CONFORMIDADE DA INSTITUIÇÃO DAS DECISÕES COLEGIADAS EM 1° INSTÂNCIA NOS PROCESSOS REFERENTES À CRIMES PRATICADOS POR ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS (LEI 12. 694/2012) 

Thássyo Azevedo da Silva

Massell Barros

RESUMO

 

Propõe-se a análise da lei 12.694/2012, que instituiu as decisões colegiadas em primeira instância, nos procedimentos e processos que apuram crimes praticados por organizações criminosas, tendo por base a sua relação com princípios processuais penais, como o princípio do juiz natural, da identidade física do juiz, princípio da publicidade e motivação das decisões judiciais. A partir da análise da referida lei e sua relação com os princípios penais, demonstrar-se-á críticas à proteção do juiz de primeiro grau, pontuando tais objeções como forma de demonstração das falhas na lei 12.694/2012.

Palavras-chave: Lei 12.694/12: princípios processuais penais: Críticas

Introdução

Sancionada no dia 24 de julho de 2012, e publicada no mês de outubro do mesmo ano, a Lei 12.694/2012 instituiu as decisões colegiadas em 1° instância nos processos praticados por organizações criminosas. Com tal lei, o juiz poderá instaurar um colegiado de três juízes de forma sigilosa e sem necessidade de comunicar voto divergente ao publicar a sentença, objetivando-se assim a proteção dos magistrados, procurando-se desta forma uma independência do judiciário.  

Contudo, é sabido que os princípios processuais penais são de inegável importância ao sistema processual penal brasileiro, "são ordenações que irradiam e imantam os sistemas de normas". Desta forma, é muito relevante a observação da relação entre a referida lei, que instituiu as decisões colegiadas em 1° instância, com os princípios processuais penais, dentre eles o princípio do juiz natural, da identidade física do juiz, o princípio da ampla defesa e contraditório, bem como o princípio da publicidade.

Não obstante, mediante a análise da relação entre lei 12.694/2012 e princípios processuais penais, críticas são feitas à supracitada lei, uma vez que feriria princípios processuais penais, pondo em discussão a conformidade da lei com o sistema processual penal.

Sendo assim, demonstrar-se-á através de uma análise crítica as falhas da lei 12.694/12, aonde que tais objeções demonstram claramente a violação aos princípios processuais penais quando a lei é aplicada.

1 - Análise à lei 12.694/2012

 

Sancionada em julho de 2012, e publicada no mês de outubro, a Lei 12.694/2012 instituiu as chamadas decisões colegiadas em 1° instância nos processos praticados por organizações criminosas. Com a referida lei objetiva-se uma independência do judiciário, uma proteção dos magistrados, uma vez que pode o juiz instaurar um colegiado de três juízes de forma sigilosa e sem necessidade de comunicar voto divergente ao publicar a sentença.

Como bem assevera Hugo Torquatto (2012), “independência judicial é atributo estatal intimamente ligado à preservação de direitos fundamentais, expressamente consignada no artigo X da Declaração Universal dos Direitos Humanos e artigo 14, 1, do Pacto Internacional sobre direitos civis e políticos”.

A Lei 12.694/12 foi sancionada no dia 24 de julho de 2012 e só entrará em vigor no mês de outubro do mesmo ano, trazendo regras que ocasionarão algum aprimoramento da independência dos juízes brasileiros, dentre elas a possibilidade de julgamentos colegiados no primeiro grau, medidas para segurança nos fóruns e uso de placas especiais em veículos utilizados por magistrados ou membros do Ministério Público. (TORQUATTO, 2012)

Desta forma, constata-se que a independência judicial é de fundamental importância, uma vez que se correlaciona com os direitos fundamentais e sua preservação. Por isso que a edição da referida lei objetiva a “independência do judiciário”, por ser fundamental e necessária.

É necessária de início a observância da Lei 12.694/2012, como forma de compreendê-la e analisá-la.

Art. 1º Em processos ou procedimentos que tenham por objeto crimes praticados por organizações criminosas, o juiz poderá decidir pela formação de colegiado para a prática de qualquer ato processual, especialmente:

I - decretação de prisão ou de medidas assecuratórias;

II - concessão de liberdade provisória ou revogação de prisão;

III - sentença;

IV - progressão ou regressão de regime de cumprimento de pena;

V - concessão de liberdade condicional;

VI - transferência de preso para estabelecimento prisional de segurança máxima; e

VII - inclusão do preso no regime disciplinar diferenciado.

