A crença que quase sempre vemos relacionada à atividade religiosa é, na verdade, uma condição inerente às ações e relações humanas.

          Acreditamos, por exemplo, no relato das pessoas que confiamos, nas informações que nos são transmitidas através dos meios de comunicação, na palavra das autoridades, no conhecimento dos professores, nas instituições financeiras, no resultado de nossos exames clínicos, nas pesquisas científicas, etc.

         É tão rotineiro o estado de crença na vida humana, que dificilmente alguém se vê inclinado a questionar os motivos que o levaram a esse estado.

         Com efeito, se nos dispusermos a observar as crianças nos seus primeiros anos de vida e a recordar do nosso próprio período de infância, veremos que as nossas crenças desenvolveram-se a partir da convivência assídua com os nossos familiares, dos hábitos e ideias inculcados pela educação e da experiência sensorial (sensorialidade).

          Contudo, não mantemos o mesmo padrão de crenças ao longo da vida, pois deixamos de acreditar em muitas coisas ou passamos a acreditar em outras. Geralmente, isso coincide com o aumento de nossas experiências sensoriais porque que à medida que as temos, melhora a nossa capacidade de distinguir aquilo que é possível daquilo que não é.

          Quanto àquelas crenças coletivas que o indivíduo aceita passivamente por não se permitir a menor dúvida, elas se dão devido à necessidade de se obter a aprovação e o amparo social; à tendência à imitação presente na maioria dos seres humanos; à ilusão de que a verdade é condizente com a opinião das massas e também devido ao desinteresse, à preguiça e ao medo de buscar alternativas capazes de contradizer o sistema de crenças em vigor.

         Há ainda aquelas crenças na possibilidade de execução de algumas coisas em razão da pesquisa e do avanço da tecnologia. Acreditamos, por exemplo, que seremos capazes de enviar uma espaçonave tripulada até Marte, com base no desenvolvimento tecnológico atual.

Embora os fundamentos de nossas crenças estejam implícitos em cada tipo de crença que desenvolvemos, eles raramente são percebidos. Esses fundamentos são o real, o irreal e o potencial.

        Começando-se pelo primeiro, podemos dizer que real é tudo aquilo cuja existência pode ser constatada pelo maior número de sentidos, estando esses em conformidade com o padrão de perceptividade sensorial de nossa espécie.

        Irreal é tudo aquilo cuja existência não pode ser constatada pelo padrão de perceptividade sensorial predominante em nossa espécie.

        Potencial é tudo aquilo cuja existência tem a possibilidade de vir a ser constatada pelo maior número de sentidos, estando esses em conformidade com o padrão de perceptividade sensorial predominante em nossa espécie.

         Faço uma distinção entre real, irreal e potencial, mas não faço entre existente e inexistente porque, para todos os efeitos, tudo existe uma vez que ter a noção de inexistência ou do “Nada” já é ter noção de alguma coisa e por ser alguma coisa já é existente. Portanto, a inexistência só pode ser entendida como ausência e término da existência em contraposição à presença e continuidade da existência e nada mais que isso.

Pseudofilósofos e pseudocientistas tentam definir o Nada, ou supostamente inexistente, dizendo que “no Nada inexiste o espaço”, “não há coisa alguma”, “é um não lugar”. Mas isso é apenas esforço mental inútil e tautológico pois, quando se diz é “um não lugar”, este “é” significa existência mesmo que se pretenda referir à inexistência. Por isso, a definição do Nada como inexistência absoluta, não passa de uma mera tentativa de transcendência através de um esforço mental circular cujo raio pode aumentar mas sempre nos devolve ao ponto de partida que é o existente. Assim, tudo existe mas nem tudo o que existe é real visto que o irreal e o potencial (que tem a possibilidade de se tornar real) também existem. O máximo que podemos admitir com base em alguns aspectos das coisas que nos são semiperceptíveis – como é o caso do ar e da radiação que são visualmente imperceptíveis – é que podem existir coisas que não são captáveis pelos nossos sentidos o que não significa que outras formasde vida, daqui da Terra ou que possam existir no Universo, não tenham os sentidos necessários para captá-las.

        Crenças que se fundamentam a partir do que é real, têm como referência a experiência polissensorial (que envolve muitos sentidos). Por conseguinte, se uma pessoa nos disser que comeu um bife durante a refeição, geralmente, acreditaremos sem hesitação, porque sabemos, através de nossa própria experiência polissensorial, que isso é possível estando essa pessoa mentindo ou não. Entretanto, se ela disser que comeu cem quilos em uma única refeição, não acreditaremos e teremos certeza de que ela está mentindo pois também sabemos, através de nossa própria experiência polissensorial, que isso não é possível em se tratando da espécie humana.

        Por outro lado, quando o testemunho é de uma experiência monossensorial ou bissensorial, torna-se crível apenas para os mais inexperientes e ingênuos. Uma pessoa pode, por exemplo, afirmar que viu um alienígena e até apresentar fotos e filmagens sobre o suposto encontro e com  isso conquistar a credibilidade de centenas de outras pessoas que tem as mesmas convicções ou que afirmam ter passado por experiência semelhante. Já aquele que admite somente a realidade daquilo que pode ser retido polissensorialmente - mesmo que tivesse tido experiência similar – colocaria em dúvida porque a imagem e o som do suposto acontecimento não são suficientes  para nos fornecer uma assimilação completa da realidade. Tal assimilação só é alcançada quando o acontecimento é testemunhado não só pelos sentidos mencionados mas também pelo tato. Se a partir do próprio testemunho trissensorial, envolvendo a visão, a audição e o tato, o sujeito passar a acreditar em relatos semelhantes, mesmo não sendo verdadeiros, isso se dá porque a crença derivada foi previamente fundamentada numa experiência individual cuja realidade, nesse caso, só poderia ser constatada, de forma convincente, através dos três sentidos mencionados. Logo, o que se pode dizer é que crer é admitir a possibilidade da existência de algo relatado ou imaginado com base naquilo que apreendemos sensorialmente – e que popularmente é denominado de experiência – ou que tem a possibilidade de sê-lo, sendo que quanto maior for o número de sentidos envolvidos, em nossas experiências, seja em razão da nossa constituição, presencialidade e de nossa atenção, mais realistas se tornarão essas experiências e mais realisticamente fundamentadas se tornarão nossas crenças.

        Deste entendimento é possível deduzir que as crenças fundamentadas no irreal pertencem ao campo da imaginação ou campo de nossas criações mentais o que não significa que tudo que concebemos em nossa imaginação seja irrealizável. Na verdade, tudo o que podemos imaginar provém daquilo que é fornecido pelos nossos sentidos. Não há objeto, paisagem, nem forma que possamos imaginar e que não sejam constituídos de linhas retas, linhas curvas e de limites, os quais foram captados pelos nossos sentidos antes que tivéssemos imaginado qualquer coisa. Além disso, todas as coisas imaginadas sempre tem três dimensões (comprimento, altura e largura) e não mais do que três porque são essas dimensões que são captadas pelos nossos sentidos. A imaginação pode até tentar conceber uma quarta dimensão, mas o resultado é sempre tridimensional como pode ser visto mesmo na concepção do hipercubo.

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