CONSIDERAÇÕES SOBRE ENSINAR E APRENDER NA CONTEMPORANEIDADE

 

Juciara Saviana Machado do Amaral1

 

 

 

Resumo

O presente estudo busca fazer considerações a respeito das implicações trazidas à educação pelas transformações sociais ocorridas a partir do final do século XX. Inicialmente apresento particularidades desse momento em que reformas educacionais impactaram sobre todos os níveis de ensino em âmbito nacional, ao mesmo tempo em que a expansão tecnológica vem transformando as bases das relações sociais. Como um dos impactos mais contundentes deste cenário, percebe-se o surgimento de novas formas de aprender, o que implica na necessidade de desenvolvimento de novas competências nos educandos para que sejam capazes de (re) interpretar as informações que os cercam, revelando a necessidade de adequação das instituições educativas a fim de atender as demandas atuais. O estudo foi realizado com base em pesquisas bibliográficas específicas que ressaltam as características desse momento histórico e também as competências necessárias a serem desenvolvidas a fim de que as instituições educacionais possam responder às novas exigências sociais.

 

Palavras-chave: Educação. Aprendizagem. Contemporaneidade.

 

Introdução

A educação brasileira, especialmente a partir da década de 1990, tem sido alvo de significativas reformas e mudanças em todos os níveis de ensino: avanços na ampliação do acesso e na redução das desigualdades sociais de acesso; na permanência, com a elevação da quantidade de alunos que concluem o ensino médio; na ampliação do número de profissionais da educação e da escolarização dos mesmos; no desenvolvimento de mecanismos de descentralização da gestão2, dentre outras. Nesse mesmo período, a sociedade protagoniza grandes mudanças tanto no campo socioeconômico e político quanto no da cultura, ciência e tecnologia, e ainda não se tem ideia clara do que pode representar a globalização dessas distintas áreas. As transformações tecnológicas tornaram possível o surgimento da chamada era da informação (GADOTTI, 2000, p. 3).

As novas tecnologias, os novos mercados, as novas mídias, os novos consumidores desta era da informação e do conhecimento conseguiram transformar o mundo em uma grande sociedade, globalizada e globalizante; mas o homem, diante dessa nova realidade, continua o mesmo: íntegro na sua individualidade, na sua personalidade, nas suas aspirações, na defesa de seus direitos, na busca da sua felicidade e de suas realizações, e no comando desta mudança, como o único ser dotado de vontade, inteligência e conhecimento capaz de compreender os desafios e definir os passos que direcionarão seu próprio futuro (BORGES, 2000, p. 32).

 

Cruz (2008, p. 1024) argumenta, por sua vez, que uma das grandes dificuldades trazidas pela expansão tecnológica diz respeito à relação entre qualidade e quantidade de informação disponível e há, indiscutivelmente, um enorme desafio em transformar o imenso volume e o intenso fluxo de informações em conhecimento, chamando atenção para

 

a necessidade de se saber processar informação, mesmo porque ela, por si, não implica conhecimento, importa mais a capacidade reflexiva e crítica que o indivíduo é capaz de desenvolver ante o conteúdo que ela traz. Informação, sem uma mente que a analise, que a reflita, que a compreenda e que a use adequadamente, é inútil para o crescimento intelectivo do sujeito. A capacidade reflexiva do aluno é elemento essencial para o discernimento do conhecimento, já que é ela que o torna capaz de interpretar, comparar, ponderar e integrar as informações (CRUZ, 2008, p. 1025).

 

Desse modo, entendo que as tecnologias da informação vêm modificando o modo de distribuição do conhecimento, o que implica no surgimento de novas formas de aprender: para que o indivíduo seja capaz de processar, interpretar e compreender o grande leque de informações atualmente disponíveis, são necessárias maiores capacidades ou competências cognitivas, fato que merece ser considerado pelas instituições educativas. Assim sendo, essas mudanças na configuração da sociedade acabam por clamar uma nova abordagem de educação, uma vez que, sendo parte dessa sociedade, a instituição escolar não pode se omitir em relação às transformações no campo social.

