Conhecendo o apóstolo Paulo (2- Adversário)

Sabemos que os primeiros movimentos do apóstolo Paulo, ao nos ser apresentado, no livro dos Atos dos Apóstolos, foi numa postura de quem perseguia o movimento nascente que veio a ser o cristianismo. Movimento que, na visão do judaísmo tradicional, era mais uma das tantas seitas de grupos heréticos que proliferaram a história do judaísmo.

Isso nos leva a dizer que Saulo/Paulo não foi o primeiro nem o único adversário do cristianismo nascente. Movimento ao qual os primeiros cristãos também chamam de o caminho, (At 9,2). Um caminho cheio de promessas, mas também repleto de dificuldades.

Comprovando isso podemos folhear os quatro evangelhos. Esses escritos, de acordo com as conclusões da critica textual, apareceram posteriormente aos escritos paulinos. Mas o que nos interessa, aqui, é que narram os movimentos do Jesus histórico. E no cotidiano de Jesus de Nazaré, de acordo com os evangelhos, várias pessoas e grupos são apresentados como adversários e se opuseram a Jesus (Cf Mc 2,18; 6,3; 7,1-13; Lc 11,53-54). A evidência dessa oposição ao Jesus Histórico é o fato de que ele foi pregado numa cruz, sob acusação de seus compatriotas. A conclusão lógica é uma só: se Jesus enfrentou oposições/opositores/adversários, com seus seguidores, difundindo seus ensinamentos não podia ser diferente.

Pode-se fazer uma pequena lista dos adversários de Jesus, nos textos dos evangelhos: os saduceus (Mc 12,18), os doutores da lei e fariseus (Lc 14,2), em busca de oportunidade para testar Jesus. Os herodianos e os fariseus, tramando sua morte (Mc 3,5-6): “Passando sobre eles um olhar irado, e entristecido pela dureza de seus corações, disse ao homem: “Estende a mão!” Ele estendeu a mão, que ficou curada. Saindo daí, imediatamente os fariseus, com os herodianos, tomaram a decisão de eliminar Jesus.”

Isso nos coloca, novamente, diante da questão: a postura de Paulo/Saulo, como adversário/perseguidor do cristianismo nascente ou o caminho. A postura ameaçadora está explicitada no livro dos Atos dos Apóstolos, 9,1-2. “Saulo, entretanto, respirava ameaças de morte contra os discípulos do Senhor. Apresentou-se ao sumo sacerdote e pediu-lhe cartas de recomendação para as sinagogas de Damasco, a fim de trazer presos para Jerusalém os homens e mulheres que encontrasse, adeptos do Caminho.” e se nos perguntássemos por que Paulo persegui o cristianismo teríamos como resposta sua própria afirmação. Defendendo-se diante do rei Agripa (At 26,1ss) afirma que sempre viera “como fariseu, de acordo com o partido mais rigoroso de nossa religião.” (At 26,5)

A intenção de Saulo o coloca numa perspectiva de viagens; sua intenção é colocar-se a caminho; tornar-se um peregrino que se propõe usar seu caminho como meio de perseguição ao Caminho. Pretende, portanto, viajar para localizar e prender os seguidores do nazareno.

E Saulo se põe a caminho na perseguição do Caminho. Resultado: seus planos caem por terra, pois os planos de Deus estão acima dos planos humanos. A ação de Deus anula a ação dos homens. E a ação de Saulo foi interrompida, pois pretendia interromper os planos do Senhor. Deus derruba os poderosos de seus tronos, como já o afirmara Maria em seu canto narrado por Lucas (Lc 1,52). E Saulo é derrubado (At 9,3-5): “Durante a viagem, quando já estava perto de Damasco, de repente viu-se cercado por uma luz que vinha do céu. Caindo por terra, ouviu uma voz que lhe dizia: “Saul, Saul, por que me persegues?” Saulo perguntou: “Quem és tu, Senhor?” A voz respondeu: “Eu sou Jesus, a quem tu estás perseguindo.

Podemos dizer que a perseguição realizada por Saulo, na fundo é uma busca. Profundo conhecedor das escrituras, Saulo/Paulo vivia inquieto em virtude de uma dúvida que ele não admitia possuir: as escrituras, nas quais ele acreditava, previam a vinda de um Messias. No julgamento, diante de Agripa afirma que está sendo julgado em nome dessa esperança/promessa: “Hoje estou sendo julgado por causa da esperança prometida por Deus aos nossos pais” (At 26,6). Jesus havia sido reconhecido, pelos seus seguidores, como o Messias. Então a perseguição na realidade era uma busca pela resposta: Jesus, o homem de Nazaré, é o Messias?

A caminho de Damasco ele encontra a resposta: “Quem és tu, Senhor?” é a pergunta de Paulo. Sua pergunta, na realidade manifesta sua dúvida/busca: Quem és, um homem ou o Messias?

E a resposta: “Eu sou Jesus, a quem tu estás perseguindo.” A resposta de Jesus não só afirma quem é o perseguido, mas dá um nome àquele que é perseguido: “Eu sou”, como Deus havia se apresentado a Moisés, (Ex 3,14). A indagação de Saulo: “quem és” é a mesma de Moisés: “qual o seu nome”. Daí a resposta: “Eu sou”. E Jesus completa dizendo ser aquele a quem Saulo estava buscando/perseguindo.

Ao se apresentar, como Deus se apresentara a Moisés, Jesus derruba não a pessoa de Saulo, mas as suas convicções. Daí a cegueira (At 9, 8). Vendo, não via, era cego. Ao se tornar cego, abrindo mão das certezas, passa a ver, pois quem o conduz não são mais as “verdades” da tradição, mas um dos discípulos (At 9,10).

O que temos, então?

Um homem inquieto e, ao mesmo tempo profundamente convencido a respeito das verdades de sua tradição religiosa. Apesar dessas certezas, sua inquietude o coloca numa atitude de busca. Passa a perseguir o cristianismo como quem busca a verdade. Em busca dessa verdade se dispõe a viajar. E aqui o plano do discurso dos Atos dos Apóstolos novamente se manifesta: demonstrar que tudo converge para evidenciar a centralidade de Paulo na universalização do cristianismo. É o que o Senhor faz Ananias entender: (At 9,15): “Vai, porque este homem é um instrumento que escolhi para levar o meu nome às nações pagãs e aos reis, e também aos israelitas.” E Paulo se faz o apóstolo da universalização.

E como ele fez isso? O senhor usou a predisposição de Paulo: viajar para perseguir, passa a ser um “viajar para a nunciar”. O plano de Deus, sobrepondo-se ao plano humano, usa o plano humano para cumprir o Plano de Deus. Por isso é que esse primeiro ciclo de Paulo, no livro dos Atos dos apóstolos termina afirmando que Saulo “pregava corajosamente” em Jerusalém (At 9, 28). E, além disso, “discutia com os judeus de língua grega” (At 9,29). Por isso o perseguidor passa a ser perseguido. Dependendo da ajuda dos irmãos.

E o ciclo termina com a paz reinando na igreja, “em toda a Judeia, Galileia e Samaria” (At 9,31). Deus, portanto, se utiliza do fato de Saulo ser um adversário para colocá-lo como aliado, em inúmeras viagens, a partir e durante as quais brotou um grande volume de escritos paulinos. O vigor do perseguidor – o homem que buscava o Senhor – transformou-se em ardor missionário.

 

Neri de Paula Carneiro

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Rolim de Moura – RO