COVID-19: Estado de Emergência ou Férias sociais colectivas?

Através do Decreto Presidencial n.º 11/2020, de 30 de Março, o Presidente da República, decretou o Estado de Emergência em todo o território nacional, com a duração de 30 dias contados a partir do dia 1 de Abril de 2020. O aludido Decreto foi ractificado pela Assembleia da República, através da Lei n.º 01/2020, de 30 de Março, tudo por conta da pandemia do Covid-19 que assola o mundo inteiro, inclusive a nossa “pátria amada”.

De antemão, antes da decretação do Estado de Emergência, o Presidente da República já tinha anunciado determinadas medidas para o combate da pandemia do Covid-19, entre elas, o encerramento de todas as instituições de ensino, do nível pré-primário ao superior, com efeitos a partir de 23 de Março do corrente ano.

Sucede, porém, que, ao que tenho visto e acompanhado, sem prejuízo daqueles que atendem necessidades essenciais, como as de trabalho e sustento familiar, grande parte da população mostra-se estar longe de um momento “anormal” na vida à nível do mundo e do país, e do estado de emergência ora decretado, do mesmo modo, caracteriza-se como se estivesse apenas de “férias sociais colectivas” que englobam as instituições de ensino, ambiente laboral, etc. Será?

Desde a data do encerramento das escolas e posterior decretação do Estado de emergência à nível nacional, tenho envidado esforços para cumprir as medidas de distanciamento e confinamento recomendadas pelas autoridades governamentais e da saúde. Em virtude disto, com possibilidades de cuidar dos meus afazeres a partir de casa (teletrabalho ou trabalho remoto), passei a sair de casa só e apenas quando é para atender uma e outra questão estritamente pontual, como aquisição de géneros alimentícios e atender questões de trabalho que não é passível de resolução à distância.

Depois de cerca de uma semana sem pôr os pés nas ruas do Bairro, há dias, saí para deitar o lixo e comprar alguns géneros alimentícios nas mercearias do bairro. Esperava ver as ruas vazias, por conta do confinamento/distanciamento social e por ser o fim do dia. Para o meu espanto, mal que me coloquei à rua, era obstrução de viaturas, intenso movimento de pessoas, tantos aglomerados de pessoas num lado e d’outro. Eram jovens reunidos em grupos que variavam entre seis a doze, sentados num muro a “bater papo” ou beber; outro grupo de cerca de catorze jovens que improvisara uma escola ou ensaio de dança Kizomba, no quintal de uma residência; e o mais caricato, num campo de futebol, havia um pouco mais de trinta jovens que, suponho, faziam pelo menos três ou quatro equipas, na modalidade “bate-sai”. Nenhum deles transparecia ter saído de casa para atender uma questão essencial e nem portavam máscaras.

Foi um susto para mim e senti pena. Depois me questionei: Será que eu é que estou com muito medo ou esta população ainda não entendeu a gravidade da situação? Estes jovens, com aspectos de universitários e trabalhadores, têm a mínima ideia do que é Estado de Emergência? Do que é coronavírus e o seu impacto? Têm noção do risco que correm? O que dizem os pais (donos) desta casa que estão a fazer de salão de dança? Estes alunos que jogam aqui e estão todos grudados, os pais dizem que foram para onde? Fazer o quê? De certeza que nas suas casas se não está papá, está mamã ou ao menos alguém mais velho que os deixou assim sair.

Serão essas as medidas de prevenção do Covid-19 que queríamos com o Estado de Emergência? Que resultados podemos esperar?

No meu regresso à casa, carregando as minhas compras, cruzei-me com seis mulheres-meninas, das quais quatro carregando os bebés, em idade de amamentação, no colo. Pensei comigo, devem estar a sair duma sentada de “bradas”. Notem que não eram apenas seis pessoas, e sim dez, por conta dos quatro bebés, muito frágeis por natureza. Nenhuma delas trazia máscara. Disse para mim mesmo: coitados desses inocentes que saíram de casa só porque as mamães querem “txilar e bater-papo com bradas”.

