CRACK, FAMÍLIA E EXCLUSÃO SOCIAL

 

Zélia Lustoza Araújo

RESUMO

 

            Esta pesquisa apresenta considerações acerca dos impactos subjetivos do uso do crack nas relações intrafamiliares de sujeitos dependentes químicos. Tendo como objetivo investigar o modo de como pesquisas cientificas abordam os impactos subjetivos do uso do crack em relações intrafamiliares de dependentes químicos. Contém um breve histórico do uso do crack e suas implicações sociopolíticas na atualidade. No corpo do trabalho. Resgataremos o conceito de família e a sua importância para a reinserção do usuário na sociedade. Ressaltaremos que é preciso potencializar a atenção para a família dos dependentes químicos. Para atingir o objetivo proposto foi desenvolvida uma pesquisa de natureza básica, bibliográfica e qualitativa, por meio de pesquisas já publicadas sobre o tema.

 

 

 PALAVRA CHAVES: Crack, Família.

 

 

 

INTRODUÇÃO

 

            Um estudo realizado pela UNIFESP (Universidade Federal de São Paulo) em 2006 mostra que a partir dos anos 90 o crack surgiu na cidade de São Paulo, de uma forma lenta, mas estável, expandiu-se para o interior do estado e mais recentemente, nos últimos 10 anos, expandiu-se para todo o país. De acordo com a Organização Mundial de Saúde – OMS (2001), cerca 10% das populações do centro urbanos de todo o mundo consomem abusivamente essa substância psicoativa independentemente da idade, sexo, nível de instrução e poder aquisitivo. (OMS, 2001).

O crack nada mais é do que a cocaína que pode ser fumada, segundo a psicóloga e autora do livro “Tudo Sobre Drogas: Cocaína”, Chris-Ellyn Johanson, o efeito do crack dura em média 10 segundos, provocando excitação, “felicidade”, seguido de depressão, delírios e a necessidade imediata de novas porções, tornando-a muito mais poderosa na criação de dependência e de uma série de problemas sociais, em especial a violência, cuja primeira vítima é a própria família do usuário.

A família, em especial, é um sistema que tem implicações na origem, no curso e nas consequências da dependência química. Por essa razão, "a drogadição pode ser considerada um problema familiar" (HALPERN, 2001, p. 123). Logo, a família do usuário de drogas é uma população vulnerável que necessita de atenção e cuidados específicos. Entretanto, embora os familiares possam adoecer em função dos conflitos decorrentes de conviver com um usuário de substâncias psicoativas, a abordagem da dependência química ainda tem como foco principal o tratamento específico do usuário.

Atualmente este fenômeno social se integra a outras consequências negativas como problemas de saúde, complicações médicas e psiquiátricas, fazendo com que haja um aumento nos índices de mortalidade (NASSIF e BERTOLUCCI, 2003). Independentemente da quantidade, ou da frequência, em que a droga é utilizada pelo usuário, apresenta uma série de riscos à saúde, pois aumenta a probabilidade de o mesmo estar suscetível a ataques cardíacos, problemas pulmonares, derrame cerebral, ataques de epilepsia, insuficiência respiratória e qualquer uma destas doenças podem resultar em morte súbita e esta liga-se diretamente ao crack. Para além do problema de saúde e da dependência química advinda do consumo abusivo do crack, há ainda questões relativas à exclusão social que o usuário está sujeito.

Tendo conhecimento do que foi exposto acima, foi escolhido este tema com enfoque no crack, a partir de vivências da pesquisadora junto à problemática do crack, e assim percebeu-se que quanto mais o usuário avança no sentido da utilização da droga, mais dependente ele se torna, ocasionando mudanças tanto na vida do usuário quanto da família dele, deixando o ambiente familiar mais propício à desarmonia, agressão, violência e situações que geram conflitos e distanciamento familiar. Com isso, tanto sofre o usuário quanto a família, pois o dependente começa a se afastar da mesma, ficando cada vez mais próximo da droga.

