Dia 31.10.2001, por volta de dezoito horas e trinta minutos, estava conversando com Ademar Rezende na “Assistência Jurídica” da Polícia Civil   eis que chegou o Delegado Optemar Rodrigues para formular um questionamento se o Detran pertencia à Polícia Civil para fins de aplicação do artigo treze da Lei Especial de Promoções (LC 98/93).  Optemar acabou se demorando enquanto que o Delegado (aposentado) Ademar Resende e a policial Jociane Guedes Martins (Inspetora de Polícia)  acabaram deixando o local em razão do adiantado da hora (fim do expediente). Permaneci com o Diretor de Comunicações e Informações (Delegado Optemar). 

A velha celeuma sobre a aplicação do princípio da hierarquia na Polícia Civil:

Acabamos dando continuidade a uma conversa anterior, em cuja ocasião havia questionado Ademar sobre a aplicação do princípio da  hierarquia na Polícia Civil, citando como exemplo a comissão de processo disciplinar constituída para apurar faltas imputadas ao Delegado Ilson Silva (Urussanga).  Havia comentado que colocaram o Delegado Paulo Matte de Quarta entrância para presidir os trabalhos e dois Delegados Especiais como vogais. Optemar argumentou que isso não era problema porque o Estatuto da Polícia Civil estabelecia que a hierarquia da função deveria prevalecer sobre a hierarquia do cargo, sendo assim, quem ocupava cargo comissionado teria ascendência sobre os demais.  Argumentei então que nomearam um Investigador Policial (Rafael) para o cargo de “Assistente Jurídico” do Delegado-Geral, assim poderiam também designá-lo para presidir uma comissão de processo disciplinar.  Considerei o fato de que poderiam nomear um Investigador Policial ou um Comissário de Polícia para o cargo de Corregedor Policial, já que não tem nada que estabelecia que o referido cargo comissionado teria que ser ocupado por Delegado de Polícia, como não havia nenhuma lei que estabelecia que o cargo de “Assistente Jurídico” teria que ser ocupado por Delegado.  Optemar então sugeriu que se revogasse de vez o dispositivo estatutário. Era evidente que não se poderia fazer isso, porque do contrário, haveria uma rigidez hierárquica muito grande, sem contar a falta de interesse, ou seja, o Delegado-Geral teria que ser o mais antigo e assim por diante, o que não seria o desejável, mas que houvesse melhores parâmetros.  Optemar insistiu: “Então deveriam revogar a lei, por que até hoje ninguém quis mudar isso?” Lembrei que depois que Heitor Sché fez o que fez para acabar com o critério do Delegado-Geral ser escolhido dentre os finais de carreira, pois  apresentou emenda constitucional suprimindo o preceito que obrigava essa observância, ficou mais difícil... Argumentei que: “É bem fácil de explicar porque até hoje o pessoal não teve peito para mudar essa realidade, porque aqueles que assumem cargos não querem mudar nada, isso significaria que o Delegado-Geral que não é final de carreira teria que ser o primeiro a entregar o cargo”.   Optemar concordou e disse:

- “Nunca que ele entregaria o cargo, nem os outros fariam isso!”

Preferi não insistir nesse assunto.  Perguntei para Optemar se ele acharia normal um Investigador Policial ser designado para presidir uma comissão de processo disciplinar tendo dois Delegados Especiais como vogal e meu interlocutor deu com os ombros. Depois citei que a partir das Leis Complementares 55/92 e 98/93, do Decreto n. 4.196/94 que estabeleceu o sistema de compatibilização hierárquica, de lotação por graduação e equalização das comarcas por entrância seguindo o aplicado pelo Poder Judiciário.  Citei que a hierarquia na função sobre a hierarquia no cargo só prevaleceria dentro da mesma graduação, isto é, entre dois Delegados Especiais poderia ser nomeado um mais novo na graduação para uma função de confiança, obrigando o mais antigo a se subordinar a ele.

