1. Uma consideração Frakfurtiana sobre Marx

A idéia de indivíduo enquanto participador de um todo, requer a emancipação de faculdades obscurecidas com a negação da produtividade: a alienação. Esta significa para Marx que o homem não se vivencia como agente ativo de seu controle sobre o mundo, mas que o mundo lhe parece estranho. Fromm (1999) compara o conceito de alienação ocidental com as idéias de idolatrias que se fazia no Antigo Testamento:

Quanto mais o homem transfere os seus próprios poderes para os ídolos, mais pobre ele fica e tanto mais depende de seus ídolos, pois estes só lhe permite reaver pequena parte do que foi originalmente dele... A idolatria é sempre a adoração de algo em que homem colocou suas próprias forças criadoras e que agora se submete em vez de experimentar-se a si próprio em seu ato de criador (FROMM, 1999, p. 51). 

Nossa discussão parece já ter se formado em um segundo passo: além da existência obscura desse sujeito, ele pode quebrar esse torpor que se instalou na sociedade capitalista e desenvolver-se em si, visto que para Marx, o desenvolvimento humano requer o desenvolvimento de suas capacidades totais de personificação. Assim, voltando a Fromm (1999), o tema central de Marx é a transformação do trabalho alienado e desprovido de significado em trabalho produtivo e livre, e não a melhor paga do trabalho alienado por um Capitalismo privado ou por um Capitalismo de Estado abstrato.

Dessa forma, o homem como está inserido nos processos produtivos do sistema, passa a ser alienado de outros homens. Assim, Fromm (1999) nos explica que:

O conceito de Marx de homem alude, nisto, ao principio kantianista de o homem sempre ser um fim em si mesmo, e jamais um meio para um fim. Mas ele amplia o princípio ao asseverar que a essência humana do homem nunca deve converter-se em uma existência individual. A humanidade no homem, fala Marx, nunca deve a vir a ser sequer um meio para a existência individual dele – muito menos pode ser considerado um meio para o Estado, a classe ou a nação (p. 58).

O homem torna-se prisioneiro de suas próprias armas, ou melhor, de suas próprias forças de produção. Deste modo o ser humano se coloca num mundo em que não há a verdadeira formação de um sujeito em si, mas apenas simulação de algo estranho, fazendo com que o sujeito não se reconheça como si, e se envolva cada vez menos com o muno exterior sendo aprisionado. Fromm realiza uma kantianização do pensamento de Marx, fazendo que haja uma perda em boa parte de seus questionamentos sobre a sociedade capitalista. 

2. Marx e o trabalho

O trabalho é, em primeiro lugar, um processo de que participam igualmente o homem e a natureza, e no qual o homem espontaneamente inicia, regula e controla as relações materiais com outros e a natureza. Ele se opõe a natureza como uma de suas próprias forças, pondo em movimento braços e pernas, as forças naturais de seu corpo, a fim de apropriar-se das produções da natureza de forma ajustada a suas próprias necessidades (MARX, 2002, p. 197). 

O trabalho é antes de tudo a expressão própria do homem. É a expressão de suas faculdades físicas e mentais, onde o homem desenvolve-se a si mesmo, torna-se ele próprio, sendo um meio em si mesmo, a expressão da energia humana que o condiciona enquanto sujeito e exprime uma de suas maiores características: o condicionante de indivíduo em si.

O que fica claro também é que o homem, na sociedade capitalista, desenvolveu este trabalho de forma assalariada, ou alienada, (termos empregados por Marx). Isto produziu um abismo entre os seres humanos e as suas capacidades de ação e de criação, e impediu que ele se formasse enquanto ser modificador de sua natureza e, ao mesmo tempo, apropriador dos produtos do seu trabalho. Pois para Marx, realização daquilo que realmente importa para o homem só pode ser compreendida na mais efetiva ligação de si com o trabalho, que é a mais livre expressão da vida. Assim as relações com o mundo condicionam a vivência dos seres entre eles e os libertam de suas faculdades alienadoras. Para entendermos melhor, vejamos as visões e as versões acerca do conceito de alienação de Marx.

Para Marx, o trabalho humano é alienado porque deixou de ser parte da natureza humana e se manifesta como uma expressão de sofrimento e de obrigação, relacionada em momentos de torpor e que lhe consome as suas energias mentais e físicas. Isto faz com que o trabalhador só se sinta a vontade longe desta obrigação.

Isso se deu com a culminância da propriedade privada e com a divisão do trabalho que desmembrou o homem e seus intelectos de forma a colocá-lo como um ser fragmentado no processo social; assim como na idolatria, onde o homem transfere a sua energia e recupera apenas uma fração do montante que cedeu originalmente.

No capitalismo isso fica mais claro e ocorre com maior freqüência, pois o homem se afasta de suas faculdades criadoras e o objeto de seu trabalho lhe torna estranho e o dominam, fazendo com que o sujeito só exista para aquela atividade e não para si mesmo.

Agora temos outra questão que nos norteia: o trabalho e a produção intelectual do sujeito existem, mas se manifestam de maneira idólatra, ou seja, estão recobertas com ares de alienação e formam uma barreira que impedem o desenvolvimento de capacidades criadoras e condiciona o homem apenas como um fim para o capitalismo. A visão de indivíduo em Marx está centrada nessa discussão e pode ser entendido se conseguirmos resolver esse problema que se apresenta.

Mas, o que seria e como aconteceria o trabalho não-alienado? Como recorreríamos a ele? E será que assim o indivíduo se condicionaria como um real sujeito no ambiente social? Marx deixa claro que a real libertação da alienação do trabalho do homem só se daria na sociedade comunista. O ser estranho que o homem se transforma a partir de seu trabalho só pode ser eliminado a partir de uma nova visão dessa relação entre o homem e o trabalho. A eliminação da propriedade privada dos meios de produção é um dos focos centrais da eliminação dessa alienação, pois liberta o sujeito dessa obscuridade e cria condições para a sua existência real.

O objetivo da libertação capitalista sem a propriedade privada é a não produção de coisas, numa sociedade em que o homem deixe de ser algo determinado pela sua produção e que o fetichismo das mercadorias não crie as condições para o aleijamento do ser humano. Assim como na religião, o homem passa a ser governado por seus produtos; ao passo que na produção capitalista, o homem passa a ser governado por suas próprias mãos.

REFERÊNCIAS

FROMM, Erich. Conceito marxista do homem.  Econômicos e Filosóficos de Karl Marx, por T.B. Bottomore. 8 ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1999.

MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. vol. 1. São Paulo: Nova Cultural, 1996.