 

Conhecimento, sociedade e educação

Pozo (2007, p. 34) adverte que nossa sociedade vive momentos paradoxais em relação à aprendizagem. Por um lado, argumenta que há cada vez mais pessoas com dificuldades para aprender aquilo que a sociedade exige delas. Por outro, o tempo dedicado para aprender prolonga-se cada vez mais na história pessoal e social, ampliando os anos da educação obrigatória, impondo uma aprendizagem ao longo de toda a vida e levando a que muitos espaços inicialmente destinados ao ócio, sejam dedicados a organizar sistemas de aprendizagem informal (2007, p. 34). O contrassenso, para o autor, está no fato de os indivíduos estarem aprendendo mais e igualmente fracassando mais na tentativa de aprender. Além disso, chama atenção para o fato de que, além de as pessoas estarem aprendendo mais, estão aprendendo também de uma maneira distinta, no âmbito de uma nova cultura de aprendizagem, de uma nova forma de conceber e gerir o conhecimento, seja da perspectiva social ou cognitiva. Gadotti (2000), se posiciona nesse sentido ao afirmar que “a sociedade civil está se fortalecendo não apenas como espaço de trabalho, mas também como espaço de difusão e reconstrução de conhecimentos, podendo, assim, ser considerada um espaço de múltiplas oportunidades de aprendizagem” (grifos do autor).

O entendimento de diferentes autores frente a esses fatores é que essa sociedade informa bem menos do que se imagina, uma vez que o excesso de informação disponível pode ser prejudicial para o indivíduo, pois, se não há tempo nem disposição para se apropriar de novas ideias ou refletir sobre suas implicações, fica-se apenas na superficialidade. A avalanche informacional dificulta, por exemplo, a aprendizagem do aluno, pois o acesso a muitos conteúdos associado à falta de tempo para processá-los pode deixar o discente na superficialidade do saber. Outro argumento encontrado é que o modo de proceder ante a informação cria uma cultura descartável, já que as informações obtidas dificilmente serão relidas ou reinterpretadas, o que as torna perecíveis e transitórias (CRUZ, 2008, p. 1025). Nesse sentido, o referido autor alerta que


 

Adentrar o oceano de informação pode ser um mergulho no vazio, pois o excesso de movimento gera uma espécie de paralisia. Nessa realidade, a cognição não realiza mergulho no plano da criação de sentidos, já que fica presa a uma exploração contínua e ininterrupta de todas as informações que podem ser acessadas e isso obsta à própria força de problematização e estranhamento que os textos poderiam provocar. O problema é que o fascínio pelo excesso de informações satura o intervalo necessário à virtualização e à criação de outras atualizações (2008, p. 126).

 

 

Frente a esse contexto, observo que o acesso à informação está bastante facilitado, o que implica numa gama de sujeitos mais bem informados, porém, não consequentemente com mais conhecimentos.

Pozo (2007, p. 35) acredita que uma vez que a escola não pode mais proporcionar toda a informação relevante, cabe a ela formar os alunos para terem acesso e darem sentido à informação, proporcionando-lhes capacidades de aprendizagem que lhes permitam uma assimilação crítica da informação. Dessa forma, faz-se necessário que certas capacidades e atitudes sejam mobilizadas, uma vez que os indivíduos precisam desenvolver novas formas de processar as inumeráveis informações disponíveis a fim de transformá-las em conhecimento. Pozo e Postigo (2000, apud POZO, 2007, p. 36) enfatizam que


 

No ritmo da mudança tecnológica e científica em que vivemos, ninguém pode prever quais os conhecimentos específicos que os cidadãos precisarão dominar dentro de 10 ou 15 anos para poder enfrentar as demandas sociais que lhes sejam colocadas. O sistema educacional não pode formar especificamente para cada uma dessas necessidades; porém, pode formar os futuros cidadãos para que sejam aprendizes mais flexíveis, eficazes e autônomos, dotando-os de estratégias de aprendizagem adequadas, fazendo deles pessoas capazes de enfrentar novas e imprevisíveis demandas de aprendizagem.

 

Um dos desafios da educação estaria, portanto, em mobilizar nos alunos o desejo de construir e reconstruir a partir do que eles sabem, tornando-os independentes e autônomos e capazes de intervir na realidade que os cerca, sabendo articular conhecimento com a prática e, assim, descobrindo modos diferentes de aplicar o conhecimento e relacioná-lo com aquele que já possui. Para Cruz (2008, p. 1027), “a descoberta e a construção de modos criativos de conhecimento, usando as múltiplas e variadas modalidades de informação já disponíveis, devem ser o foco da educação escolar”. Nessa perspectiva, o importante é que o aluno “aprenda a aprender” e a ter consciência de que tudo muda, pois “o conhecimento/saber é uma aventura incerta que comporta em si mesma, permanentemente, o risco de ilusão e de erro (MORIN, 2002, p. 86)”. O aluno precisa, portanto, reconhecer-se como sujeito de sua própria aprendizagem, aqui entendida como um processo natural inerente à condição de ser vivo e à necessidade de sobrevivência.

 

O papel da escola

Gadotti (2000, p.7) reconhece que o espaço domiciliar, social e de trabalho também se tornaram espaços de conhecimento, o que proporciona “uma maior democratização da informação e do conhecimento, portanto, menos distorção e menos manipulação, menos controle e mais liberdade” (2000, p. 7). Em tal perspectiva, a escola não é mais a única – e para alguns, nem a principal – fonte de informação.

