033/04, que alterou o valor previsto no mencionado dispositivo legal para R$ 10.000,00, a Quinta Turma deste Tribunal, acompanhando o voto proferido pelo Min. Felix Fischer, na sessão de julgamento de 15/3/05, alterou o entendimento para considerar como penalmente irrelevantes apenas os valores iguais ou inferiores a R$ 100,00, para os quais a administração prevê a extinção do crédito tributário, conforme dispõe o § 1º do art. 18 da Lei 10.522/02. 4. Revendo a questão, entendo que, assim como nos delitos contra o patrimônio, a aplicação do princípio da insignificância não deve estar atrelada apenas a um valor prefixado, sob pena de trasmudar-se o art. 334 do Código Penal em uma norma penal em branco, e sim ao conceito de razoabilidade, a fim de avaliar, em cada caso, o bem que não merece a tutela penal, à luz da fragmentariedade e da intervenção mínima. 5. Na hipótese, o paciente foi denunciado, por ter introduzido no território nacional, mercadoria de origem estrangeira sem o recolhimento dos tributos devidos, no montante de R$ 639,36. 6. Embora a conduta se amolde à definição jurídica do crime de descaminho, não ultrapassa o exame da tipicidade material, mostrando-se desproporcional a imposição de pena privativa de liberdade, uma vez que a sua ofensividade se mostrou mínima; não houve nenhuma periculosidade social da ação; a reprovabilidade do comportamento foi de grau reduzido e a lesão ao bem jurídico se revelou inexpressiva.

Portanto o que se conclui dessa jurisprudência é que a Lei 10.522/02 não extingue as sanções administrativas para os casos de Contrabando e Descaminho com valor abaixo de 10 mil reais, e sim, vem a determinar que esses valores não sobrecarreguem os tribunais, pois considera estes valores insignificantes para o judiciário, cabendo então outros processos administrativos.

Logo, algumas pessoas se beneficiam dessa aplicação deste princípio e agem de forma ilícita, tomando como exemplo uma quadrilha que traz consigo materiais de pequenos valores para exercer e movimentar o comércio ilegal no Brasil sem pagar os devidos impostos, cometendo assim, o ilícito previsto no Art. 334 do Código Penal, sem que ao menos paguem o que prevê a pena deste dispositivo pelo fato de estarem amparados pelo Princípio da Insignificância em relação a valores inferiores a 10 mil reais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesse trabalho o estudo foi realizado para dissertar sobre a aplicação do Princípio da Insignificância nos crimes de Contrabando e Descaminho quando estes não atingirem o valor de desvio limitado pela lei.

Tomando tudo o que foi abordado neste trabalho, em relação ao exemplo citado acima, relacionado às pessoas que se beneficiam com tal aplicabilidade do princípio, tem-se que essas pessoas fazem do Descaminho e Contrabando um meio de vida, visto que vivem da renda dessas mercadorias contrabandeadas de outros países, pois não pagam impostos devidos e ainda fazem concorrência desleal com o mercado nacional, devido ao baixo custo na aquisição desses produtos.

Sabe-se que o propósito do Direito Penal é tutelar os bens jurídicos fundamentais do ser humano quando estes são ameaçados ou lesados por condutas ilícitas de outrem. Sendo assim, o Direito Penal não deve se ocupar de crimes de bagatela, no entanto, é preciso que realmente esteja comprovada a insignificância, dependendo de cada caso concreto, para que não contribua com a recidiva de delitos de pequeno valor. Logo, é necessário que se procure identificar as características da conduta para a tipificação do delito, pois usar o Princípio da Insignificância nos crimes de Descaminho e Contrabando de baixo valor, quando o mesmo é recidivo, é falhar com a Justiça.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

 

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[1] Trabalho Científico da disciplina de Direito Penal Especial III.

[2] Graduando do 10º Período Noturno da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB.

[3] FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário da língua portuguesa. 5.ed. São Paulo: Nova Fronteira, 1999.

[4] PRADO, Luiz Régis. Direito Penal Econômico. São Paulo. Revista dos Tribunais: 2004, p.529 .

