Há muito me convenci de que meu corpo seja cremado quando os meus dias no velho e maltratado planeta terra chegarem ao fim. Por outro lado não pretendo deixar recomendações para que as minhas cinzas sejam espalhadas em um canto ou outro. Com certeza ficarão por aqui mesmo, não resta a menor dúvida. Além do mais, para quem já viu como funciona o processo de cremação, é difícil saber de quem são mesmo as cinzas depois do processo final.

Mas uma conversa que tive tempos atrás com um sujeito que conheci num consultório médico pode deixar muita gente que já deixou instruções explícitas para que seja cremada, um pouco preocupada. O sujeito falou com muita convicção de que não pensa em hipótese alguma na cremação, pois tem uma hipótese um tanto quanto estranha.

Argumentou o meu interlocutor, um senhor, engenheiro de profissão, que revelou ter bons conhecimentos de física, de que há evidências que a alma é composta de uma matéria desconhecida pela ciência no seu atual estágio. Trata-se, segundo ele, de uma matéria fluida como um gás, que se desprende do corpo algum tempo depois da morte, dando tempo para a despedida de todos os parentes e amigos antes de partir de forma definitiva. Continuando, ele disse, com muita convicção, que essa matéria é amorfa, mas conserva a consciência da existência. Bom e daí? Perguntei curioso para saber onde queria chegar.

É simples, ele afirmou, “ao queimar o corpo logo depois dos serviços fúnebres, corre-se um sério risco de queimar esta matéria invisível que poderia ser uma anti-matéria, mas assim mesmo poderia sofrer sérios danos com o calor, fazendo com que a consciência do morto sinta todo o impacto dos quase mil graus centígrados do forno do crematório.” Mas o questionei que se a alma já se desligou do corpo, como o defunto vai sentir? Tudo bem, ele respondeu pacientemente, você pode até ter alguma razão, mas considero a hipótese de que o calor intenso pode danificar ou mesmo extinguir o que chamamos de alma, contra-argumentou.

Entusiasmado com suas próprias explicações e acreditando que eu já estava convencido dos seus argumentos, continuou a sua ladainha, dizendo que ao se destruir esta matéria invisível, amorfa e fluida, os seres humanos perderiam a oportunidade de voltar à vida terrena através de outros corpos, mesmo que de espécies diferentes. E para aqueles que têm uma crença, pode-se perder a oportunidade do encontro tão esperado com o Deus do seu credo.

Uma senhora, que ouvia atentamente a conversa exclamou:

-- Deus me livre e guarde! Não quero ser cremada de jeito nenhum. Queimar o corpo é coisa de gente pagã, não de cristão.

Logo em seguida chegou a minha vez de entrar no consultório e foi encerrada a conversa metafísica. Em todo caso, como dizem os espanhóis: “No creo en brujas, pero que las hay, las hay” e assim, recomendo para quem tem dúvidas sobre o destino da alma, é melhor o velho e seguro sepultamento, pois não correrá o risco de ter a alma chamuscada pelo fogo do crematório que pode ser pior do que o fogo do inferno.