Contatos Kabbalísticos

O contato com uma tradição esotérica verdadeira não é travado com facilidade. Podemos andar pelas ruas de Jerusalém ou de Lages, Londres ou Los Angeles, e ver muitas pessoas que se vestem e agem como se fosse um explorador esotérico, mas é provável estarem imitando alguém que acreditam ser um viajante do Caminho, ou apenas seguindo os costumes, ou a moda, de sua própria sociedade. Observamos que muitos dos que usam vestimentas tradicionais de alguma ordem ou seita esotérica estão frequentemente preocupados com posição social, ou com ganhar a vida, ou com ambos. Além disso, muitas das pessoas que se reúnem em torno de ashrams, lojas, túmulos de santos e lugares sagrados, que se vestem e falam no estilo daquele lugar estão, na maioria das vezes, enganando a si mesmas e a outros, de que estão investidas de uma autoridade. A Autoridade não é adquirida ou concedida com tanta facilidade. Deve chegar na ocasião certa e num momento e iniciação.

Iniciação significa principiar algo. Ser um caminho significa assumir compromisso com um determinado caminho de ação, de devoção ou de contemplação. Não se chega a este ponto facilmente. É resultado de muitos anos de preparação gradual ou, em tempo curto, de um período intenso de alegria ou de sofrimento. Tal experiência quase sempre nos coloca em um estado onde parece não existir saída para uma situação pessoal, na qual nada de pior ou de melhor pode acontecer. Em tais momentos, os mundos superiores intervém. Na Kabbalah isto é chamado de “A Supervisão do Céu”, a qual zela pelas pessoas que estão apenas chegando ao ponto crítico, quando um avanço pode acontecer porque estão no fim de seus limites ou porque se abriram. Ambas as condições podem ser o que é chamado de um estado de “Kabal”, ou ser receptivo, o momento em que são mais capazes de perceber o que pode estar disponível para eles.

Tomemos o caso da mulher que sacrificou o amor pela carreira. Trabalhou durante muitos anos aperfeiçoando seus talentos como artista, mas ainda não era reconhecida quando alcançou o máximo de sua capacidade. Continuou a praticar sua arte com grande zelo, mas cada ano que passava levava com ele mais uma possibilidade de ela ser um dia reconhecida. Voltou-se para uma religião convencional, mas não encontrou consolo porque o ministro não podia explicar o significado de sua difícel sina. Ofereceu-lhe sua crença, mas ela buscava conhecimento real. Toda sua fé religiosa ficou desequilibrada, porque ela não era capaz de aceitar o sofrimento que sentia como Deus rejeitando o seu talento sem qualquer motivo aparente. Um dia, entrou em uma livraria esotérica e pediu um determinado livro. O perceptivo balconista, sentindo que ela atravessava uma profunda crise, sugeriu que procurasse alguém que fosse capaz de dizer-lhe algo mais. A sugestão foi seguida, e uma longa amizade se iniciou, principalmente pelo telefone, que levou a mulher a esquecer sua crise e ir em direção ao entendimento do motivo pelo qual estava passando por aquilo. Durante esse período, seu contato com o grupo foi bastante breve, e ela ainda teve de pedir para entrar. A mulher ainda acreditava que estava passando por isso sozinha, embora tenha sido de fato colocada sob supervisão por uma série de circunstâncias providenciais. Note que o candidato não está ainda consciente da oportunidade, embora algumas indicações tenham sido dadas. Nenhuma iniciativa óbvia por parte do contato existiu. Seria demasiado contraproducente.

Em algumas situações, contudo, o reverso pode acontecer. Tomemos o exemplo do homem que chegou a um ponto de escolha em sua vida. De um lado, uma carreira segura lhe é oferecida, e de outro, um interesse extremamente criativo, que o levará para um modo de vida produtivo no plano interior, porém financeiramente não-gratificante. Após uma série de contratempos em seus projetos criativos, escolheu a segurança do emprego. Começou a comer e beber demais, e se tornou descrente em relação à vida, até que, de repente, compreendeu que estava morrendo internamente. Em desespero, telefonou para alguém que conhecia há anos e explicou o dilema. Esta pessoa, que estava na Kabbalah, reconhecendo a situação pela qual ele passava, disse-lhe abertamente que encontrava-se em posição mais grave do que ele talvez compreendesse, acrescentando: “Você pode escolher arriscar, ou dormir até morrer”. O homem retrucou que tinha responsabilidades. Veio a resposta: com quem e com quê? Uma alma que definha não tem condições de cuidar da família. A longo prazo, o infortúnio tomará conta de todos, à medida que ele perde o contato consigo mesmo e depois, com a esposa e com os filhos. Foi ressaltado, através de exemplos, como o Céu cuida dos que se colocam sob seus cuidados. Não existem subterfúgios. Ou se vive de acordo com os valores espirituais ou com os terrenos, e seus respectivos efeitos na qualidade de vida. O homem deveria ainda tomar a decisão, mas, pelo menos, agora sabe quais são as questões e onde o conduzirão, porque seu contato o colocou em posição de ser capaz de perceber dois conjuntos de leis inteiramente diferentes que podem governar a vida.