Essa gama de transformações ocorridas no meio social afetou a escola de várias maneiras, pois, além de cumprir sua função social, ela deve também “preparar o aluno para a vida, quer seja para o mercado de trabalho, quer seja para continuidade de seus estudos qualificando-se melhor para também inserir-se nesse mercado” (PENIN, 2001, p. 17).

A educação oferecida no âmbito escolar é responsável pela interação e transformação desse indivíduo, de modo que essa transformação pessoal possa resultar na capacidade de transformação dos contextos em que o indivíduo se insere. À escola caberia efetivar novas formas de relacionamento, uma vez que as transformações atuais estabelecem para a escola novas finalidades que devem ser compatíveis, porém não restritas apenas ao espaço escolar. A instituição escolar, nesse cenário, não é mais unicamente responsável pela formação dos indivíduos mas pode todavia, ser reestruturada para atender às exigências da sociedade contemporânea, contribuindo para formar pessoas capazes de agir e pensar em um contexto de contínuas transformações. Libâneo (2009, p. 26) se posiciona afirmando que

 

Ao contrário, pois, do que alguns pensam, existe lugar para a escola na sociedade tecnológica e da informação, porque ela tem um papel que nenhuma outra instituição cumpre. É verdade que essa escola precisa ser repensada. E um dos aspectos mais importantes a considerar é que escola não detém sozinha o monopólio do saber.

 

 

Oliveira (2006, p. 15) aponta, nessa perspectiva, que não cabe mais o antagonismo entre escola e sociedade, fazendo-se imperativo um avanço no sentido de acompanhar as mudanças sociais, pois, para a autora,

 

Enquanto a sociedade do conhecimento avança na direção da biodiversidade amparada pela nanotecnologia (...) e invoca projetos e programas da modernidade para compor com as nações do mundo inteiro, nem sempre a escola inova e se antecipa. Passiva, vê as grandes empresas criando, propondo e implantando a sua própria escola.

 

 

Considerando o cenário supracitado, noto que na atualidade compete-se à escola responsabilidades diversas para com o indivíduo, não somente em sua instrução formal, mas também em termos sociais, em ter de “prepará-lo para a vida e para o mercado de trabalho”. Isso requer, por sua vez, que essas instituições repensem seu papel e procurem fazer avanços ante as transformações sociais para que possam, de fato, desenvolver nos indivíduos as capacidades necessárias de (re)construção do conhecimento que possuem em prol da transformação da realidade que os cerca.

 

Ensinar e aprender nesse cenário

 

Pozo acredita que para que seja possível fomentar nos alunos capacidades de gerir seus saberes para além da aquisição de conhecimentos pontuais concretos, faz-se necessário que os mesmos desenvolvam competências interpessoais, afetivas e sociais. O autor defende que a nova cultura da aprendizagem requer ensinar aos alunos, a partir das diferentes áreas do currículo, cinco tipos de capacidades para a gestão metacognitiva do conhecimento: competências para adquirir, interpretar, analisar, compreender e comunicar a informação (2007, p. 36) .

Essa nova cultura de aprendizagem exige não somente um novo perfil do aluno, mas também do professor, conforme Gadotti (2000, p. 3):

 

Nesse contexto, o professor é muito mais um mediador do conhecimento, diante do aluno que é o sujeito de sua própria formação. O aluno precisa construir e reconstruir conhecimento a partir do que faz. Para isso o professor também precisa ser curioso, buscar sentido para o que faz e apontar novos sentidos para o quefazer dos alunos. Ele deixará de ser um lecionador para ser um organizador do conhecimento e da aprendizagem. (grifos do autor)

 

O papel do docente passa a ser então o de mediador e problematizador do aprender: ele passa a ser visto como aquele que desafia os alunos, mostrando-lhes, entre as várias possibilidades de aprendizagem, caminhos que poderão ser percorridos. Conforme aponta Cruz (2008, p. 1029),

O que se destaca nesta definição é a importância de os professores se prepararem para ajudar seus alunos a lidar não com as verdades e certezas absolutas, mas sim com as incertezas do saber e da vida. Este papel de mediador e instigador do conhecimento, que o educador passa a assumir na era da informação, não reduz nem minimiza sua responsabilidade com a formação do sujeito, muito pelo contrário, deve contribuir para uma formação humana e ético-social.


 

A tarefa, entretanto, não é simples de ser executada. Diversos autores reconhecem a exigência de novas competências aos professores da contemporaneidade, porém questionam o acesso dos mesmos ao conhecimento, e afirmam ser urgente a necessidade de oferecer aos docentes uma formação adequada para que possam efetivar essas mudanças no cotidiano da sala de aula.