Delegado Optemar: um peixe fora d’água e a velha amizade como o Promotor de Justiça Luiz Carlos Schmidt de Carvalho::

O Diretor de Comunicações e Informações relatou que se sentia um peixe fora d’água na atual administração, era como se o pessoal que estava no comando tivesse que engoli-lo.  Ele registrou que foi convidado pelo ex-Secretário da Segurança Luiz Carlos Schmidt de Carvalho para o cargo de Diretor de Comunicações e Informações:

- “Eu era amigo de infância do Carvalho, chamava ele de Luiz.  Quando ele foi escolhido para o cargo de Secretário de Segurança ele me chamou  e passamos um sábado juntos lá na praia de Canasvieiras (Associação do Ministério Público). Estava eu, ele, a Marli e o Luizinho (esposa e filho do “Carvalhinho”). Ele queria informações sobre as pessoas, ele perguntava: ‘Quem é o fulano de tal? O que tem contra ele? Qual a idoneidade do doutor cicrano de tal?’  Era assim...  Aí, no domingo fomos comer um churrasco juntos lá na Associação do MP, só que aí não deu para falar nada, tinha muita gente lá...”.

Interrompi para fazer um relato sobre o encontro que o nosso grupo de Delegados teve no ano de noventa nove com “Carvalho” na SSP (Jorge Xavier havia feito questão de apresentar o nosso grupo para o ex-Secretário e dizer quem éramos, o que fizemos...). Relatei que naquele encontro o Secretário disse que logo que foi surpreendido com o convite para a Pasta da Segurança, no outro dia de manhã cedo três Delegados estavam na porta da sua residência em Blumenau e. que sua esposa foi acordá-lo. Perguntei para Optemar se ele sabia quem eram os três delegados, mas ele se mostrou surpreendido, desconhecia esse fato e continuou seu relato:

- “O Luiz passou a receber muita pressão política, começou primeiro com o Pacheco (Coronel Sidney Pacheco do PPB) que queria colocar a tal de “T.” num cargo comissionado, aquela que trabalhou na manutenção, tu precisas ver como o Pacheco infernizou o Luiz. Numa reunião que teve lá no Gabinete,  eu até me arrependo de ter dito, o Rachadel ficou puto da cara comigo...”. Fiquei curioso e perguntei: “O que aconteceu? Por que ficasse puto da cara com o Rachadel?” 

As cartas do Delegado Heitor Sché e do Coronel Sidney Pacheco:

Optemar continuou:

- “Rapaz, eu me levantei na reunião  e disse: ‘O quê? Ela é uma “l.”, “l.”...’  quando disse isso o Rachadel me olhou e fez uma cara feia,  precisas ver, e eu reiterei que ela era uma ‘l.’. Na época que Pacheco foi Secretário eu estava na Delegacia de São José e ela era a Chefe da Manutenção e uma noite chegou lá na Delegacia um caminhão carregado de telhas, o motorista queria fazer a entrega na casa dela, estava perdido e a nota estava no nome da Secretaria, ah, eu disse isso pra ele.  Depois veio o Heitor Sché que queria emplacar o nome o Maurício para o cargo de Delegado-Geral, só que aí esbarrou naquele problema (havia havia impedimento constitucional, teria que ser “Especial”), ele não era final de carreira. Eu sei que um dia eu estava com o Luiz lá no gabinete e o Heitor Sché ligou ‘desmo.’ o Moretto (Delegado-Geral Ewaldo Moretto), dizendo que ele tinha trabalhado no governo passado, que não poderia ser nomeado novamente...  Em determinado momento da conversa o Luiz pediu que eu me aproximasse dele, ficasse junto com ele ouvindo o que o Heitor estava dizendo e nós ficamos ouvindo juntos ao telefone...  O Luiz chegou e disse para mim: ‘Colocar o Maurício é aceitar que o Heitor Sché comande a Polícia Civil. O Maurício não vai me obedecer, vai obedecer o Sché e eu não posso aceitar isso!’ Como o Sché viu que não conseguiu colocar o Maurício passou a trabalhar o nome do Braga, era pressão a toda hora... O Luiz chamou o Braga e convidou ele para ser Corregedor-Geral, mas ele não aceitou, queria ser era Delegado-Geral.  Teve uma reunião lá no gabinete do Luiz, logo no início, estavam lá o Redondo, Lipinski, Rachadel  e logo que eu cheguei o Luiz me chamou e me deu um papel e disse na frente deles: ‘Optemar coloca aqui no papel os nomes para o preenchimento de cargos na tua administração da Polícia Civil...’. Rapaz, eu sei que aquele pessoal me olhou com um ódio, uma inveja...”. 