Tais crises podem precipitar uma reunião com alguém da Kabbalah. O contato pode ser uma pessoa conhecida há muitos anos ou alguém que se conhece há pouco tempo. Na primeira situação, o contato é bastante familiar à pessoa, conhecendo sua psique, seu estado de espírito e seus problemas mundanos. Aqui o contato pode esperar uma década até que a situação amadureça, e então manter o silêncio até exatamente a oportunidade certa. É o que aconteceu na situação da mulher que se agarrou aos seus sonhos até muito tempo depois de eles terem sido abalados pela realidade. Nada poderia ter sido dito a ela, até que, em compreensão tardia, viu o que eles significavam, a abriu seu coração à possibilidade de algo novo que a levasse ao desenvolvimento interior. No caso da amizade recente, acontece muitas vezes que o contato entra na vida do indivíduo exatamente no período fundamental, quando tudo está sendo questionado, ou quando a pessoa atingiu o ponto culminante onde algum auxílio externo é necessário para fechar o círculo, como no exemplo do homem que havendo estudado livros esotéricos durante a maior parte de sua vida, de repente compreendeu, com horror, que havia perdido muitos anos, e que deveria praticar o que sabia em teoria, ou iria para a sepultura como nada mais que um “caruncho” de livro. Recentemente havia conhecido uma pessoa que parecia saber tanto quanto ele, mesmo embora esta não lesse tanto. Além do mais, o indivíduo parecia antecipar suas observações e responder a suas perguntas, mesmo que de maneira indireta. Um dia, então, tornou-se claro que este homem era a conexão sobre o qual ele vinha lendo nos livros, e não havia reconhecido até então. Deste ponto em diante, começou a mudar.

Alguns contatos são, na verdade, miraculosos, pois não se inserem na sequência normal dos acontecimentos. Ocorrem a qualquer momento, em um avião, em uma festa, em um lugar distante, assim como perto de casa. Tome o caso do convidado de um casamento tradicional. Resmungava para si mesmo algumas observações desesperançosas sobre costumes tribais, dizendo que jamais havia encontrado alguém espiritualizado em tais reuniões, quando escutou uma pessoa próxima a ele dizer, quase de modo imperceptível, que haviam outros presentes, se ele tivesse olhos para ver. O homem olhou de novo para seu interlocutor, e começou uma conversa sobre assuntos de interesse mútuo até tarde da noite. Nunca encontrou o homem outra vez, mas soube que o encontro havia sido providencialmente arranjado, como uma prova para ele. Em outro exemplo, uma mulher viajou milhares de quilômetros de Israel para se encontrar, através de uma série de coincidências, ou assim parecia ser, em uma reunião kabbalística. Estava muito perturbada, pois depois de procurar durante vinte anos por semelhante grupo no Oriente, encontrou-o no último lugar em que ela esperava, no Ocidente.

Do ponto de vista dos próprios contatos, a situação é bastante diferente. Qualquer pessoa envolvida com a Kabbalah é um contato em potencial para alguém, porque todos estão envolvidos na cadeia de transmissão. Não significa, contudo, que qualquer pessoa que demonstre interesse em assuntos esotéricos sejua um contato adequado. O contato deve exercer muita discriminação. Ele deve avaliar em que estágio e em que estado o indivíduo está. Por exemplo, muitas pessoas que falam sobre assuntos esotéricos podem ignorar que alguém do Trabalho está presente. Por isso, quanto menos for dito para o contato, melhor. Se um candidato realmente verdadeiro se apresentar, então o contato vai para um estado máximo de alerta. Durante horas ou anos, de acordo com o caso, a conversa é cuidadosamente conduzida em direção à sua culminação. A integridade é conferida através de perguntas difíceis, porém investigadoras. A vaidade é testada, e também a humildade. Os limites do conhecimento são explorados, como também a experiência. Muitos dizem saber muito para impressionar, e algumas pessoas citam dizeres e idéias do profundo e do grandioso com forte convicção. Ser um contato requer muita habilidade, porque revelar-se na ocasião errada pode criar problemas, como jamais obter a confiança de alguém que sinta ter sido enganado ou manipulado por um sinistro lunático. Tal erro pode ser decisivo e criar um obstáculo maior, se não dissuadir a pessoa para o resto da vida. Esta é uma das razões originais pelas quais os maçons e os kabbalistas têm sempre se mantido tão discretos.

Ser um contato significa ser um elo a alguma coisa. Não significa apenas a outras pessoas ou a um professor, mas a um grupo ou escola, e, na verdade, a toda uma Tradição. Deve-se refletir muito, assim sendo, sobre com quem se trava um contato aberto. Além daqueles que tomariam a oportunidade pelas razões certas, existem pessoas que, por curiosidade, adorariam entrar em uma escola esotérica e ver o que se passa. Existem também indivíduos que buscam um círculo íntimo por estarem sozinhos. Um grupo kabbalístico não é para eles, nem é para os que procuram nividades espirituais; e existem muitos que perambulam procurando apenas isso. Um contato novo e inexperiente pode confundir o entusiasmo sobre o que é estranho ou fora do comum com um interesse real em espiritualidade, pois seu próprio entusiasmo os tornará cegos à sede de conhecimento superior de certos indivíduos, motivados erroneamente. Não deve ser permitido o acesso de tais pessoas a um grupo, porque podem ser muito perigosas para os indefesos, se tomarem um fragmento do sistema e o utilizarem para fascinar os inocentes e crédulos. Nesta conjectura, deve-se ser cuidadoso, e é aqui que o princípio do Mal busca se intrometer na situação e distrair os que buscam o Portal do Caminho. Por causa deste fator, o contato deve ser particularmente cauteloso, pois, às vezes, a “oposição” coloca um de seus agentes muitas vezes inconscientes como convidados de um grupo. Apenas os que têm motivação correta, de acordo com o julgamento do contato, devem ter permissão de entrar no próximo estágio, razão pela qual um procedimento tradicional demorado é usado para separar o joio do trigo. Embora este método não seja tão preciso em nossos dias, é aplicado em estágios mais avançados. Estamos, contudo, ainda no estágio da introdução.