Há alguns anos escrevi um artigo sobre a teoria das mudanças climáticas, no qual comparava a atitude de nossa civilização à do fumante em relação ao cigarro. Este sabe que o fumo faz mal à sua saúde e que, mais cedo o mais tarde, terá que abandonar o vício. A grande maioria dos dependentes consegue largar o vício ao longo da vida, com menores ou maiores prejuízos para a saúde. Alguns, no entanto, por diversas razões, não querem ou não conseguem abandonar o mal hábito e acabam falecendo, direta ou indiretamente por complicações causadas pelo cigarro.

Este comportamento, o dos relutantes em deixar o tabaco, parece ser o de nossa civilização pós-industrial, em relação às práticas que estão contribuindo para o aumento de emissões e, consequentemente, da temperatura da atmosfera terrestre. Sabemos, ou pelo menos dispomos de fortes indícios, de que nossas atividades econômicas em seus constituintes – a extração, a produção, a distribuição, o consumo e o descarte – contribuem fortemente para o aquecimento da atmosfera e dos mares. Sabemos, mas mesmo assim pouco ou quase nada fazemos para reduzir este impacto.

Existem ainda aqueles que negam a existência das mudanças climáticas ou sua origem antrópica. O fenômeno, caso efetivamente exista, é para eles parte de um processo cíclico – os períodos glaciais e interglaciais – pelo qual regularmente passou o planeta nos últimos 30 milhões de anos e relacionado com a mudança do eixo da Terra. No entanto, dizem os cientistas favoráveis à teoria da origem antrópica do aquecimento global, há apenas cinco chances em 1 milhão, de que o fenômeno esteja ocorrendo de forma natural, sem interferência humana.

Outro aspecto é que a ideologia dos indivíduos também influencia sua opinião em relação às mudanças climáticas. Através do site Amazon Mechanic Turk foi recentemente realizada uma pesquisa nos Estados Unidos. Dividiram-se 2.400 participantes em dois grupos com igual número de integrantes; um formado por pessoas politicamente conservadoras e outro por progressistas. Os participantes tinham que prever a direção da curva de um gráfico, que mostrava a evolução do degelo nos polos. Os conservadores opinaram que a tendência da curva seria para baixo, com queda no degelo, enquanto que os progressistas estimaram que a curva mostraria crescimento, ou seja, aumento do degelo. Uma das explicações do resultado da pesquisa, dada pelos organizadores, é de que pessoas conservadoras refletem a noção de que para diminuir a emissão de gases, a atividade econômica deverá sofrerá impedimentos.

A pesquisa também concluiu que a comunicação em um contexto social polarizado, como as redes sociais, acaba por fortalecer posições de grupo, contra ou a favor de certo tema. Ainda sobre a influência da ideologia nestas questões, declarou em entrevista à BBC o pesquisador Chris Rapley, da University College London: “Em uma época de populismo de direita generalizado, junto com a rejeição das mensagens que partem das chamadas ‘elites cosmopolitas’ e a negação das mudanças climáticas como uma questão séria, a probabilidade de que uma combinação de fatores necessária para que a humanidade leve o planeta rumo a um ‘estado intermediário aceitável’ é próxima a zero.”      

Fato é que temos informações e dados suficientes, resultado de pesquisas de centenas de instituições por todo o mundo, apresentando evidências da influência do homem no clima da Terra. No entanto, organizam-se encontros periódicos de cientistas, a ONU promove fóruns reunindo representantes de todas as nações do planeta, e, apesar dessas iniciativas, os avanços na redução das emissões continuam pífios. Sim, porque é disso que se trata: reduzir as emissões de gases que causam o efeito estufa, principalmente o dióxido de carbono (CO²) e o metano (CH4); fenômeno que provoca o amento da temperatura média do planeta, com todas as suas consequências. Estas já são por demais conhecidas, divulgadas por todas as mídias: derretimento das geleiras, aumento gradual do nível dos oceanos, aumento da quantidade e da força das tempestades tropicais, chuvas torrenciais, secas prolongadas, ondas de calor – além dos impactos sociais e econômicos destes eventos.

Mesmo com tudo isso são mínimas, até agora, as iniciativas de redução das emissões. Continuamos, assim como o fumante, pensando que ainda temos tempo e que os efeitos danosos de nosso comportamento se farão sentir – se o fizerem – somente em um futuro quase remoto, quando já tivermos mudado nossa maneira de produzir e consumir. Países, políticos, empresas e consumidores, em sua grande maioria, sabem do perigo que corremos, mas não querem ou não podem implantar mudanças a curto prazo. Essa foi, até o momento, a atitude da maior parte dos agentes envolvidos com o tema.

