CONFLITO APARENTE DE NORMAS REGULADORAS DAS INTERVENÇÕES DE TERCEIROS: Confronto do Art. 63 do CPC com o Art. 942 do CC-02 Felipe do Vale Nunes e Marine Mota de Melo RESUMO O presente artigo tem por escopo apresentar uma breve analise sobre a natureza jurídica de duas modalidades de Intervenção de Terceiros: a Nomeação à Autoria e o Chamamento ao Processo. E por fim discutir-se-á o confronto existente entre o art. 63 do CPC que determina a nomeação à autoria de um terceiro que determinou a prática de atos lesivos ao titular ou proprietário de um direito a coisa, com o art. 942 do CC, que assevera serem responsáveis solidários todos aqueles que contribuíram para a prática do evento danoso. Palavras-chave: Intervenção de Terceiros; Nomeação á Autoria; Chamamento ao Processo; Confronto. 1 INTRODUÇÃO Este paper se propõe a apresentar os aspectos importantes sobre a Nomeação à Autoria feita pelo preposto artigo 63 do CPC que entra em confronto com o art. 942 do CC-02, gerando uma polêmica no campo doutrinário, pois há quem diga se tratar de Chamamento ao Processo, e não Nomeação à Autoria. A Intervenção de Terceiros acontece quando um terceiro possui vinculo direto ou indiretamente com a relação jurídica, e ingressa no processo, autorizado pela lei. Na Nomeação à Autoria esse terceiro ingressa no processo porque a outra parte demandou contra a errada, e por esse equivoco o réu demanda o verdadeiro réu, corrigindo assim o polo passivo. E no Chamamento ao Processo o réu alarga o campo de defesa, chamando terceiros para assumirem a posição de litisconsorte. Neste último não se altera o polo passivo, o polo é somente alargado. Diz se tratar o art. 63 do CPC de Nomeação à Autoria à ação de indenização, intentada pelo proprietário ou pelo titular de um direito sobre a coisa, toda vez que o responsável pelos prejuízos alegar que praticou o ato por ordem, ou em cumprimento de instruções de terceiros. Mas discute-se se esse artigo não se trata de Chamamento ao Processo, pois o art. 942, CC, “é que todo aquele que concorre para o dano, praticando o ato ilícito, é por ele responsável” (DIDIER JR, 2011, p. 370). Por fim, pretende-se explorar em um primeiro momento algumas considerações sobre a natureza jurídica das duas modalidades de intervenção de terceiros em questão para posteriormente entender-se o conflito que há nesses artigos. 2 BREVES CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DE PARTE E TERCEIROS NA INTERVENÇÃO DE TERCEIROS “A intervenção de terceiro é fato jurídico processual que implica modificação de relação jurídica processual já existente. Trata-se de ato jurídico processual pelo qual um terceiro, autorizado por lei ingressa em processo pendente, transformando-se em parte” (DIDIER, 2011, p.351). Uma relação jurídica é formada pelo autor que ajuíza a demanda, também chamado de demandante; e pelo réu, ou demandado, que após a citação compõe o outro lado do polo da relação juntamente com terceiros que podem vir a fazer parte da mesma relação. “Parte é aquele que demanda em seu próprio nome a atuação duma vontade da lei, e aquele em face de quem essa atuação é demandada” (CHIOVENDA, 1969 apud CÂMARA, 2007, p. 159). Tal conceito corresponde às partes da demanda, não podendo ser confundido com partes do processo. Esta última deve ser considerada todas as pessoas que participam do procedimento do contraditório. A intervenção de terceiros no processo pendente justifica-se, em regra, por manter ele um vínculo com a relação jurídica discutida que: a) ou lhe diz respeito diretamente: discute-se a relação jurídica de que faz parte o terceiro; b) ou está ligada a outra relação jurídica, que daquela é conexa/dependente; c) ou que, embora não lhe diga respeito, possa ser por ele discutida, em razão de também possuir legitimação extraordinária para tanto. É fundamental perceber, portanto, que a correta compreensão das intervenções de terceiro passa, necessariamente, pela constatação de que haverá, sempre, um vínculo entre o terceiro, o objeto litigioso do processo e a relação jurídica material deduzida. (DIDIER, 2011, p. 350). “São terceiros todas as pessoas que não sejam parte do processo concretamente considerado” (DINAMARCO, 2009, p. 19). Assim, terceiros seriam todos aqueles que não são partes em relação àquele processo, mas que transformam em partes da demanda, pessoas estranhas ao processo, gerando efeitos no processo já em curso. 