A adoção internacional começou a ser utilizada, com mais frequência, após a Segunda Guerra Mundial, pois o grande número de órfãos surgidos, em virtude do evento, causou comoção em todo o mundo. Com esse aumento, começaram a surgir conflitos entre as legislações dos países, dificultando assim a homogeneização das regras procedimentais e legais sobre a adoção transnacional. Além disso, a prática passou a ser utilizada para o cometimento de crimes, tais como: maus tratos, tráfico, sequestro. Dessa forma violando o princípio básico do superior interesse da criança.

Diante desse contexto, surgiu a necessidade de regulamentar, mesmo que de forma mínima, no âmbito do direito internacional privado, a matéria, de modo que fosse garantida a lisura do procedimento e a proteção da criança e do adolescente.

Em 1965 foi elaborada a Convenção sobre Jurisdição, Lei Aplicável e Reconhecimento de Adoções, com o intuito de regular o conflito de lei resultante das adoções realizadas entre adotados e adotantes dos Estados signatários. Contudo, somente três países a ratificaram, sendo perceptível o insucesso. Apesar de ser o número mínimo necessário para que a convenção entrasse em vigor, os países a denunciaram em 2003, tornando-a ineficaz em 2008.

No ano de 1967, na cidade de Estrasburgo, foi elaborada a Convenção Europeia em Matéria de Adoção de Crianças, com o objetivo de regular as divergências legais entre os países signatários. Contudo, apesar do caráter substantivo das normas aprovadas, ainda não representou um avanço mundial, visto que somente os países europeus a ratificaram.

Em 1984, em La Paz, foi celebrada a Convenção Interamericana sobre Conflitos de Leis em Matéria de Adoção de Menores. Porém, apesar de a Convenção permitir a adesão de países não membros da OEA, esse tratado somente representou um avanço regional, a nível de MERCOSUL. Sobre o assunto, Cláudia Lima Marques (1996) comenta:

se a assinatura da Convenção Interamericana seria bem vinda em um processo regional de aproximação como o MERCOSUL, não se pode afirmar o mesmo nas relações mundiais. O fato de os Estados Unidos da América, país de destino de muitas crianças brasileiras, não demonstrarem interesse em ratificá­-la, assim como o fato dos demais países tradicionais de acolhida, extracontinentais, não demonstrarem interesse em aderir, retira-­lhe a possibilidade de servir de instrumento eficaz e mundial para a solução dos problemas da adoção internacional.

Em 1989, através da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Crianças, foi introduzido um piso vital mínimo de proteção aos direitos fundamentais das crianças e dos adolescentes, apesar do tratado não abordar especificamente sobre a matéria. Ela consagrou o princípio de que a adoção internacional somente deverá ser empregada quando não for possível conceder um lar à criança em seu país de origem.

A Convenção de Haia em Matéria de Adoção Internacional, em 1993, representou um marco na proteção aos direitos fundamentais da criança e do adolescente. Suas normas também eram dotadas de um caráter procedimental, o que veio a blindar as crianças contra adoções fraudulentas, dolosas ou obtidas mediante contraprestações econômicas. Ela apresentou ainda um extenso preâmbulo, no qual explicita os princípios teleológicos que devem nortear a interpretação de seu conteúdo.

Conforme preleciona Cláudia Lima Marques, essa convenção previu normas de condutas mínimas para cada pessoa envolvida no processo de adoção internacional, além de indicar, em caso de conflito, a lei aplicável. Ela assegurou que a competência das autoridades envolvidas e suas decisões sejam respeitadas pelos demais países signatários, como forma de criar segurança jurídica e um status não­ discriminatório para a criança adotada internacionalmente.

Essa imposição de deveres mínimos às autoridades e aos intermediadores envolvidos, tanto no país de origem quanto no de destino, demonstra que a Convenção de Haia também representou um avanço significativo para a uniformização das regras e princípios básicos referentes ao assunto.

