CONSIDERAÇÕES SOBRE O MANEJO DA TRANSFERÊNCIA EM TREINAMENTOS COMPORTAMENTAIS

Por Douglas Marcel da Silva Buzoni | 18/07/2017 | Psicologia

INTRODUÇÃO
A transferência é um dos mais clássicos temas debatidos e aprimorados pela Psicanálise e por escolas psicológicas oriundas dela. Zimerman (2007) aponta a primeira referência ao termo como pertencente aos “Estudos sobre a Histeria” de Freud, em 1895. Originalmente encarada como um impedimento ao desdobramento do processo terapêutico, a transferência sofreu certas modificações de conceituação com evoluções da teoria freudiana ao longo dos anos e, mais particularmente, com o desenvolvimento de novas perspectivas teóricas, tais como as inferidas por Klein, Bion, etc. Neste estudo buscou-se uma compreensão holística do conceito, transitando por diferentes visões, embora se pautando mais acentuadamente nos achados de Melanie Klein. Todavia, há amplo contraste tanto entre o período em que Klein esteve em contato com a clientela que atendia quanto entre o trabalho realizado por ela e o relatado e interpretado neste estudo. Assim sendo, as considerações e percepções de Klein – e dos demais teóricos apresentados aqui – sobre o psiquismo humano serão consideradas sempre de maneira adaptada à realidade narrada neste artigo.
Zimerman define a transferência da seguinte maneira:
De forma extremamente genérica, pode-se conceituar o fenômeno transferencial como o conjunto de todas as formas pelas quais o paciente vivencia com a pessoa do psicanalista, na experiência emocional da relação analítica, todas as “representações” que ele tem do próprio self, as “relações objetais” que habitam seu psiquismo e os conteúdos psíquicos que estão organizados como “fantasias inconscientes”, com as respectivas distorções perceptivas [...] (p.331).
Mediante esta perspectiva a transferência pode então ser compreendida como a oportunidade de se (re) vivenciar a diversos itens, objetos, fenômenos, lembranças, desejos, etc., que compõem a subjetividade do indivíduo, quer se tratando de aspectos conscientes, quer de inconscientes. A qualidade da relação que se estabelece com a pessoa que serve de depositário desta transferência possui importância e influência fundamentais aos benefícios ou malefícios que desta relação se poderá colher.
Uma adequada compreensão do que está sendo apontado ao se redigir estas linhas necessita que seja feito um breve resumo das principais contribuições de Melanie Klein sobre o assunto para que reflexões mais abrangentes possam ser feitas a seguir.
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Em seu clássico artigo “As Origens da Transferência”, de 1952, Klein (1991) se expressa da seguinte maneira:
É característico do procedimento psicanalítico que, na medida em que ele começa a abrir caminho dentro do inconsciente do paciente, seu passado (em seus aspectos conscientes e inconscientes) vá sendo gradualmente revivido. Desse modo, sua premência em transferir suas primitivas experiências, relações de objeto e emoções é reforçada, e elas passam a localizar-se no psicanalista. Disso decorre que o paciente lida com os conflitos e ansiedades que foram reativados, recorrendo aos mesmos mecanismos e mesmas defesas, como em situações anteriores (p.71).
As inovações introduzidas por Klein dizem respeito principalmente à possibilidade de, durante o primeiro ano de vida do indivíduo, já haver “ego suficiente para experimentar ansiedade, usar mecanismos de defesa e formar relações de objeto primitivas na fantasia e na realidade” (SEGAL, 1964/1975, p.36). À primeira forma de organização psíquica ela intitula posição esquizo-paranóide e, indo do nascimento até por volta dos quatro meses de vida, teria como base os seguintes mecanismos de defesa: cisão, relações de objeto parciais (ou somente bons/idealizados ou somente maus/persecutórios), negação onipotente, projeção, introjeção, etc. Em contrapartida, a segunda forma de organização psíquica, a posição depressiva, disporia (e exigiria do indivíduo) da capacidade de lidar com a ambivalência amor-ódio, presença-ausência e, portanto, de lidar com situações totais. Haveria necessariamente a co-existência de ambas as posições no psiquismo do adulto, com maior ênfase em uma das duas.
Os processo psíquicos postulados por Melanie Klein direcionam a uma ideia original e abrangente sobre a importância e os alcances da fantasia. Hanna Segal, uma das mais famosas e influentes discípulas de Klein apresenta este tópico da seguinte maneira:
A formação da fantasia é uma função do ego. A concepção da fantasia como expressão mental de instintos por meio do ego pressupõe um grau de organização do ego muito maior do que o que foi usualmente postulado por Freud. Pressupõe que o ego, a partir do nascimento, é capaz de formar – e, de fato, é impulsionado pelos instintos e pela ansiedade a formar – relações de objeto na fantasia e na realidade. A partir do momento do nascimento, o bebê tem de lidar com o impacto da realidade, começando com a experiência do próprio nascimento e passando a inumeráveis experiências de gratificação e frustração de seus desejos. Essas experiências da realidade influenciam imediatamente a fantasia inconsciente e são por esta influenciadas. A fantasia não é simplesmente uma fuga da realidade, mas um constante e inevitável acompanhamento de experiências reais, com as quais está em constante interação (SEGAL, 1964/1975, pp. 24-25).
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Ainda de acordo com Klein (1991, p.76), “a transferência origina-se dos mesmos processos que, nos estágios mais iniciais, determinam as relações de objeto”, onde, para uma adequada compreensão do fenômeno, é necessário que se analise tanto a transferência positiva (impregnada de impulsos libidinosos) quanto a transferência negativa (essencialmente agressiva e invejosa).
Portanto, as interpretações, considerações e inferências que serão realizadas mais adiante estarão pautadas essencialmente nos achados teóricos de Klein em diálogo com outros teóricos sem, contudo, perder de vista as múltiplas implicações e particularidades que o contexto de treinamento comportamental e, principalmente, a situação grupal são capazes de trazer. Tem-se em mente, sobretudo, que as vicissitudes do desenvolvimento psíquico da criança e seus impactos no do adulto, tão defendidas por Klein e seus discípulos, são o farol do qual o autor do presente se vale ao fazer as constatações mais adiante inferidas, quer sobre a clientela atendida, quer sobre suas percepções sobre a mesma.

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