Vou precisar mudar meu plano de saúde. Para fazer a troca é preciso fazer uma perícia com um médico designado pela administradora do seguro saúde. Faço o agendamento e vou à perícia para comprovar que sou uma pessoa saudável, pois doentes não podem ter planos de saúde. Confesso que fiquei preocupado, considerando que meu corpo seria analisado em todos os detalhes, incluindo minhas frieiras e unhas encravadas.

Chego um pouco antes do horário agendado e já tem um cliente esperando, que é atendido primeiro. Era um homem de uns 60 anos, com aparência triste e desconsolada. Ouço da sala de espera que a conversa está animada mesmo sem conseguir entender nada. Quem fala mais parece que é o médico.

Enquanto espero dou uma olhada na sala. Um espaço pequeno com as paredes repletas de quadros, lembranças e diplomas. Por um deles dá para perceber que o médico estudou na Itália.

Chegou a minha vez. Apesar de a recepcionista ter avisado sobre o meu caso, ele já havia esquecido e pergunta novamente. Ai me explica que não vai me fazer um exame clínico, mas apenas uma entrevista. Avisa que o plano médico quer o meu dinheiro e prefere que eu esteja bem de saúde para não dar despesa. “Se você estiver bem será aceito sem problemas”. A conversa envereda por outros tempos e carnavais. Conta-me a história do homem que eu encontrei na sala de espera. É um paciente que perdeu o namorado com quem vivia há muitos anos. Está triste e desamparado. A vida é assim mesmo, um dia todos vamos morrer,  vaticina. Aproveita a história para contar sobre um amigo que tem dois filhos gêmeos que fizeram dezoito anos. Um deles apresenta um jovem para o pai, mas explica que é seu namorado. O pai quase caiu de costas, ficou sem chão. O que fazer, disse o médico. O jeito é aceitar e entender que depois da primeira experiência homossexual não tem mais volta.

Em seguida ele me conta sobre sua vida na Itália onde morou por muitos anos, pois a mãe era italiana. Depois da Itália foi estudar na Suíça num colégio interno. Relata com detalhes sua primeira experiência sexual em um prostíbulo italiano, onde foi levado por um primo mais velho que ganha mil liras para levar os primos mais jovens para as primeiras experiências sexuais e assim evitar que virassem boiolas. Explicou que todos acreditavam que os garotos precisavam aprender a fazer sexo com mulheres, caso contrário... Explicou que ele com os primos encontraram uma prostituta perto do Coliseu e todos transaram com ela e foram premiados com uma doença venérea, a popular gonorreia. Não sabiam o que era e foram tratados pelo seu pai, que também era médico.

Fiquei sabendo também, durante a consulta, sobre a vida sexual de um importante banqueiro paulistano que usufruía de garotas recrutadas por um amigo. Só fazia sexo oral, pois tinha medo de pegar alguma doença. Quando ele alertou o banqueiro que as meninas poderiam ser menores de idade e o agenciador poderia fazer alguma chantagem em função de sua posição econômica, inventou uma doença e se afastou. Mas não demorou muito para o sujeito tentar lhe aplicar um golpe. No final precisou mudar para outra cidade para fugir do assédio.

Enfim, voltamos para o meu caso. Contei-lhe minha história  clínica e ele preencheu a papelada toda exigida pelo plano de saúde, mas antes da despedida me conta que toca piano. Um dia tocando a famosa peça de Zequinha de Abreu, Tico-tico no fubá, seu motorista ouviu atentamente e depois comentou: “Muito bom, deve ser uma música italiana”. O doutor não teve dúvidas, contratou um famoso pianista da noite paulistana para lhe dar lições de piano popular. Depois de longos meses aprendendo o gingado brasileiro, tocou novamente o tico-tico no fubá e depois um chorinho do Ernesto Nazareth e o motorista reconheceu as músicas. Sentiu-se feliz e realizado.

Encerrou a consulta, mas não sem antes me  contar sobre as inesquecíveis sinfonias que ouviu ao vivo em Viena, onde ia acompanhar sua mãe. De lá falou de Nova York  quando assistiu uma opera baseada nos Miseráveis de Victor Hugo ao lado da mãe. Sentiu-se frustrado por não ter entendido nada, mas ao olhar para a mama, percebeu que ela dormia copiosamente.

E assim, sai de uma consulta médica bastante atípica numa quarta-feira ensolarada na Paulicéia desvairada e voltei pensando em quantas histórias estão por aí escondidas nos escritórios, consultórios, lojas e apartamentos esperando para serem contadas para quem tiver interesse em ouví-las.