A discussão que culminou na escrita deste artigo baseou-se em uma personagem de um desenho da Disney. Koda, um ursinho tagarela e muito peralta no filme “Irmão Urso”, faz referência a muitas crianças que já vimos em nosso cotidiano, a quem chamamos muitas vezes de “hiperativa”. Essa “hiperatividade” pode ser apenas um padrão de comportamento que foi socialmente instalado no repertório da criança, vistos apenas como comportamentos inadequados que podem ser mantidos dentro do seu convívio social, dificultando a emissão de comportamentos adequados (quando estes não são contingentemente reforçados). Ou, em casos mais graves, podem fazer parte de um quadro neurológico conhecido como Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). Como se pode diferenciar estes dois casos? É isso que vamos tentar entender nos próximos parágrafos...

O termo “hiperativo” já se tornou corriqueiro para qualificar crianças muito ativas ou peraltas, embora muitos se esqueçam de que pode, também, referir-se a um diagnóstico médico com complicações neurológicas sérias. Quer seja em consultórios de pediatras ou psicólogos, ou em reclamações por parte de algumas escolas, começa a se tornar assustador o número de crianças qualificadas por esse termo, que recebem um diagnóstico de hiperatividade e passam a ser medicadas para se tornarem “menos ativas”. Para entender melhor o que é a hiperatividade e quando ela sai dos parâmetros de um problema puramente comportamental e se torna um quadro clínico, vamos para algumas informações importantes.

O que é TDAH?

De acordo com a Associação Brasileira do Déficit de Atenção, o Transtorno de Déficit e Atenção e Hiperatividade (TDAH) é um transtorno neurobiológico, que se inicia geralmente na infância, persistindo por toda a vida da pessoa. Observa-se um comprometimento funcional em vários setores de sua vida, caracterizando-se pela ocorrência de três grupos de alterações: hiperatividade, impulsividade e desatenção.

A hiperatividade é o aumento significativo da atividade motora, ou seja, a pessoa hiperativa é inquieta, se envolve em várias tarefas ao mesmo tempo. No caso das crianças, um exemplo é mostrar dificuldade em sentar-se para assistir um programa de TV ou ler um livro. Nos adultos, uma sensação de inquietação, ou demonstração de ocupação com alguma coisa, quando na verdade o que ocorre é uma dificuldade em diminuir o nível de atividade. Vale ressaltar que não é apenas a criança que é muito agitada que possui um diagnóstico de hiperatividade. Há uma série de quesitos médicos para definir que um indivíduo é hiperativo, além da observação de que ela “não para quieta”.

Impulsividade se refere a uma diminuição na capacidade do controle de impulsos; as crianças acabam mostrando pouco esforço e menor quantidade de tempo dispensado para realizar tarefas desagradáveis; muitas vezes, agem sem pensar e tem dificuldade de esperar. Mais uma vez, um cuidado deve ser tomado: não é porque a criança não consegue esperar que pode ser diagnosticada como portadora do TDAH. Algumas questões a se levantar: qual foi sua história de vida? Ela teve que lidar com situações nas quais se exigia sua resistência à frustração, como realizar tarefas “chatas” ou ser contrariada? Ela aprendeu um repertório comportamental para lidar com estas situações? Estas são apenas algumas situações a serem levadas em conta, antes de se partir para um diagnóstico médico. Levar em conta o ambiente no qual a criança se desenvolveu é fundamental para não se considerar inadequações comportamentais como problemas puramente orgânicos.

O último aspecto é a desatenção, que consiste numa dificuldade em fixar atenção em atividades mais longas que as usuais, especialmente aquelas mais repetitivas ou tediosas. Parece repetitivo dizer mas, novamente, o ambiente e suas interações devem ser observados e outras situações médicas devem ser descartadas para que não haja, erroneamente, um diagnóstico equivocado.