Apesar de não se possuir uma data precisa para a chegada do crack no Brasil, somente em 2011 o mesmo foi objeto de estudos mais aprofundados, concluindo com a implementação de medidas do governo para sua redução em 2011, em uma tentativa de controlar o uso e a disseminação do crack pelo país.

 

Assim, o crack é tido como um dos principais vilões da história. O preço e a facilidade de ocasionar o vício o levaram a estar presente em todas as realidades do país. Atualmente, o crack, ao contrário do que pensa o senso comum, não se limita apenas aos “becos”, ruas e vielas das populações mais pobres. O que se sabe ainda é que ele não faz distinção de pessoas nem classes sociais. A droga, que começou se disseminando entre as pessoas que se encontravam em situação de rua, hoje em dia, já se encontra em todas as classes da sociedade.            

São Paulo apresenta, por exemplo, uma grande diversidade de locais para consumo de Crack.  No início, grande parte do consumo de crack em São Paulo era a chamada “cracolândia”, que ficava no centro de São Paulo. Existem pontos de encontros utilizados por dependentes químicos também em bairros da classe média. Uma entrevista também publicada no jornal O Estado de S. Paulo mostra que o crack movimenta tanto o mercado interno da droga quanto o mercado imobiliário, pois se iniciou a prática de se alugar imóveis para o uso do crack de modo privado, para alguns usuários que fazem questão de segurança e discrição.         

Arrisco dizer que não há quem, no país, não tenho ouvido falar da “cracolândia”. Atualmente, ela é fonte inesgotável de notícias, de histórias e, não sem contradição, de pânico. Inspira espetáculos de danças, fotografias, intervenções artísticas, vídeos, programas de TV, sites, charges, gibis, estágios missionários ou assistenciais. Lugar que se deve evitar, lugar de perigo, lugar degradado. Também de degredo. E, por isso mesmo, em muitos aspectos, lugar de grande atração. (RUI, 2014, p.95).

 

No interior, longe dos grandes centros urbanos, a realidade é um pouco diferente das regiões metropolitanas. Os dependentes não se concentram em “cracolândias” específicas de lugares públicos, a vista de todos ou da polícia, concentrando-se em lugares de sossego, avançando de forma oculta, com usuários que passam invisíveis, escondidos em casas destinadas ao consumo, no meio de vegetações ou em pontos e vendas conhecidas como "biqueiras" ou "bocas". Isso devido aos interiores contarem com populações reduzidas onde todos se conhecem.

            A situação, porém, torna-se pior com o uso múltiplo de drogas que, de acordo com Oliveira e Nappo (2007):

 

O uso múltiplo de drogas é outra característica marcante do atual padrão compulsivo de uso, substituindo paulatinamente o uso exclusivo, relatado na primeira descrição da cultura de crack na cidade de São Paulo. (OLIVEIRA, L, G; NAPPO, S, A, 2007, p. 665).

 

Os objetivos desta política estão no comprometimento com a formulação, execução e avaliação de uma política que foque na atenção a usuários de álcool e outras drogas, neste caso o Crack, com atendimento destas pessoas, “a partir da identificação de seus comportamentos associando droga ao comportamento antissocial ou criminoso”. (BRASIL, 2001). Como esta também é uma política regulatória, ou seja, visa regular outras políticas públicas para o atendimento dos usuários de álcool e outras drogas, suas diretrizes não são só específicas de um grupo, servem para implementar ações em outras políticas públicas como as de saúde e assistência social.

 

As diretrizes para uma política ministerial específica para a atenção a estes indivíduos estão em consonância com os princípios da política de saúde mental vigente - preconizada, articulada e implementada pelo Ministério da Saúde; uma vez regulamentada e respaldada pela Lei Federal 10.216 (MS, 2002), sancionada em 6/4/2001, constitui a política de Saúde Mental oficial para o Ministério da Saúde, bem como para todas as unidades federativas. (BRASIL, 2001).