Percebe-se, pela leitura do relatório da Convenção, de autoria do internacionalista venezuelano Gonzalo Parra-Aranguren, que somente foi possível concretizar a Convenção graças à união de esforços conjuntos entre países. A décima quarta sessão do relatório explicativo é um exemplo desse compromisso:

aceitou o princípio da participação de Estados não membros nos trabalhos da Conferência; se considerou que tal princípio devia seguir­-se em relação com a adoção internacional porque existia uma necessidade prática evidente de um instrumento multilateral que não fosse, ou não o fosse exclusivamente, um convênio que unificasse normas de Direito internacional privado. De fato, se considerou que a proteção efetiva das crianças requeria a definição de determinados princípios de caráter substantivo e o estabelecimento de um marco jurídico de cooperação de autoridades entre os Estados de origem e os Estados de recepção. (Disponível em:<http://www.gddc.pt/cooperacao/materia­civil­omercial/conf­haia­direito­int­privado.html>. (Acesso em: 11 mai. 2014)

Merecem destaque os objetivos básicos estabelecidos no Artigo 1[1] da Convenção, o qual garantiu um sistema jurídico dotado de instrumentos para a cooperação judicial e administrativa no momento anterior e posterior a adoção da criança, o que veio a proteger, dessa forma, seu melhor interesse e garantir a condição jurídica de filho, no país de domicílio de seus pais afetivos.

A grande inovação dessa Convenção está com o sistema de autoridades centrais com o fito de ajudar no estabelecimento da confiança entre os agentes responsáveis dos vários Estados, propiciando a troca de informações (arts. 7[2] e 9[3]) e a instrumentalização da tomada de decisões (art. 17[4], c).

Conforme preleciona Gustavo Ferraz de Campos Mônaco (MÔNACO, 2005, p. 263­-264):

importa deixar consignado que para o desenvolvimento das idéias expressas na Convenção de 1989, a Convenção de 1993 institui a figura das autoridades centrais que desempenham um papel de controle extremamente importante no que concerne à lisura do procedimento, garantindo que eventuais intermediários não obtenham benefícios materiais na adoção; estabelece a necessidade de relatórios psicossociais que indiquem a situação de pretensos adotantes e sua disponibilidade para o acolhimento de quantas crianças, com quais características etc., além de não se permitir que os Estados aponham reservas a seu texto.

Também ganham destaque os organismos credenciados. A Convenção estabelece que o interessado na adoção deverá ser representado por uma entidade estrangeira habilitada, de acordo com a lei brasileira, para atuar, no Brasil, no âmbito das adoções. Ou seja, o interessado estrangeiro deve inscrever-­se em entidade credenciada em seu país de origem.

De acordo com o art. 11[5] da Convenção, um organismo credenciado deve, dentre outros fins, estar submetido à supervisão das autoridades competentes do Estado que tiver credenciado o estrangeiro, no que tange à composição, ao funcionamento e à situação financeira.

Além das normas de centralização e controle, adotam-­se normas principiológicas de caráter assecuratório, as quais devem ser respeitadas durante todo o processo de adoção. A proposta é de superação do método conflitualista e a eleição do método misto, em que se estabeleçam as regras mínimas de atuação dos órgãos envolvidos na adoção internacional em cada Estado.

Nádia de Araújo (ARAÚJO, 2011, p. 57­-58) tece maiores explicações sobre o tema:

a norma de caráter substancial não perde sua característica de norma conflitual, não se confundindo, portanto, com a efetiva norma substancial de DIPr. A primeira­ de caráter substancial­, embora busque atingir um resultado material, faz isso com a adoção de múltiplos ou alternativos elementos de conexão, seguindo, pois, a estrutura clássica da norma conflitual. [...] Como o faz a Convenção de Haia sobre Proteção da Criança e Cooperação em Matéria de Adoção Internacional (1993) aplicadas ao melhor interesse da criança. O aplicador da norma de DIPr tem, assim, a possibilidade de escapar da conexão da norma (conflitual) de DIPr­ seja ela única ou múltipla­, podendo mesmo afastá­la e determinar a lei aplicável com base no resultado que a norma substancial de DIPr o manda atingir.