Estas são algumas de várias situações que ocorrem como as bebedeiras em aglomerados às escondidas nos bares.

A nossa população, falo das zonas urbanas, ainda que escolarizada e um bom número com nível superior, parece totalmente ignorante e longe da seriedade do assunto. Mesmo com notícias do mundo fora sobre os números avultados de mortos, infectados e outras consequências graves que o Covid-19 está a criar, parece-lhes um mito, uma invenção, uma mentira. Será que precisam ser infectados ou morrer para acreditarem? Precisam que alguém da família ou vizinho morra para levar o “assunto” a sério? Se é isso que esperámos, então todos acreditaremos e tomaremos medidas de prevenção depois de mortos, o que é obviamente utópico.

Parece-me que, no seio das famílias não há esta educação de intensificar as medidas de prevenção, estão num total liberalismo. Se fôssemos uma sociedade com “cachimónia” no lugar, as famílias seriam os primeiros lugares a tomar medidas severas para prevenir o máximo a propagação do Covid-19, afinal todos nós, saímos, cada um, numa família, aliás, defende a famosa tese que “a família é a célula base da sociedade”.

Toda a realidade acima exposta, me parece que, está muito longe do Estado de Emergência, mais se assemelha ao que me arrisco a chamar de “férias sociais colectivas”, que seria um momento de repouso para todos (no âmbito escolar e laboral, em parte) e que serve para mais lazer e reencontros como jogos, danças e sentadas em aglomerações. A única diferença com as férias no geral é que não estão a viajar.

Lembrem-se que Estado de Emergência é uma das medidas excepcionais que um Estado pode adoptar quando o país seja confrontado com situações anormais e de extrema gravidade, ou seja, quando haja uma agressão efectiva ou eminente ou de perturbação da ordem constitucional ou de calamidade pública (cf. art. 290.º da Constituição da República de Moçambique). Neste caso, é a pandemia do Covid-19, uma calamidade pública. Durante a vigência do Estado de Emergência, que também podemos chamar de período de perigo, é limitado o exercício de alguns direitos, como é no nosso caso, entre outros, foram suspensos ou limitados, os direitos à circulação, reunião e educação.

Não estamos em dias normais, estamos todos em perigo, por isso é Estado de Emergência, um momento anormal, que não é corrente.

 

Portanto, distanciem-se o máximo possível, adoptem todas as medidas de prevenção necessárias, anunciadas pelas autoridades, para juntos combatermos o Covid-19, fiquem em casa, saiam só quando estritamente necessário, eduquem e ocupem bastante seus filhos em casa, amigos e colegas, lavem sempre vagarosamente as mãos com água e sabão, apliquem o álcool gel e usem máscaras sempre que forem sair de casa, porque, como dizem os provérbios ngonis “mutu umodzi sussenza denga; moto umapita komwe kwatsala ntchile” – que quer dizer: uma cabeça não carrega o teto; e fogo vai onde resta capim/mata. Não estamos de férias, estamos todos em perigo eminente.

Bom seria se o Governo, a sociedade civil, as autoridades locais como chefes dos Bairros, unidades e quarteirões ajudassem na educação cívica das formas de combate à esta pandemia, cada um na sua área de actuação, sem se esquecerem de dar a conhecer a população o que é Estado de Emergência.

Relativamente aos casos já confirmados no país e considerando as áreas em que estão localizados, províncias de Maputo e Cabo Delgado, não seria esta a hora de o nosso Governo isolar estas províncias para o melhor controlo da propagação da pandemia?

Juntos podemos vencer o que no ocidente e no oriente já se instalou e matou o bastante: o Covid-19. Lembrem-se que a próxima área de instalação pode ser em ti, em mim, na nossa família.

“Dakussokossela mkulinga utanva” – Gritei-te para ouvires.

26 de Abril de 2020.

Aurélio N. F. Jumbe