O pacto do “triuvirato” (Delegados Lipinski, Rachadel e Redondo):

Optemar relatou que Redondo estava indicado para o Detran e que o mesmo queria a direção desse órgão de qualquer jeito, pois havia um pacto entre eles, (com os Delegados Lipinski e Rachadel todos ligados ao Coronel Pacheco), se caísse qualquer um deles os outros também pediriam afastamento e o que aconteceu quando Redondo caiu do Detran? Nem Lipinski nem Rachadel cumpriram com o pacto. Sabes por que Redondo caiu do Detran?  Argumentei que segundo soube teria sido por problemas com despachantes, autoescolas...  Optemar completou:

- “A contratação de duzentos empregados irregularmente, sem autorização e com recursos... , ele acabou se desentendendo com o Celestino Secco, com o Secretário Adjunto da Segurança...”. 

A “rasteira” no Delegado Lauro Cesar Radke Braga e o “Cirque Du Soleil” nos relatos do Delegado m(a)en(é)estrel:

Optemar perguntou se eu tinha conhecimento do que aconteceu com Braga? Argumentei que segundo soube Redondo foi primeiramente emissário de um convite para o cargo de Corregedor-Geral, entretanto, depois Braga conversou com o Secretário “Carvalhinho” e pediu “carta branca”, depois se arrependeu dessa condição que quis impor.  A seguir Optemar completou:

- “É, mas depois disso andaram lá no diretório do PPB, estavam lá o Braga, mais o Jorge, sim o Jorge Xavier, eles estiveram várias vezes lá...”.

Discordei argumentando que aquela informação não procedia porque do contrário eu ficaria sabendo em razão da minha amizade com Jorge Xavier. Optemar se mostrou um pouco inseguro e não teve muita certeza de quem teria acompanhado Braga até o diretório do PPB na tentativa de emplacar o seu nome para o cargo de Delegado-Geral.  A seguir o mané e menestrel revelou que Lipinski era uma pessoa triste, não conversava com Delegados, não tinha amigos, só sabia assinar papel, que Rachadel era uma pessoa muito ruim, que não imaginava que ele pudesse ser uma pessoa tão má... Optemar relatou ainda um fato envolvendo uma viatura que solicitou para seu órgão e que Rachadel teria dito que o uso de viatura é para o trabalho e não para passeio e que deu a seguinte resposta:

- “Sim,  por que Rachadel, nós usamos as viaturas só para trabalho!”  

Questionei sobre a situação da Delegada Regional de Joinville (Marilisa), se ela iria reassumir a Delegacia Regional de Joinville, se a passagem do Delegado Maurício Eskudlark pela DRP seria breve e Optemar respondeu: 

- “Que reassumir? Aquilo estava uma esculhambação.  Eles não querem ela mais lá!”

Optemar revelou que Maurício estava muito chateado com Lipinski e chegou a confidenciar que para ele o momento era só “deitar nas cordas”. Como não entendi essa expressão, perguntei:

- “Deitar nas cordas? Não entendi!”

Optemar esclareceu:

- “É, o Maurício diz que não faz mais nada, o que ele faz o Lipinski desfaz! Ele resolve mudar um policial de lugar aí o Lipinski vai lá e diz que não! Ele não consegue fazer nada. O Lipinski não dá espaço nenhum, ele tá puto da cara!”.

Perguntei sobre o “caso Priscila” (Investigadora Policial de Tubarão lotada na Diretoria de Comunicações e Informações), querendo saber como ela estava e se foi ele que indicou que ela me procurasse para aconselhá-la?  Optemar disse que sim em razão do período de trânsito dela (remoção para Tubarão).  Frisei que a revogação de designação de policial não dá direito a período de trânsito.  Optemar revelou que Priscila foi muito injustiçada, primeiramente pelo Delegado Jefferson que vivia se “en.” com ela... Depois o pessoal lá da Diretoria a tratava mal, ela era uma das únicas que trabalhava, apresentava serviços...:

- “O ‘J.’ é excelente,  mas só que não pode trabalhar em equipe, é uma pessoa difícil, tem que trabalhar sozinho. e ela estava bem, eu não vejo nada de mal de um servidor sentar na cadeira do Diretor para preencher alguns papeis, foi o que aconteceu uma vez lá na minha sala, só que na hora chegou gente..., mas eu não vejo nada de mal nisso, desde que tenha uma justificativa. Eu tinha autorizado ela sentar na minha cadeira para preencher um documento e foi isso que ocorreu...”. 