Na convenção foi estabelecido o princípio da subsidiariedade, elucidando que a adoção por não residentes no país da criança é medida excepcional, somente utilizada quando inexiste a possibilidade de a criança ser adotada em seu país de origem. Outrossim, vedou a existência de qualquer contato prévio entre os adotivos, os pais biológicos e a criança, enquanto não começar o processo de adoção, a fim de evitar qualquer negociação do “menor” envolvido.

Tal como disposto no capítulo V, todos os países signatários devem reconhecer a sentença de adoção, desde que se tenham observado os trâmites legais para tanto.

O art. 26[6] dispõe que o reconhecimento da adoção implicará também o reconhecimento do vínculo de filiação entre a criança e seus pais adotivos, a responsabilidade paterna dos pais adotivos a respeito da criança e a ruptura do vínculo de filiação preexistente entre a criança e seus pais, se a adoção produzir este efeito no Estado Contratante em que ocorreu.

Dentre os efeitos da adoção, podemos destacar o da aquisição da nacionalidade e da cidadania da criança adotada em decorrência do processo de adoção. A Convenção de Haia, de 1993, não regulamenta a questão da alteração da nacionalidade dos adotados internacionais. O objetivo da Convenção não é esse, apesar de mencionar que as adoções sejam feitas no superior interesse da criança.

É entendimento de que tal tema é de natureza jurídico-político, logo deve ser tratada individualmente, segundo os critérios para adquirir a nacionalidade de cada país. Dessa forma, a adoção não implica, automaticamente, a modificação da nacionalidade originária do adotado.

Assim é necessária uma atenção especial, no que tange à nacionalidade e à cidadania, às regras internas do país de acolhida, para que não seja negado o vínculo que liga o adotado ao seu novo país, impossibilitando assim o exercício de direitos políticos, o qual constitui uma parte importante da personalidade.

Indubitavelmente, o legado da Convenção, durante esse período de existência, é o de que apenas uma regulamentação abrangente, séria e confiável das adoções internacionais é o antídoto capaz de proteção dos direitos das crianças e adolescentes envolvidos no processo, criando uma zona de confiabilidade e cooperação em rede mundial. Além disso, ressalta a tendência à uniformização das normas de direito internacional privado.

REFERÊNCIAS

ARAUJO, Nadia de. Direito internacional privado: teoria e prática brasileira. 3. ed. Rio de Janeiro. Renovar: 2011

BODALLO, Galdino Augusto Coelho. In . Curso de Direito da Criança e do Adolescente: Aspectos Teóricos e Práticos. (Coor: Katia Mrciel)   4 ed. Revista e Atualizada Conforme a Lei n.12.010/09, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ constituicao.htm>. Acesso em: 24 fev. 2015.

BRASIL. Decreto nº 99.710, de 21 de novembro de 1990: Promulga a Convenção sobre os Direitos da Criança. Brasília, DF, 1990a. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/decreto/1990-1994/D99710.htm>. Acesso em: 21 fev. 2015

BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990: Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Brasília, DF, 1990b. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm>. Acesso em: 21 fev. 2015.

BRASIL. Decreto No 3.087, DE 21 de junho de 1999:Promulga a Convenção Relativa à Proteção das Crianças e à Cooperação em Matéria de Adoção Internacional, concluída na Haia, em 29 de maio de 1993.. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d3087.htm>. Acesso em: 14 de mar. 2015

BRASIL. Decreto Nº 5.017, DE 12 de março de 2004. Promulga o Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/decreto/d5017.htm>. Acesso em: 14 de mar. 2015

DEL'OLMO, Florisbal de Souza. Curso de direito internacional privado. 10. ed. int. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2014.

MARQUES, Cláudia Lima. Notícia sobre a Nova Convenção de Haia sobre Adoção Internacional: Perspectiva de Cooperação Internacional e Proteção dos Direitos das Crianças. In: Igualdade. Revista Trimestral do Centro de Apoio Operacional das Promotorias da Criança e do Adolescente ​, Curitiba, Ministério Público do Estado do Paraná, ano IV, n. XI, abr.­jun. 1996. Disponível em:  <http://www2.mp.pr.gov.br/cpca/telas/ca_igualdade_7_2_1.php>. Acesso em: 11 mai. 2014.