[5] NOSCHANG, Édna Márcia Marçon. A descriminalização do crime de descaminho em razão da aplicação do princípio da insignificância. Rev. Disc. Jur. Campo Mourão, v. 2, n. 1, p.167-205.

[6] SIVIERO, Filipe Andrios Brasil. Aplicabilidade do princípio da insignificância nos crimes de contrabando e descaminho. Disponível em <http://wwwdireitoemdebate.net/.../310-o-principio-da-insignificancia-e-o-crime-de-descaminho-no-direito-penal-patrio>. Acesso em Março de 2013.

[7] Disponível em < http://www.legjur.com/jurisprudencia/ementa.php?co2=BOL051002080>. Acesso em março 2013.

[8] SIVIERO, Filipe Andrios Brasil. Aplicabilidade do princípio da insignificância nos crimes de contrabando e descaminho. Disponível em <http://wwwdireitoemdebate.net/.../310-o-principio-da-insignificancia-e-o-crime-de-descaminho-no-direito-penal-patrio>. Acesso em Março de 2013.

[9] MODESTO, Danilo Von Beckerath. A norma penal em branco e seus limites temporais. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 817, 28 set. 2005. Disponível em <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7345>. Acesso em março 2013. 

[10]Disponível em <http://www.trf4.jus.br/trf4/institucional/institucional.php?id=Inform_Crim_Abr_2004_1>. Acesso em Março de 2013.

[11] PAULINO, Érika Scudeler. O princípio da insignificância no Direito Penal. Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas. São Paulo, 2006. Disponível em <http://arquivo.fmu.br/prodisc/direito/esp.pdf> Acesso em abril de 2013.

[12] GOMES, Luiz Flávio. Delito de Bagatela: princípios da Insignificância e da Irrelevância do Fato. Revista dos Tribunais, São Paulo, ano 90, v. 789, jul. 2001, p. 440. 

[13] SANTOS, Maurício Macedo dos; SÊGA, Viviane Amaral. Sobrevivência do princípio da insignificância diante das disposições da Lei 9099/95. Disponível em <http://www.jus.com.br/doutrina>. Acesso em março de 2013. 

[14] MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de Direito Penal. V. 1, 8. ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 1996, p. 117. 

[15] VICO, Carlos Mañas. O princípio da insignificância no Direito Penal. Disponível em <http://www.mt.trf1.gov.br/judice/jud4/insign.htm> Acesso em abril de 2013. 

[16] SIVIERO, Filipe Andrios Brasil. Aplicabilidade do princípio da insignificância nos crimes de contrabando e descaminho. Disponível em <http://wwwdireitoemdebate.net/.../310-o-principio-da-insignificancia-e-o-crime-de-descaminho-no-direito-penal-patrio>. Acesso em Março de 2013.

[17] BITENCOURT, Cezar Roberto; PRADO, Luiz Regis. Princípios fundamentais do direito penal. Revista brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, 1996. v 15. 

[18] SIVIERO, Filipe Andrios Brasil. Aplicabilidade do princípio da insignificância nos crimes de contrabando e descaminho. Disponível em <http://wwwdireitoemdebate.net/.../310-o-principio-da-insignificancia-e-o-crime-de-descaminho-no-direito-penal-patrio>. Acesso em Março de 2013.

[19] FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal - a nova parte geral. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1985.p. 03-04.

[20] TRF4 - HABEAS CORPUS: HC 32242 SC 2008.04.00.032242-7. Disponível em <http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/8924689/habeas-corpus-hc-32242-sc-20080400032242-7-trf4/inteiro-teor> Aceso em março de 2013.

[21]BARCELLOS, Bruno Lima. É possível aplicar o Princípio da Insignificância ao crime de descaminho?. Disponível em <http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20091013195055472&mode=print> Acesso em abril de 2013. 

[22] SIVIERO, Filipe Andrios Brasil. Aplicabilidade do princípio da insignificância nos crimes de contrabando e descaminho. Disponível em <http://wwwdireitoemdebate.net/.../310-o-principio-da-insignificancia-e-o-crime-de-descaminho-no-direito-penal-patrio>. Acesso em Abril de 2013.