  • O juiz poderá instaurar o colegiado, indicando os motivos e as circunstâncias que acarretam risco à sua integridade física em decisão fundamentada, da qual será dado conhecimento ao órgão correicional.
  • O colegiado será formado pelo juiz do processo e por 2 (dois) outros juízes escolhidos por sorteio eletrônico dentre aqueles de competência criminal em exercício no primeiro grau de jurisdição.
  • A competência do colegiado limita-se ao ato para o qual foi convocado. § 4º- As reuniões poderão ser sigilosas sempre que houver risco de que a publicidade resulte em prejuízo à eficácia da decisão judicial.

Observada inicialmente parte da referida lei, constata-se que a Lei nº 12.694, de 24 de julho de 2012 “dispõe sobre o processo e o julgamento colegiado em primeiro grau de jurisdição de crimes praticados por organizações criminosas”. A referida Lei é proveniente de um anteprojeto de lei proposto pela AJUFE (Associação dos Juízes Federais do Brasil) ao Congresso Nacional.

Como bem consta no art. 1° da lei em análise, se estabelece que em processos ou procedimentos relativos a crimes praticados por organizações criminosas o juiz da causa poderá instaurar um colegiado de três juízes para poder praticar atos relativos a esse processo. É importante ressaltar que esse colegiado de juízes, composto pelo juiz da causa e mais 2 (dois) poderá ser instaurado em qualquer tipo de processo ou procedimento que tenha relação com crimes praticados por organizações criminosas, e a qualquer momento, ou seja antes, durante ou depois da ação penal. Além disso, o colegiado poderá ser instaurado também em processo incidente.

O colegiado de juízes poderá ser instaurado em qualquer tipo de processo ou procedimento relacionado com crimes praticados por organizações criminosas, seja antes, durante, ou mesmo depois da ação penal. Em outras palavras, o colegiado pode ser instaurado antes de proposta a denúncia, durante a ação penal ou mesmo na fase de execução. (CAVALCANTE, 2012)

Não obstante, no que tange a competência, é válido lembrar que o colegiado pode ser utilizado nos processos de competência da Justiça Federal e da Justiça Estadual.

A própria lei enumera também os atos que poderão ser praticados pelo colegiado. Além disso, ressalte-seque decisão que instaurar o referido colegiado de juízes deve prevê os atos que serão praticados pelos juízes, observando portanto suas competências (§ 3, art. 1° da Lei 12.694/2012), delimitando-as.

Art. 1º Em processos ou procedimentos que tenham por objeto crimes praticados por organizações criminosas, o juiz poderá decidir pela formação de colegiado para a prática de qualquer ato processual, especialmente:

I - decretação de prisão ou de medidas assecuratórias;

II - concessão de liberdade provisória ou revogação de prisão;

III - sentença;

IV - progressão ou regressão de regime de cumprimento de pena;

V - concessão de liberdade condicional;

VI - transferência de preso para estabelecimento prisional de segurança máxima;

VII - inclusão do preso no regime disciplinar diferenciado.

Outro importante ponto a ser observado em análise à Lei 12.694/2012 é acerca da prática dos atos no processo ou procedimento, a saber, se possível o colegiado praticar apenas atos instrutórios ou decisórios também. A lei bem assevera, em seu art. 1°, que o colegiado será designado para a prática de “qualquer ato processual”. Sendo assim, seriam praticados tanto atos instrutórios quanto atos decisórios pelo colegiado, no tocante aos processos ou procedimentos que tenham por objeto crimes praticados por organizações criminosas.

Art. 1º- Em processos ou procedimentos que tenham por objeto crimes praticados por organizações criminosas, o juiz poderá decidir pela formação de colegiado para a prática de qualquer ato processual (...) grifo nosso.

Corrobora com tal entendimento Cavalcante (2012), que destaca:

Entendo que o colegiado poderá praticar tanto atos instrutórios como decisórios.

A ementa fornece indícios dessa possibilidade ao afirmar que a Lei “dispõe sobre o processo e o julgamento colegiado”, sinalizando que não apenas o julgamento, mas também os demais atos do processo podem ser realizados de forma colegiada. Em reforço a essa conclusão, o art. 1º é enfático ao afirmar que “o juiz poderá decidir pela formação de colegiado para a prática de qualquer ato processual” (...).

