Considerações Filosóficas Sobre a Natureza Maligna ou Benigna dos Seres Humanos
Por Leôncio de Aguiar Vasconcellos Filho | 09/10/2025 | FilosofiaDesde tempos imemoriais, questões filosóficas permanecem sem uma resposta definitiva. Sem adentrar aos clichês mais óbvios, creio que a mais séria seja a respeito da real natureza humana. Nossa espécie é, na essência, boa ou má?
No meu livro (“Medievo Violento: Reflexões Sobre o Uso do Conceito de Violência para o Estudo do período Medieval”) defendo a existência de uma, conceitualmente, má índole. É o meu posicionamento, sustentado pelo exposto comportamento da teocracia que abatera sobre a Europa durante a Idade Média (Lincoln diria, séculos depois, que, se deseja conhecer o caráter de um homem, deve dar-lhe poder).
O poder a que Lincoln se referida era o político (precedente do jurídico, pois o caráter não se faz visível nos que, mecanicamente, aplicam o Direito, mas naqueles que o criam e interpretam, não sendo, este último caso, discutível neste artigo). O poder político se reveste da vocação à criação de normas, cujos fundamentos se encontram na obediência a ditames metafísicos, ou, nos estágios mais evoluídos, a pactos superiores de acomodação de interesses (embora a metafísica, consubstanciada numa ou mais entidades observadoras e punitivas, nem sempre seja descartada). Um exemplo clássico de teórico da primeira corrente foi o filósofo inglês Thomas Hobbes, cuja obra, cronologicamente, antecede Lincoln.
Thomas Hobbes foi um dos primeiros iluministas, antes mesmo do século que os consagrou. Uma de suas mais famosas citações refere que “o lobo é o lobo do homem”, nos remetendo ao estado de natureza pura, voraz e draconiano, que justificaria o poder absolutista de seus dias, então ancorado na fundamentação religiosa, impositiva de uma autoridade política, justificada como necessária pela religião dominante.
Assim, vemos que Hobbes reconhece a natureza malévola dos humanos, pois absorve a aparente crença de o sistema teocrático dever ser seguido, sob a ameaça de uma coação físico-espiritual post-mortem (em suma, foi o Medievo, de fato, a “Idade das Trevas”, eis que havia a mescla de Direito e religião, não se coibindo os decorrentes abusos do poder constituído e remetendo, no contexto da Europa-Oriente Médio, somente às antigas civilizações da Mesopotâmia, pois os posteriores gregos e romanos não enxergavam a religião interseccionada ao Direito, mas à razão).
Hobbes não foi o único a negar uma bondade inata aos seres humanos. Maquiavel também o fez, sendo sua obra não um tributo à maldade, mas um tratado de como lidar com a espécie, especialmente no campo político (como dito, antecessor do jurídico). Duas de suas citações, das mais corrosivas e em sua mútua complementaridade, resumem seus escritos: é preferível ser temido que amado (se não for possível ambos) o fato de que os nossos iguais devem ser bajulados ou eliminados, sendo preferível a segunda opção, pois a vingança decorre das mais leves ofensas, e não das mais amplas, que a impossibilitariam. Desta forma, faz eco à justificativa da existência do “Leviatã”, argumentado pelo próprio Hobbes e nada mais que um mal necessário.
Mas também houve filósofos que enxergassem o ser humano como intrinsecamente bom. Na Antiguidade, tivemos o bom e velho Confúcio, criador de um sistema valorativo da espiritualidade (diferindo da religião) e agregador do todo ao indivíduo, com norte na regra de ouro por ele estipulada, consistente em não fazer ao outro o que não queira que lhe façam. A aplicação dessa bússola moral teve profundas implicações nas relações pessoais, bem no respeito às reais religiões e servindo, por conseguinte, às políticas adotadas pelo Estado, que passou a ser direcionado por quem prezava pelo exemplo, e não pela força (o confucionismo tornou-se a doutrina oficial do Estado chinês, já antes de Cristo, com a subida ao poder da Dinastia Han, perpetuando-se como uma filosofia guiadora do “império do meio” por várias “era de ouro” até, ao menos, a Idade Média europeia). Confúcio, e seus seguidores (como Mêncio) fizeram com que uma, por eles propalada, boa natureza humana viesse a, dentro da China, se firmar sem fortes níveis do que, num futuro distante, seria chamado por Max Weber de “monopólio do uso legítimo da força”.
Por fim, falo de Jean-Jacques Rousseau. Grande filósofo iluminista, vociferava a natural bondade das pessoas, livres e felizes no seu estado natural. No entanto, reconhecia a necessidade de os homens firmarem, socialmente, limites à liberdade individual em razão da, também, preciosa liberdade de outrem. Tal, contudo, não deve se converter em normas autoritárias, a ponto de reverberar na falência moral do indivíduo. É dele o célebre dito de que “o homem nasce bom, mas a sociedade o corrompe”. A título de exemplo, digo, por fim, que foi um ávido crítico do calvinismo, ramo do cristianismo que pressupõe a predestinação, pois não aceitava a impossibilidade da alteração de um eventual e injusto destino metafísico, imposto ao arrepio de uma vida eivada de magnanimidade, ao revés da mais não natural das maldades.