Conselho de classe: Um monstro sagrado ou redefinição de caminhos?

Neri de Paula Carneiro

 

Vamos refletir sobre uma prática escolar que tem criado embaraço, pois, infelizmente, não tem apresentado os sucessos que dela se espera. Trata-se do Conselho de Classe.

 

Conselho

Se conselho fosse bom não era dado, seria vendido”, afirma a sabedoria popular. Quando falamos em conselho (também o de classe), estamos nos referindo à responsabilidade de apontar caminhos.

Sim, apontar caminhos, pois quem “dá conselho” – e também quem o pede – tem convicção de algo está errado, está precisando de alterações, de melhorias, precisa ser mudado para um estágio superior. Quem está convencido de que algo está bem, não pede conselhos. Pede aplausos!

O conselho, portanto, é consequência de uma tomada de consciência: “sei que não estou bem e preciso melhorar”. Pode até ser com outras palavras, mas o espírito é esse: a consciência de que estamos fazendo algo e que isso ainda não está bom, ainda apresenta falhas, ainda apresenta pontos em que se pode avançar. Daí a consciência de ter que realizar algo para avançar além daquilo que estamos fazendo.

Essa consciência depende de uma boa dose de sabedoria, pois somente quem é sábio admite que não sabe. Admite que tem algo a aprender, que tem algo a melhorar, que está num processo. A partir dessa sabedoria, que se expressa numa postura humilde, pede-se ajuda na forma de conselho.

 

Classe

Essa é uma categoria sociológica que se refere a um grupo especifico da sociedade. Daí o conceito marxista de sociedade de classes: classe trabalhadora x classe dominante; ou da idéia funcionalista de classe estratificada: classe baixa, classe média, classe alta.

Sendo assim, se classe refere-se a um grupo específico, os estudantes também formam uma classe. Por isso a mídia se refere à “Classe estudantil”; à classe dos professores – embora estes, do ponto de vista sociológico correspondam a uma categoria profissional. A categoria profissional tem como atividade a ação junto à classe estudantil. Mas os professores integram a classe dos trabalhadores e são uma categoria específica – um grupo específico – são os trabalhadores em educação.

 

Conselho de classe

Transpondo isso para o universo escolar nos deparamos com o conselho de classe que pode ser entendido como a prática de apontar – ou buscar – caminhos alternativos para um grupo específico de pessoas que se concentram no universo escolar.

De imediato imaginamos que ao nos referirmos ao “conselho de classe” estamos falando a respeito daquilo que deve ser melhorado no cotidiano dos alunos. Mas isso só é verdadeiro se entendermos como integrante do cotidiano dos estudantes também a ação dos professores. Portanto o Conselho de Classe não é para os estudantes como a receita do “sabe tudo” que sabe até o que é melhor para o outro, mas uma tomada de consciência de que “se quero algo melhor para meu aluno, tenho que ver o que eu posso oferecer de melhor”.

O conselho de classe, portanto, tem como ponto da partida um sério exame de consciência.

Não se trata de – imediatamente – apontar os erros do outro (no caso o aluno), mas em saber como podemos ajudar nosso aluno a trilhar o melhor caminho. E no universo escolar, entendemos como sendo o melhor caminho o processo da aprendizagem. Então o exame de consciência diz respeito à nossa postura em relação àquele que desejamos aconselhar, pois não podemos indicar um caminho que não sejamos capazes de trilhar... ou, pelo menos, de oferecer amparo para ele caminhar.

Caso não seja capaz disso, estaremos fugindo ou negligenciando o principio do conselho que é o de apontar caminhos.

 

O Monstro Sagrado

O conselho de classe, dessa forma, acaba transformando-se não em algo salutar, mas em um tormento: “sei que devo apontar caminhos, mas não sei qual caminho seguir”

A questão do conselho de classe, portanto, não está no estudante, mas no grupo (classe) que trabalha com o aluno. O conselho de classe é um momento em que a classe (grupo de professores) reúne-se não para falar mal dos alunos – pois o fato de se reunir em conselho já é, por essência, uma constatação de que algo não está perfeito em relação aos alunos – mas para buscar soluções. Portanto não é o momento de apontar as falhas, mas tendo como pressuposto sua existência, decidir qual o conselho (indicação de caminho) será melhor para que os alunos atinjam pontos mais elevados, superem as dificuldades, ultrapassem as barreiras.

O conselho é um processo de apontar caminhos, mas só podemos apontar caminhos se nós soubermos qual deve ser apontado (Lembra daquela: “pra quem não sabe onde ir qualquer caminho é bom”). Caso contrário em vez de indicar e propor melhorias, possa-se produzir cisão ainda maior; a ampliar o descompasso entre o processo do aprendizado e a aversão à sala de aula e à escola que já existe e, em alguns casos, é um dos impedimentos à aprendizagem.

Podemos dizer, dessa forma, que o conselho de classe se apresenta como um monstro, pois somos abrigados a realizá-lo (é um principio da lei 9394/96 ao estabelecer o princípio da gestão democrática e participativa). O conselho se nos como monstro porque quase sempre não sabemos o que fazer ou como conduzi-lo ou qual sua finalidade.

Mas, ao mesmo tempo o conselho de classe pode ser visto como um dos principais pontos a partir dos quais se pode detectar não as falhas porque já sabemos que elas existem, mas os caminhos para superar as falhas. A consciência da existência de falhas nos leva a realizar o conselho como um momento no qual o grupo interessado em buscar soluções junta-se, troca ideias, e traça novos rumos, novas estratégias... trata-se, portanto, de uma oportunidade quase sagrada.