Destarte, a instauração do colegiado ocorre quando o juiz da causa entender que a prática de atos naquele processo ou procedimento pode ensejar em risco à sua integridade física, constando tal afirmação no § 1º do art. 1º da Lei 12.694/2012. Além disso, é válido ressaltar que é formação do colegiado é possível em qualquer processo que já tenha sido instaurado mesmo antes da data em que entrou em vigor a Lei 12.694/2012, a saber, dia 23 de setembro de 2012. Isso porque as normas constantes na referida lei são regras de direito processual, possuindo assim eficácia imediata.

Quanto à composição do colegiado, será formado pelo juiz natural da causa mais dois outros juízes, sorteados eletronicamente dentre aqueles que tiverem competência criminal em exercício no 1° grau de jurisdição(art. 1°, §§ 2° e 5°).

  • O colegiado será formado pelo juiz do processo e por 2 (dois) outros juízes escolhidos por sorteio eletrônico dentre aqueles de competência criminal em exercício no primeiro grau de jurisdição.
  • A reunião do colegiado composto por juízes domiciliados em cidades diversas poderá ser feita pela via eletrônica.

Extrai-se da análise do § 5° do art. 1° portanto, que o colegiado poderá ser composto por juízes domiciliados em cidades diferentes, não sendo obstáculo à formação do colegiado que os juízes sejam de comarcas diversas.

O juiz deverá ainda, segundo a Lei 12.694/2012, comunicar à Corregedoria sobre sua decisão que instaurou o colegiado. A comunicação feita ao órgão correcional seria apenas “registro para fins estatísticos e elaboração de políticas públicas para a segurança dos magistrados, bem como um controle correicional de eventual utilização manifestamente abusiva desse mecanismo por parte dos juízes” (CAVALCANTE, 2012). É válido esse entendimento, uma vez que a decisão do juiz em instaurar um colegiado em processos ou procedimentos relativos a atos praticados por organizações criminosas é baseada no princípio do livre convencimento motivado, não cabendo assim à Corregedoria discutir o mérito da decisão, não cabendo também recurso contra a decisão do juiz que instaurou o colegiado.

No que tange à decisão tomada pelo colegiado, o resultado de tal decisão deverá ser aquele deliberado unanimemente, sendo que, não havendo unanimidade, deverá ser levada em consideração a decisão dos dois magistrados. É possível que haja discordância entre os três juízes do caso, sendo que desta forma deverá ser buscado o consenso entre os magistrados.Com a decisão formada, deverá esta ser formalizada e subscrita pelos juízes formadores do colegiado.

É oportuno ressaltar a ADI 4414/AL, que fora proposta pelo Conselho Federal da OAB, que vislumbrou a inconstitucionalidade de Lei estadual, que previa a titularidade coletiva de juízes em casos referentes a organizações criminosas. A referida Lei estadual (6.806/2007) foi editada no estado de Alagoas.

Neste caso, o Supremo Tribunal Federal julgou improcedente a ADI 4414/AL, proposta pelo Conselho Federal da OAB, entendendo pela constitucionalidade do dispositivo estadual que previa a formação da 17° Vara Criminal da Capital, sendo esta composta por cinco juízes de direito com competência exclusiva para processar e julgar delitos praticados por organizações criminosas no território de Alagoas.

Não obstante, o art. 2° da lei 12.694/2012 versa acerca da definição de organização criminosa, sendo muito oportuna a análise acerca deste artigo do dispositivo em análise. 

Art. 2º Para os efeitos desta Lei, considera-se organização criminosa a associação, de 3 (três) ou mais pessoas, estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de crimes cuja pena máxima seja igual ou superior a 4 (quatro) anos ou que sejam de caráter transnacional.

É sabido que a análise acerca das características da organização criminosa não é pacífica, havendo portanto muitas divergências acerca das características essenciais da organização criminosa.

Conforme uma boa análise acerca das características das organizações criminosas feita por Cavalcante (2012) é de se constatar que há diferenças entre as propostas pela lei 12.694/2012 e as análises já conhecidas pelos operadores do direito.