Prevalência do TDAH na população

Acredita-se que o TDAH seja um dos distúrbios neurocomportamentais mais comuns na infância e de maior prevalência em idade escolar, estimando-se que 3 a 6% da população em idade escolar possa ter TDAH. Desta forma, torna-se fundamental que a investigação e a avaliação da criança leve em consideração a história de reforçamentos da criança, para que não seja realizado um diagnóstico equivocado. Algumas situações ambientais podem criar padrões de comportamento que, se mal avaliados, podem ser confundidos com um quadro de TDAH.

Como exemplo destes equívocos, temos situações nas quais alguns comportamentos inadequados podem ser consequenciados positivamente por pais ou pessoas importantes no ambiente da criança, por meio de formas de atenção inadequadas (broncas, castigos e/ou conversas longas, ou mesmo os indesejáveis “tapinhas” para repreensão). Estas atitudes, que nós geralmente consideramos como punição, podem ser vistas para uma criança carente de atenção e carinho como formas de atenção (uma atenção ruim, não como um abraço ou um carinho, mas é atenção ). Isto faz com que os comportamentos inadequados da criança estejam sendo reforçados, o que aumenta a probabilidade de que ocorram no futuro. E esta probabilidade é ainda maior se não houver reforçamento positivo de comportamentos adequados em seu ambiente social (sabem aquela idéia de que criança que se comporta bem o fez por obrigação, e não merece elogio nem cumprimento por isso? Pois bem, não é bem assim...). Comportamentos adequados devem ser consequenciados por reforçadores positivos adequados como sorrisos, toques e elogios. O reforçamento de comportamentos inadequados e a falta dele para os comportamentos adequados propicia a manutenção dos comportamentos inadequados, o que dificulta a emissão de comportamentos apropriados (Quinteiro, 2007).

Encaminhamentos: do diagnóstico ao tratamento

Esta rápida explanação mostra que é necessário buscar ajuda de profissionais competentes especializados na área, como neurologistas, psicólogos e psiquiatras, para que seja feita uma avaliação cuidadosa e um diagnóstico criterioso e eficaz. Assim, pode ser proposto um tratamento adequado, quer seja diagnosticado de fato um transtorno como o TDAH ou apenas hajam sinais de inadequações comportamentais. Em todo o caso, apenas o profissional da saúde é capaz de realizar tal diagnóstico e prescrever o encaminhamento e o tratamento mais adequados para cada caso em particular.

Diante de um diagnóstico de TDAH por um profissional qualificado, um programa de tratamento adequado deve levar em conta três componentes:

  1. Informação e Conhecimento – procure saber ao máximo o que ocorre com seu filho ou criança pela qual você é, de alguma maneira responsável. Entendendo o que está acontecendo, você pode estar muito mais apta a cuidar da criança de maneira adequada e se sentirá mais segura sobre o que fazer.
  2. Medicação – apenas o médico pode definir a necessidade da inserção de medicamentos no tratamento da criança. Procure saber sobre os possíveis efeitos (tanto os esperados quanto os colaterais), converse e pergunte ao médico o que precisar saber, tire suas dúvidas: é importante ter todas as informações sobre o que está ocorrendo com a criança e o que esperar do tratamento proposto.
  3. Recursos Psicoterápicos – a criança precisará de apoio profissional para aprender a lidar com a realidade que a cerca, adequando-se aos ambientes nos quais se insere e entendendo seus comportamentos e sentimentos diante das situações que vivencia. Sempre que se mostrar necessário ou desejado, pais e cuidadores devem procurar acompanhamento psicoterápico, para que possam lidar, também, com suas ansiedades, frustrações e situações que vivenciam. Desta forma, garante-se que todos estejam bem amparados para lidar com as situações cotidianas.

Referências:
Associação Brasileira do Déficit de Atenção – Disponível em www.tdah.org.br .
Quiteiro, R. S. Autoconhecimento e Responsabilidade em Irmão Urso. Em: de-Farias, A. K. C; & Ribeiro, M. R (Org.) Skinner vai ao cinema. Santo André, SP: ESETec Editores Associados, 2007, 1ª. Ed.