 

Além de ações, a política explora ainda uma série de outras características do seu público alvo, que devem ser consideradas para a intervenção correta a este fenômeno social. No que se refere às estratégias, estão as especificidades sobre “o consumo de droga não atingir de maneira uniforme toda a população e sua distribuição é distinta nas diferentes regiões do país”. O que comprova a ideia de que apesar de diferente em outras regiões do país, a mesma já se encontra em pleno desenvolvimento nestas regiões. (BRASIL, 2001).

 

O aumento no início precoce em uso de drogas legais entre os jovens e utilização cada vez mais frequente de uso de drogas de design e crack, e o seu impacto nas condições de saúde física e psíquica dos jovens, notadamente pela infecção ao HIV e hepatites virais; 4. a definição de políticas internacionais que contextualizam os países em desenvolvimento somente a partir de sua condição de produção, refino e exportação de produtos nocivos à saúde. (BRASIL, 2001).

 

Outra característica é sobre a pobreza, onde “a pauperização do país, que atinge em maior número pessoas, famílias ou jovens de comunidades já empobrecidas apresentam o tráfico de drogas como possibilidade de intervenção de renda”. Isto nos comprova a ideia do Crack e outras drogas como problema social que supera as identidades, barreiras e fronteiras sociais, que pode ser visto como um fenômeno social.

Logo, as ações e programas voltados para a população usuária de drogas no país, das Políticas de saúde, apresentam diferentes conformações e objetivos. Neste caso, a questão está em saber se, de fato, a Política em questão atende às demandas dos usuários de álcool e outras drogas. Ademais, outros autores tendem a estudar sobre as demandas dos usuários de substâncias psicoativas e não simplesmente se as Políticas Públicas em geral atendem estas demandas. Desta forma, muitos estudos são concluídos sinalizando para novas demandas, ou antigas, dos grupos populacionais usuários de drogas ilícitas. O que pude perceber em minhas buscas por estudos na área são muitos estudos sobre esta população, mas poucos sobre sua principal ferramenta de auxílio, artigos que implementem a política, complementem ou permitam a Política de Atenção ao Álcool e outras Drogas.

 

Em anos recentes, o uso de crack no Brasil começou a ser considerado, por parte dos meios de comunicação e algumas autoridades governa­mentais, uma epidemia. No Brasil, o uso do ter­mo “epidemia” relacionado ao consumo de crack tem escassa ou nenhuma base empírica, pois não dispomos de séries temporais que embasem tal raciocínio, além de nos faltar exatamente o que seria mais necessário no caso do crack: estudos conduzidos em cenas abertas, já que houve inegá­vel mudança na dinâmica geográfica e microsso­cial do consumo da droga. (TOLEDO et al, p.33. 2016).

 

Inevitavelmente, até a idealização, desenvolvimento e implementação da Pesquisa Nacional sobre Uso de crack, de acordo com Toledo, (2017), “todos os estudos feitos em cenas abertas no Brasil tiveram caráter local, de análise em detalhe de um dado contexto, com base no método etnográfico”.  Desta forma, não é possível algumas avaliações de tendência de comportamentos deste grupo populacional em âmbito nacional, o que impossibilitava também a comparação de aspectos de nível nacional para as regiões onde foram realizadas as pesquisas locais com intuitos bem específicos. 

            O assunto crack não se relaciona ao termo classes sociais apenas quando se fala de seu avanço. Outro principal tema a respeito destes dois termos é o tratamento para reabilitação do dependente químico. O tratamento para usuários de crack ainda é um processo bastante desafiador para os médicos e especialista.

            Porém este caso se agrava ainda mais quando se trata de pessoas menos abastadas. Para quem tem um maior poder aquisitivo, a recuperação pode ser uma realidade mais próxima, mas para a grande maioria que precisa do sistema de rede pública, os investimentos e programas já lançados não conseguem ainda responder de forma efetiva e apresentam um benefício distante, principalmente quando se fala de cidades pequenas e médias do interior. Mesmo que haja vontade dos governantes em avançar nos cuidados, ainda faltam condições adequadas para se cumprir todo o ciclo de atendimento, que vai desde a redução do uso, passando pelo processo de se reaprender como a vida é sem o uso da droga, até a reinserção dos ambientes familiares e sociais.