Segundo a supracitada lei, a organização criminosa é composta por 3 (três) ou mais pessoas, mediante associação, para a prática de crimes, tendo portanto estabilidade e permanência, com estrutura ordenada e divisão de tarefas, restrito á prática de crimes mais graves (pena máxima igual ou superior a 4 anos), e “com o objetivo de manter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza”.(grifo nosso)

Observa-se portanto uma diferença entre o que versa a lei 12.694/2012 e as análises já conhecidas, pois segundo a supracitada lei a organização será formada com o fito de obter não só vantagem lucrativa, mas também de qualquer natureza.

Tradicionalmente, afirma-se que a organização criminosa possui como uma de suas características a finalidade lucrativa. A Lei n° 12.694/2012 foi além e afirmou que a organização criminosa pode ser caracterizada mesmo que a prática dos crimes não tenha por finalidade o lucro. Assim, pela definição legal, a organização criminosa pode ter outras finalidades que não apenas econômicas, como por exemplo, sexuais, segregacionistas, religiosas, políticas, entre outras. (CAVALCANTE, 2012)

É importante frisar que há diferença entre quadrilha (art. 288 CP) e organização criminosa, que é observada no art. 2° da lei em análise.

Observando-se agora o art. 3° da lei que instituiu o colegiado, constata-se que aos tribunais é autorizada a tomada de medidas que viabilizem o reforço da segurança dos prédios da justiça.

Art. 3º - Os tribunais, no âmbito de suas competências, são autorizados a tomar medidas para reforçar a segurança dos prédios da Justiça, especialmente:

I - controle de acesso, com identificação, aos seus prédios, especialmente aqueles com varas criminais, ou às áreas dos prédios com varas criminais;

II - instalação de câmeras de vigilância nos seus prédios, especialmente nas varas criminais e áreas adjacentes;

III - instalação de aparelhos detectores de metais, aos quais se devem submeter todos que queiram ter acesso aos seus prédios, especialmente às varas criminais ou às respectivas salas de audiência, ainda que exerçam qualquer cargo ou função pública, ressalvados os integrantes de missão policial, a escolta de presos e os agentes ou inspetores de segurança próprios.

Portanto, pode-se extrair do dispositivo acima medidas claras que visem o reforço dos prédios da justiça, com o objetivo de proteger os magistrados. Serão possíveis o controle de acesso aos prédios do judiciário, mediante identificação, instalação de câmeras de segurança nos referidos prédios, bem como aparelhos detectores de metais.

Além disso, a lei prevê que sejam autorizadas placas especiais em veículos utilizados por membros do poder judiciário e do Ministério Público, para impedir a identificação de seus usuários. Prevê ainda o porte de arma de fogo para os agentes de segurança do Ministério Público e do judiciário. Segundo ainda a referida lei (art. 9°), havendo situação de risco decorrente da função de autoridades judiciais ou membros do MP, bem como de seus familiares, “o fato será comunicado à polícia judiciária, que avaliará a necessidade, o alcance e os parâmetros da proteção pessoal”. 

  1. Confronto analítico entre a lei 12.694/2012 e os princípios processuais penais.

A nova lei que definiu o juiz sem rosto vem de encontro com alguns importantes princípios processuais penais. Primeiramente se destaca o princípio do juiz natural, base de um Estado Democrático de Direito, pois visa garantir um “julgamento justo, imparcial e equânime, realizado, em qualquer grau de jurisdição, por um juiz constitucionalmente competente” (SCARANCE, 2005). O referido princípio está previsto no Artigo 5º, incisos, XXXVII e LII da Constituição Federal:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes

XXXVII- Não haverá juízo ou tribunal de exceção;

LIII- Ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente

Segundo Scarance, “juiz natural é aquele constituído antes do fato a ser julgado de acordo com a ordem taxativa de competência estabelecida em conformidade com a lei.” (SCARANCE, 2005). Tal princípio tem uma grande relação com os princípios da isonomia e o do devido processo legal, de tal forma que ele garante um julgamento justo por um juiz imparcial, conforme a lei.

Desse modo, a formação do colegiado com a entrada de dois juízes em momento posterior ao crime estaria ferindo este princípio, por ser um tribunal de exceção, devendo a competência do juiz ser fixada anteriormente ao fato. Segundo Humberto Theodoro:

Só pode exercer a jurisdição aquele órgão a que a Constituição atribui o poder jurisdicional. Toda origem, expressa ou implícita, do poder jurisdicional só pode emanar da Constituição, de modo que não é dado ao legislador ordinário criar juízes ou tribunais de exceção, para julgamento de certas causas, nem tampouco dar aos organismos judiciários estruturação diversa daquela prevista na Lei Magna.