Mas os dados e as informações preocupantes chegam a um ritmo cada vez mais rápido. O Fundo Mundial para a Natureza (WWF em inglês) divulgou em outubro de 2018 uma pesquisa na qual informa, entre outras coisas, que a velocidade com a qual as espécies estão desaparecendo é de 100 a 1000 vezes mais rápida do que era antes das atividades humanas alterarem significativamente o planeta, ou seja, antes do século XIX. O mesmo estudo dá conta de que houve um acentuado declínio nas populações de espécies vertebradas, da ordem de 60% em todo o mundo entre 1970 e 2018. Para se recuperar sozinha deste impacto na biodiversidade, a natureza demandaria de um período de cerca de 6 milhões de anos.

Como resultado deste crescente impacto a WWF prevê em seu estudo que, a continuar com este ritmo de degradação dos recursos naturais, até 2050 as atividades humanas terão afetado 90% de toda a remanescente área natural do planeta. Na prática, já estamos caminhando nessa direção; a Floresta Amazônica foi destruída em 20% e o Cerrado brasileiro em 50%, no período entre 1970 e 2018.

Outro aspecto dessa processo de alteração do planeta é o fenômeno recentemente batizado de “Terra Estufa”. Novas pesquisas têm indicado que a partir de um certo ponto do processo de acúmulo de CO² na atmosfera terrestre, pode ocorrer um descontrole. Nesta situação a temperatura média do planeta, que já se encontra 1ºC acima dos níveis pré-industriais e mantêm aumento de cerca de 0,17ºC a cada década, poderia se elevar de tal maneira, alcançando em poucos séculos os patamares mais altos já registrados nos últimos 1,2 milhão de anos. Os cientistas dizem que estamos subestimando o poder e a sensibilidade dos sistemas naturais. Em entrevista à BBC News o pesquisador do instituto de pesquisas Stockholm Resilience Centre, da Suécia, Johan Rockström declarou: “Nós estamos no controle agora, mas se ultrapassarmos os 2º C (de aumento de temperatura da atmosfera) veremos o sistema Terra deixar de ser amigo para se tornar inimigo – colocaremos nosso destino nas mãos de um sistema planetário que está começando a se desequilibrar.”

Em início de outubro de 2018, representantes de 130 nações e mais de 50 cientistas de diversas áreas se reuniram em Incheon, na Coréia do Sul, para prepararem um relatório, discutindo as chances do planeta em manter a mudança climática sob controle. Um dos principais objetivos deste trabalho é apontar o quanto os países desconsideraram a questão nos últimos anos e deixaram de cumprir metas acordadas no Acordo de Paris (2015), a fim de conter o aumento da temperatura média do planeta em 1,5º C. Foi consenso geral entre os participantes de que para alcançar o objetivo deverá ocorrer uma reorientação monumental da economia mundial em direção à descarbonização. Assim, em 2030 as emissões mundiais precisarão apresentar uma queda de cerca de 40% em relação a 2018. Em meados do século XXI as emissões deverão ser de praticamente zero.

Entre outras coisas tais objetivos significariam a eliminação completa dos veículos movidos a combustível fóssil, a abolição do carvão mineral nas usinas termelétricas e o uso de biocombustível em aviões. Países onde a agropecuária e o desmatamento são os maiores responsáveis pelas emissões de CO² e metano, caso do Brasil, teriam que reduzir suas taxas de emissões nestas áreas para valores bem próximos a zero. A situação é difícil e, segundo José Marengo, climatologista do Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais (Cemaden) disse em declaração ao jornal Folha de São Paulo, “os tomadores de decisão querem ser o mais realistas o possível, mas sem ser muito negativos para não gerar pânico na população e nos mercados.”

No Brasil, especificamente, caso a temperatura média da atmosfera aumente em 2º C, as mudanças do clima poderão reduzir ainda mais a precipitação pluvial no Nordeste, diminuindo o volume de água no rio São Francisco e o potencial de geração de eletricidade. O rio Amazonas também poderá perder até 25% de seu volume de água, o que representaria um grande impacto para a biodiversidade da região e a população local. Na agricultura os efeitos também seriam adversos. A produção de milho cairá se a temperatura estiver acima de 35º C e o limite da soja é de 39º C. Ainda não existem estudos detalhados sobre outras regiões do pais, como por exemplo o interior do estado de São Paulo, um dos maiores polos econômicos do Brasil, que recentemente já enfrentou um longo período de estiagem.

Permanece, no entanto, a dúvida. Será desta vez que os governantes, empresários e consumidores efetivamente passarão a se preocupar e ocupar com a questão do clima? É este o comportamento que estaremos vendo, seja na comunidade internacional ou em nosso país? Ou será que devemos partilhar do pessimismo velado da maioria dos especialistas, que já fazem um cômputo do custo social e econômico dos impactos que nos aguardam num futuro próximo? Assim como o fumante inveterado, provavelmente acabaremos vítimas de nosso próprio descuido – neste caso com a saúde do planeta e de nossa civilização.