 

Particularmente, o que vem chamando a atenção da sociedade civil, autoridades e da aca­demia é o modus operandi dos usuários de crack no contexto do seu uso, que geralmente ocorre em grupos e em locais públicos (ao menos nos grandes centros urbanos), promovendo a insta­lação e a dinâmica de uma cena de uso aberta. Os espaços onde o uso ocorre, têm sido referidos como locais de degradação humana, prostitui­ção, violência e crime. (TOLEDO et al. 2016, p. 34).

 

            A relação entre exclusão social e crack se sugere a partir de dois momentos importantes no Brasil, o primeiro deles está relacionado com a mídia, quando a mesma indica que aquelas pessoas são sujas, doentes ou perigosas, que é o que aconteceu no início do pânico televisivo, demonstrando o crack como uma sentença, algo fatalistas que indica o fim de todos os que estão ligados. O segundo momento se refere ao início dos estudos sobre drogas, lícitas ou ilícitas, que indicavam a necessidade de se inverter estes valores trocados, alertando a classe acadêmica para o crack como integrante do processo de exclusão. Neste segundo período do crack e sua relação com a exclusão social, foi vista como primeiros passos para descrever a relação do crack com a exclusão social da maneira correta ou mais adequada. Os resultados da pesquisa Crack e Exclusão Social apontam para o fato de que o uso de crack é consequência e não causa da exclusão social.

Ressalta-se, ainda, que depositar toda a responsabilidade na família, pela conduta dos seus indivíduos, é um erro, pois além da influência que esta tem no desenvolvimento e socialização da criança, outras condições influenciam na inicialização no consumo das drogas, como fatores econômicos, sociais, culturais e macropolíticos.

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

BRASIL, Ministério da Saúde. Sistema Único de Saúde. Conselho Nacional de Saúde. Comissão Organizadora da III CNSM. Relatório Final da III Conferência Nacional de Saúde Mental. Brasília, 11 a 15 de dezembro de 2001. Conselho Nacional de Saúde / MS, 2002.

HALPERN, S. C. O abuso de substâncias psicoativas: Repercussões no sistema familiar. Pensando Famílias, 3, 120-125. (2001).

Nassif, S. L. S.; Bertolucci, P. H. F. (Aspectos neuropsicológicos na dependência química: cocaína: um estudo comparativo entre usuários e controles. Em S. L. S. Nassif & P. H. F. Bertolucci (Orgs.), Cérebro, inteligência e vínculo emocional na dependência de drogas (pp.85-105). São Paulo: Vetor. 2003.

OLIVEIRA, D. C.; Dias, M. H. Os jovens usuários de crack e a rede de cuidados: problematizações a partir de uma experiência. In L. M. B. Santos (Org.), Outras palavras sobre o cuidado de pessoas que usam drogas (pp. 27-42). Porto Alegre, RS: Ideograf. 2010.

RUI, T. Usos da “Luz” e da “cracolândia: etnografia de práticas espaciais.  Saúde Soc. São Paulo, v.23, n.1, p.91-104, 2014. Disponível em: .Acesso em 04 de agosto de 2017.

TOLEDO, L.; GÓNGORA, A.; BASTOS, F. I P. M. À margem: uso de crack, desvio, criminalização e exclusão social – uma revisão narrativa. Ciênc. saúde coletiva vol.22 no. 1 Rio de Janeiro Jan. 2017. pp 1-12. 2016. Disponível em: . Acesso 26 jun. 2017.

OLIVEIRA, L, G; NAPPO, S, A. Caracterização da cultura de crack na cidade de São Paulo: padrão de uso controlado. Rev. Saúde Pública 2008;42(4):664-71. 2007, p. 665)

OLIVEIRA, NHD. Recomeçar: família, filhos e desafios [online]. São Paulo: Editora UNESP; São Paulo: Cultura Acadêmica, 2009. 236 p. ISBN 978-85-7983-036-5. Available from SciELO Books.