Outros princípios atingidos pela referida lei são o da ampla defesa e contraditório, previstos no art. 5º da Constituição Federal que dispõe: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. Segundo José Afonso da Silva

A essência processual do contraditório se identifica com a regra audiat altera pars, que significa que a cada litigante deve ser dada ciência dos atos praticados pelo contendor, para serem contrariados e refutados. A ciência se dará por meio de citação, notificação e intimação.

Desse modo, devido ao sigilo do voto divergente, impossibilitando a parte à efetiva utilização dos meios e instrumentos necessários á sua defesa, há a quebra desse princípio, pois pode haver no voto divergente algum elemento essencial para a defesa do réu. Segundo Renato Brasileiro, um dos elementos fundamentais do Contraditório é o direito a informação, o que não acontece no caso, ficando o réu impossibilitado de exercer sua defesa, “afinal, o exercício da ampla defesa só é possível de um dos elementos que compõem o contraditório- o direito a informação.” (BRASILEIRO, 2012). Depois o mesmo autor completa: “O contraditório seria, assim a necessária informação às partes e a possível reação a atos desfavoráveis” (BRASILEIRO, 2012). Segundo o professor da USP Pierpaolo Bottini

 O réu tem o direito de saber quais os argumentos expostos, seu teor, e os fundamentos das decisões, em especial daquela que divergiu dos demais. Em tempos de transmissão ao vivo das sessões do STF, do CNJ, e de aprovação da lei de transparência, parece um despropósito a criação de decisões ocultas, que não são expostas ou juntadas aos autos. (BOTTINI, 2012)

Além disso, o réu ficará impossibilitado de oferecer a argüição de incompetência ou suspeição do juiz (art. 95 CPP) devido ao seu anonimato.

Um outro principio afrontado é o da publicidade, previsto no art. 5, XXXIII, da Constituição Federal que garante a todos o direito de “receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado”. Também esta previsto de igual modo na Convenção Americana sobre Direitos Humanos que fala que “o processo penal deve ser público, salvo no que for necessário para preservar os interesses da justiça” (Dec numero 67/1992 , art. 8, §5º). O referido princípio serve justamente para se evitar abusos e exageros, já que o processo estará aberto a todos e praticar fraudes será muito mais difícil. Segundo Renato Brasileiro:

A garantia do acesso de todo e qualquer cidadão aos atos praticados no curso do processo revela uma clara postura democrática e tem como objetivo precípuo assegurar a transparência da atividade jurisprudencial, oportunizando sua fiscalização não só pelas partes, como por toda a comunidade. Basta lembrar que em regra, os processos secretos são típicos de estados autoritários. ( BRASILEIRO, 2012.)

Dessa forma, o acusado não saber quem o está julgando é uma ofensa a esse princípio, além de existirem reuniões sigilosas do órgão colegiado. A publicidade pode ser restringida, mas nunca excluída.

Tal fato vai ainda de encontro com o princípio da identidade física do juiz, previsto no art. 399 do Código de Processo Penal que no seu §2 fala "O juiz que presidiu a instrução deverá proferir a sentença." Dessa forma, nem todos os três juízes chamados para proferir a sentença podem ter participado da instrução do processo. De acordo com esse posicionamento, o desembargador José Laurindo de Souza Netto afirma que um juiz que não participou do processo proferir julgamento viola uma garantia do réu, não podendo o Estado ao querer proteger os juízes esquecer das garantias constitucionais.

3 - Objeções à lei 12.694/2012

Com a análise da lei que instituiu o colegiado em processos ou procedimentos que tenham por objeto crimes praticados por organizações criminosas, bem como sua relação com os princípios processuais penais, muitas críticas são feitas à lei em análise.

Um ponto polêmico na análise da lei pode ser observado no que tange a fundamentação do juiz para instauração do colegiado. Conforme prevê a lei, o juiz natural da causa instaurará o colegiado quando entender que a prática de atos naquele processo ou procedimento poderá acarretar em risco à sua integridade física. Portanto, o juiz mesmo devendo fundamentar sua decisão de instauração do colegiado, não estará obrigado a demonstrar provas efetivas de que sua integridade física corre riscos. Pode-se observar que tal critério é muito subjetivo, dando margem à insegurança jurídica.