MÔNACO, Gustavo Ferraz de Campos. A proteção da criança no cenário internacional. Belo Horizonte: Del Rey, 2005.



[1] Artigo 1: a) estabelecer garantias para que as adoções internacionais sejam feitas segundo o interesse superior da criança e com respeito aos direitos fundamentais que lhe reconhece o direito internacional; b) instaurar um sistema de cooperação entre os Estados Contratantes que assegure o respeito às mencionadas garantias e, em conseqüência, previna o sequestro, a venda ou o tráfico de crianças e c) assegurar o  reconhecimento nos Estados Contratantes das adoções realizadas segundo a Convenção.

[2] Artigo 7: 1. As Autoridades Centrais deverão cooperar entre si e promover a colaboração entre as autoridades competentes de seus respectivos Estados a fim de assegurar a proteção das crianças e alcançar os demais objetivos da Convenção. 2. As Autoridades Centrais tomarão, diretamente, todas as medidas adequadas para: a) fornecer informações sobre a legislação de seus Estados em matéria de adoção e outras informações gerais, tais como estatísticas e formulários padronizados; b) informar-se mutuamente sobre o funcionamento da Convenção e, na medida do possível, remover os obstáculos para sua aplicação.

[3] Artigo 9: As Autoridades Centrais tomarão todas as medidas apropriadas, seja diretamente ou com a cooperação de autoridades públicas ou outros organismos devidamente credenciados em seu Estado, em especial para: a) reunir, conservar e permutar informações relativas à situação da criança e dos futuros pais adotivos, na medida necessária à realização da adoção; b) facilitar, acompanhar e acelerar o procedimento de adoção; c) promover o desenvolvimento de serviços de orientação em matéria de adoção e de acompanhamento das adoções em seus respectivos Estados; d) permutar relatórios gerais de avaliação sobre as experiências em matéria de adoção internacional; e) responder, nos limites da lei do seu Estado, às solicitações justificadas de informações a respeito de uma situação particular de adoção formuladas por outras Autoridades Centrais ou por autoridades públicas.

[4] Artigo 17: Toda decisão de confiar uma criança aos futuros pais adotivos somente poderá ser tomada no Estado de origem se: a) a Autoridade Central do Estado de origem tiver-se assegurado de que os futuros pais adotivos manifestaram sua concordância; b) a Autoridade Central do Estado de acolhida tiver aprovado tal decisão, quando esta aprovação for requerida pela lei do Estado de acolhida ou pela Autoridade Central do Estado de origem; c) as Autoridades Centrais de ambos os Estados estiverem de acordo em que se prossiga com a adoção; e d) tiver sido verificado, de conformidade com o artigo 5, que os futuros pais adotivos estão habilitados e aptos a adotar e que a criança está ou será autorizada a entrar e residir permanentemente no Estado de acolhida.

[5] Artigo 11: Um organismo credenciado deverá: a) perseguir unicamente fins não lucrativos, nas condições e dentro dos limites fixados pelas autoridades competentes do Estado que o tiver credenciado; b) ser dirigido e administrado por pessoas qualificadas por sua integridade moral e por sua formação ou experiência para atuar na área de adoção internacional; c) estar submetido à supervisão das autoridades competentes do referido Estado, no que tange à sua composição, funcionamento e situação financeira.

[6] Artigo 26: 1. O reconhecimento da adoção implicará o reconhecimento: a) do vínculo de filiação entre a criança e seus pais adotivos; b) da responsabilidade paterna dos pais adotivos a respeito da criança; c) da ruptura do vínculo de filiação preexistente entre a criança e sua mãe e seu pai, se a adoção produzir este efeito no Estado Contratante em que ocorreu. 2. Se a adoção tiver por efeito a ruptura do vínculo preexistente de filiação, a criança gozará, no Estado de acolhida e em qualquer outro Estado Contratante no qual se reconheça a adoção, de direitos equivalentes aos que resultem de uma adoção que produza tal efeito em cada um desses Estados. 3. Os parágrafos precedentes não impedirão a aplicação de quaisquer disposições mais favoráveis à criança, em vigor no Estado Contratante que reconheça a adoção.