Rivero e Galo (2004, p. 150) propõem que educar nessa nova sociedade significa

 

 

Incentivar a autonomia individual e a solidariedade, prevenir insucessos e lutar contra as desigualdades, favorecer o ensino experimental e o espírito científico, abrir novos horizontes, aliando a compreensão das origens e raízes à identidade da inovação cientifica e tecnológica, condições essenciais à mudanças orientada para um desenvolvimento humano integral.

 

Os argumentos supracitados evidenciam que para operacionalizar a adequação da escola às novas demandas sociais, faz-se necessário, dentre outros, que os professores passem a adotar uma postura díspar, deixando de lado métodos de ensino que aceitam uma atitude passiva do aluno, e tornando as salas de aula um espaço de interação, comunicação, interpretação e discussão. É preciso, igualmente, que os discentes assumam a responsabilidade por sua aprendizagem, percebendo que esse é um processo único e individual, que ninguém poderá fazer por ele. “A escola é um lugar de pessoas que tentam ensinar para pessoas que tentam aprender” (CHARLOT, 2000). É necessário, portanto, que ambas as partes cumpram o seu papel .

 

Considerações finais

O presente estudo propôs discutir as transformações ocorridas no campo educacional em função da facilitação do acesso ao ensino formal a partir da década de 1990, juntamente com o fenômeno da globalização, buscando compreender os reflexos desse momento histórico. Diante da perspectiva aqui assumida, percebo o grande desafio imposto às instituições educacionais em decorrência das transformações sociais ocorridas a partir das duas últimas décadas do século XX, notadamente. A imensurável quantidade de informações a que o educando está exposto faz surgir a necessidade de que o mesmo desenvolva diferentes competências a fim de tornar-se apto a transformar os elementos que estão ao seu alcance em prol da melhoria do contexto em que está inserido.

Desse modo, faz-se fundamental que os professores reconheçam as implicações decorrentes dos avanços científicos e tecnológicos na sua prática pedagógica para terem condições de promover a análise crítica e a reflexão. A escola, hoje não mais a única fonte de saberes, precisa igualmente acompanhar as transformações ocorridas para tornar possível a transformação dos indivíduos, ajudando-os a se tornarem seres críticos capazes de modificar a realidade e compreenderem, dessa forma, seu papel como agentes responsáveis pela promoção do desenvolvimento do contexto em que se inserem. Para que o trabalho possa ser eficaz, é essencial também que os alunos se reconheçam como agentes ativos de sua própria aprendizagem.

 

Referências

BRASIL. Resumo técnico do Censo da Educação Básica.

BORGES, M.A.G. A compreensão da sociedade da informação. Ciência da Informação, Brasília, DF, v. 29, n. 3, p. 25-32, 2000.

CHARLOT, Bernard. Da Relação com o SaberElementos para uma Teoria. Porto Alegre: Artmed, 2000. 96 p.

CRUZ, J.M.O. Processo de ensino-aprendizagem na sociedade da informação. In: Educação e Sociedade, v. 29, n. 105, p. 1023-1042, Campinas, 2008.

GADOTTI, Moacir. Perspectivas atuais da Educação. In: São Paulo em Perspectiva, v. 14 (2), p.3-11, 2000.

LIBÂNEO, José Carlos. (org). Educação Escolar: políticas, estruturas e organização. São Paulo: Cortez, 2009.

MORIN, E. Os sete saberes necessários à educação do futuro6. ed. São Paulo: Cortez; Brasília, DF: UNESCO, 2002.         

OLIVEIRA, Angela Maria Gonçalves de & COLARES, Maria Lilia Imbiriba Soares. A formação do educador na sociedade do conhecimento. In: Congresso Interacional de Educação no Brasil, Educação e tecnologia: novos desafios para um novo educador (anais).

PENIN, Sônia Teresinha de Souza. Progestão: Como articular a função social da escola com as especificidades e as demandas da comunidade? Módulo I – Brasília: CONSED – Conselho Nacional de Secretários de Educação, 2001.

POZO, Juan Ignacio. A Sociedade da Aprendizagem e o desafio de converter informação em conhecimento. In: Projeto Pedagógico, Udemo, p. 34-37, 2007.

RIVERO, Maria L. e GALO, Silvio. A formação de professor na sociedade do conhecimentoBauru, SP: Edusc, 2004.

 

1 Mestre em Educação. Escola Municipal Marquês do Herval. E-mail: [email protected]

2 Dados do Resumo Técnico do Censo da Educação Básica de 2013, disponível em < http://portal.inep.gov.br/resumos-tecnicos>.