 Outra grande crítica à lei repousa na análise do art. 1°, em seu § 4º, versando que “as reuniões poderão ser sigilosas sempre que houver risco de que a publicidade resulte em prejuízo à eficácia da decisão judicial”. Constata-se claramente que, segundo o dispositivo em análise, as reuniões serão sigilosas quando houver riscos de que a publicidade resulte em dano à eficácia da decisão judicial. Desta forma, o dispositivo em análise vai de encontro ao princípio da publicidade (art. 5º, LX, CF), sendo que neste caso os atos processuais deveriam ser praticados pelo colegiado de forma pública, em regra.

A lei seria desta forma inconstitucional, pois feriria princípios constitucionais e processuais penais. Não obstante, a identidade física do juiz estaria sendo também violada, uma vez que os demais juízes formadores do colegiado poderão sentenciar sem sequer terem participado de atos processuais anteriores. Repousam portanto muitas críticas e objeções à Lei 12.694/2012, no tocante ao sigilo das decisões do colegiado.

O art. 2° da lei em análise ainda possui uma deficiência, quando define organização criminosa afirmando ser tal definição utilizada “para os efeitos desta Lei”. Sabe-se que a Lei 9.034/95 também define organização criminosa. Estaria presente mais uma crítica, pois há duas definições para organizações criminosas, sendo que há divergência quanto à utilização do conceito de organização criminosa trazido pelo art. 2° da Lei 12.694/2012 para a lei 9.034/95.

Além disso, para uma corrente, já havia definição legal de organização criminosa antes da edição da lei em análise. Faz parte desta corrente José Paulo Baltazar Júnior, que entende que a Convenção de Palermo (Dec. 5.015/04) já conceituava crime antes mesmo da lei 12.694/2012.

Segundo o juiz Odilon de Oliveira, o colegiado não aumentará a segurança do juiz, pois caso o inquérito seja aberto e não se comprove a ameaça, o réu poderá entrar com um processo de denunciação caluniosa, além de poder criar um atrito entre o juiz e o réu, podendo ainda o juiz afastado por suspeição.

A análise ao art. 9° da Lei em questão suscita também discussões, uma vez que estaria havendo um retrocesso no sistema de proteção aos magistrados e membros do MP. Antes da lei 12.694, a decisão quanto à necessidade de proteção ou não ficava a cargo da instituição (Presidente do Tribunal ou o Chefe do MP). Com a edição desta nova lei, a decisão fica a cargo da polícia judiciária, que sendo comunicada, providenciará os meios necessários para assegurar a proteção dos magistrados e membros do MP. 

Conclusão

A Lei 12.694/2012 sancionada em julho de 2012 pela presidente Dilma Roussef veio na tentativa de proteger os magistrados brasileiros contra ameaças proferidas geralmente por réus insatisfeitos no âmbito penal. Entretanto, tal lei é inconstitucional por ferir diversos princípios processuais penais que são base de um Estado Democrático de Direito. Dessa forma, várias garantias constitucionais dos réus estão sendo quebradas, não podendo o Estado na tentativa de proteger os magistrados fechar os olhos para tais garantias.

Tal fato ainda viola a na Convenção Americana sobre Direitos Humanos no seu art. 8º. Caso semelhante ocorreu no Peru em 1999, onde o país foi condenado pela Corte pela adoção dos “juízes sem rostos”. Parte da doutrina afirma que a lei 12694/2012 traz um retrocesso no sistema de proteção aos magistrados e membros do MP.

Se um juiz se sente ameaçado, ele deve pedir que seja substituído, pois não há como o magistrado fazer julgamento abalado mentalmente. Um indivíduo que tem medo de ameaças não deveria entrar para tal carreira, pois é de se esperar que tais fatos ocorram.

REFERÊNCIAS

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BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Disponível em: <http://www.conjur.com.br>. Acesso em: 02 novembro 2012.

CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Comentários à lei 12.694/2012 (julgamento colegiado em primeiro grau de crimes praticados por organizações criminosas). Disponível em:<http://www.dizerodireito.com.br>. Acesso em: 12 outubro 2012.

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TORQUATTO, Hugo Barbosa Ferreira. Nova lei não cria a perigosa figura do juiz sem rosto. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2012-jul-29/hugo-torquato-lei-nao-cria-perigosa-figura-juiz-rosto>. Acesso em: 16 outubro 2012.