 

Tá na rede”

Caso não estejamos satisfeitos com isso, podemos realizar um rápido vôo pela internet. Em diferentes sites podemos ler afirmações sobre a importância do processo participativo e de redefinição de caminhos. Ou seja, o conselho de classe identifica-se com a idéia de conselho com perspectivas de lamentar os erras do passado mas como desafios a repensar novos caminhos para o futuro.

Exemplo disso são as afirmações de Catarina Iavelberg dizendo que o conselho de classe é uma excelente oportunidade para reunir “docentes das diversas disciplinas”, com a finalidade de olhar a mesma situação e o mesmo o processo de ensino-aprendizagem “sob múltiplas perspectivas”. Isso oportuniza a “análise do currículo, da metodologia adotada e do sistema de avaliação”. Aliás, o conselho de classe é um momento de avaliação do processo de ensino-aprendizagem. Além disso, continua a autora, a função do conselho de classe não é fazer um levantamento dos erros dos alunos com o objetivo de penalizá-los ainda mais; também “não é julgar o comportamento dos alunos, mas compreender a relação que eles desenvolvem com o conhecimento e como gerenciam a vida escolar para, quando necessário, propor as intervenções adequadas.” (extraído da revista GESTAO ESCOLAR-2011- disponível em: http://gestaoescolar.abril.com.br/aprendizagem/conselho-classe-espaco-reflexao-647283.shtml).

Opinião semelhante vamos encontrar nas palavras de Cristiane Marangon, na revista eletrônica ESCOLA PÚBLICA (disponível em: http://revistaescolapublica.uol.com.br/textos/28/avaliacao-democratica-267510-1.asp). A autora afirma que o conselho de classe deve ser assumido como “instrumento para avaliar o processo educativo e a própria escola”. A autora cita Sandra Záquia, para quem o conselho de classe deve “possibilitar a proposição de rumos de ação”. E mais, o objetivo do conselho é “estabelecer as necessidades, as prioridades e as propostas de ações capazes de garantir o crescimento de cada indivíduo.” Sugere que a ênfase não recaia sobre os aspectos negativos, mas a partir das deficiências, se procure mecanismos de superação dessas dificuldades. Deve-se assumir o conselho como elemento integrante do processo de avaliação, mas não como um modelo “perverso” e punitivo – quase como um espaço de vingança do professor. Nas experiências apresentadas pela autora destaca-se o processo democrático: participação de professores e estudantes e a preocupação com as metas a serem atingidas e não com os eventuais fracassos que possam ter ocorrido. Outro elemento é a afirmação da necessidade de se “replanejar o período escolar seguinte” ao conselho. Ou seja, é necessário redefinir os caminhos.

A mesma preocupação em buscar novos caminhos está presente no Portal do Sistema de Informações da Educação de Pernambuco (SIEPE). Ao falar sobre conselho de classe o Portal traz a seguinte afirmação: “Conselho de Classe permite que a equipe escolar procure novos caminhos e estabeleça ações alternativas para garantir um ensino de qualidade e, em última análise, o cumprimento da própria função social da escola.” Com o objetivo de “garantir a fluidez do ensino-aprendizagem e a qualidade educacional” (disponível em: http://www.siepe.educacao.pe.gov.br/WebModuleSme/itemMenuPaginaConteudoUsuarioAction.do?actionType=mostrar&idPaginaItemMenuConteudo=5936).

Evidentemente, além destes sites, vários outros podem ser consultados. E em todos vamos encontrar a afirmação do Conselho de Classe como redefinição da escola na busca de novos caminhos, superando as limitações da mesmice...

 

Resumindo

O conselho de classe é um monstro, sim. Mas um monstro sagrado. Pode assustar, pois diz respeito ao processo de avaliação. Como essa é uma situação não resolvida dentro do processo educacional escolar, sua extensão – o conselho de classe – também se apresenta como uma situação incomoda, mas não chega a ser dramática. Seu processo de execução vem se aprimorando deixando de ser um momento traumático para o aluno e de catarse para o professor, para se converter em um processo dinâmico de redefinição de caminhos.

Por isso este é um monstro é sagrado, pois sendo um elemento integrante do processo de avaliação, tem a função de redefinir e apontar caminhos. Por essa razão cada vez mais, vem sendo assumido não como espaço para comentários depreciativos sobre os alunos mas como termômetro de uma relação; como ambiente de reflexão sobre os atos praticados; como um espaço privilegiado não só para repensar as práticas como também repensar e redefinir posturas de ensino e métodos de ação pedagógica.

 

Referências

SISTEMA de informações da Educação de Pernambuco. Conselho de Classe. Disponível em:http://www.siepe.educacao.pe.gov.br/WebModuleSme/itemMenuPaginaConteudoUsuarioAction.do?actionType=mostrar&idPaginaItemMenuConteudo=5936> acesso em 10/04/2014

MARANGON, Cristiane Avaliação democrática. In: Escola Pública. Disponível em: <http://revistaescolapublica.uol.com.br/textos/28/avaliacao-democratica-267510-1.asp> acesso em 10/04/2014

IAVELBERG, Catarina. Conselho de classe: um espaço de reflexão. In. Gestão Escolar. Disponível em: <http://gestaoescolar.abril.com.br/aprendizagem/conselho-classe-espaco-reflexao-647283.shtml> acesso em 10/04/2014

OLIVEIRA, Márcia de; MACHADO, Maria Cristina Gomes. O papel do conselho de classe na escola pública atual. www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/pde/arquivos/2199-6.pdf

SOUSA, Sandra M. Zákia Lian. Conselho de Classe: um ritual burocrático ou um espaço de avaliação coletiva? in. Centro de referência em Educação Mario Covas.

 

Neri de Paula Carneiro

Mestre em Educação, Filósofo, Teólogo, Historiador.

Rolim de Moura - RO