Argumentei que na sua condição de diretor havia errado no tratamento com Priscila, pois não devia ter deixado a mesma se expor tanto, deveria ter tratando com mais discrição e relatei um pouco do que conversei com ela. Optemar disse que ela ontem estava de plantão na primeira Delegacia de Policia de Tubarão e que se eu quisesse conversar com ela bastava ligar...  Argumentei que não precisaria ligar mais, estava preocupado para saber se ela tinha se apresentado em Tubarão porque Lipinski havia catalisado energias sobre o seu caso e que ela deveria tomar muito cuidado. Antes de deixar a “Assistência Jurídica”  me levantei da cadeira e afirmei:

- “Olha Optemar, é muito fácil ser forte com os fracos e esse pessoal sabe ser bom nesse negócio de bater nos subordinados, mas quando chega na vez dos grandalhões, ficam miando, transformam-se em formigas. Lembro o dia que Rachadel estava no gabinete do Luiz Carlos Schimdt, naquele encontro do nosso grupo, precisavas ver,  ele ficou num canto da mesa tomando cafezinho, mansinho, até a cor do rosto dele havia mudado, cheio de gentilezas... é assim, mas quando você vê ele conversando com subordinados, ele se transforma noutra pessoa, como é que vamos ter uma instituição forte assim? Sinceramente, não vejo futuro...”.  

O encontro com o Delegado-Geral Lipinski e o “Jardim da Paz”:

Como já passava das vinte e trinta horas, fechei a porta, apaguei todas as luzes, desci as escadas e quando cheguei na portaria, encontrei Lipinski sentado na cadeira que pertenceu primeiramente ao Walter “Guarda-Chuva Velho” (Agente Administrativo à disposição da Polícia Civil e encarregado dos serviços gerais do prédio) e que naquele horário da noite deveria ser utilizada pelo plantonista Comissário Samuel que estava do outro lado do balcão e parecia conversar animadamente com Lipinski, chegando ao ponto de ignorar minha passagem. Lipinski, por sua vez, afundava na cadeira com sua gravata preta bem saliente sobre sua barriga em quase forma de “meio ovo”. Logo que me viu com ares de descaso e de irrelevância, deixou escapar com aquela sua voz que vinha do fundo da garganta e que lembrava um canto gregoriano:

- “Doutor Felipe...”.

Só isso! Levantei o braço retesado com a palma da mão direita aberta em resposta e perguntei:

- “Tudo bem?”.

Não obtive qualquer resposta enquanto Samuel continuou a sorrir para o Delegado-Geral que deixou escapar algo desconexo.  Logo que saí fiquei pensando na imagem bonachona de Lipinski naquela cadeira, o jeito como estava sentado naquele adiantado da hora, parecia que não tinha nenhuma pressa em sair do prédio,   dava a impressão que era o guardião do prédio e também o chefe da Portaria, que Samuel era uma pessoa de fora que tivesse vindo obter informações. Lipinski dava a nítida impressão de que estava à vontade e queria ir para seu lar, ver a esposa, os filhos, cuidar de seus afazeres domésticos, respirar seu mundo privado, era incrível, pois a impressão era que nosso Delegado-Geral queria ouvir as paredes do prédio, sentir a cadeira do plantonista, olhar de través por cima do balcão, imaginar pessoas, ver quem estava no prédio...  e eu louco para chegar em casa com aquele tempo escasso, aquela comidinha me esperando, uma cervejinha gelada, o prazer da leitura dos jornais, o canal de saúde na Direct TV, o livro que estava no criado mudo de Deepak Chopra (Corpo Sem Limites...), já pensando que dia dois seria finado, dia de visitar o túmulo de minha mãe no Jardim da Paz.