3 BREVES CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DE NOMEAÇÃO À AUTORIA “Trata-se de instituto por meio do qual se introduz no processo aquele que deveria ter sido originariamente demandado. Aquele que passa a integrar o processo assume a condição de réu, deixando, portanto, de ser terceiro”. (WAMBIER, 2007, p. 262). A nomeação à autoria tem como finalidade corrigir o polo passivo da relação jurídica processual, quando ocorre de alguém demandar contra outrem. Dessa forma, ao nomear outro titular para o polo passivo, o sujeito que foi equivocadamente chamado pelo autor, se retira do processo. “Normalmente, o caso seria de extinção por carência de ação, mas, por questões de economia, aproveita-se o processo pendente e corrige-se o equivoco” (DIDIER, 2011, p. 368). [...] a lei facilita as coisas para o autor que se enganou: permite que o processo, instaurado em face de pessoa diversa daquela a quem se deveria ter endereçado o pedido, continue, seja aproveitado, mediante esse expediente, que consiste na indicação do verdadeiro legitimado passivo, por aquele que foi demandado por equívoco. (FUX, 1991 apud DIDIER, 2011, p. 368). Essa modalidade de intervenção de terceiros só é admitida nos casos previstos nos artigos 62 e 63, do CPC. De acordo com o artigo 69 do CPC, se o nomeante deixar de fazer a nomeação (inciso I), ou nomear a pessoa errada (inciso II), estará o nomeante sujeito a responder por perdas e danos. “O réu, porquanto mantenha a relação de dependência com o terceiro, tem todas as condições de indicar a legitima parte ré. É a extensão ao processo civil da teoria da aparência.” (DIDIER, 2011, p. 368). Quando for cabível, diante das hipóteses enumeradas pela lei (arts. 62 e 63 do CPC), deverá o réu nomear ao autor aquele que, segundo seu entender, seja realmente o réu legitimo da ação, no prazo que tem para a resposta (art. 64, CPC), sob pena de preclusão. Se efetivamente a situação descrita pelo réu estiver contemplada, em abstrato, pela lei, deferirá o juiz o pedido, ouvindo então o autor, no prazo de cinco dias. O autor, então, poderá aceitar a indicação feita pelo réu ou negá-la. Se não aceitar a nomeação, retomará o processo seu curso regular, em face do réu primitivo, sem que se opere a intervenção, devolvendo-se o prazo para a defesa (art. 67 do CPC). (MARINONI, 2010, p. 183). Se acontecer o contrário, e o autor concordar com a nomeação, o promoverá a citação do nomeado. Ao ser citado, o nomeado poderá aceitar ou rejeitá-la. Se rejeitar fica sem efeito a nomeação, e o processo prossegue em face do réu primitivo, o nomeante. Mas se aceitar a nomeação, o réu nomeado deixa de ser réu e o nomeado assume o polo passivo da relação. “Nota-se que, para que se opere a substituição do polo passivo, é necessário que ocorra a dupla aceitação: do autor e do nomeado”. (MARINONI, 2010, p.184). Vale ressaltar que na nomeação à autoria não é dada ao réu a faculdade de promover ou não a nomeação, mas o dever de fazê-lo, podendo responder por perdas e danos caso se omita ou caso nomeie pessoa diversa da que detém a coisa demandada ou que o instruiu a praticar o ato lesivo (art. 69, CPC). 4 BREVES CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DO CHAMAMENTO AO PROCESSO Trata-se de um instituto que consiste num meio de formação de litisconsórcio passivo, por iniciativa do próprio réu. Observe-se que se trata de uma exceção, pois a facultatividade do litisconsórcio está sempre ligada à figura do autor, e não à do réu. Pode-se dizer, em linguagem coloquial, que aquele que lança mão do instituto do chamamento ao processo chama aqueles que devem tanto quanto ele, ou mais do que ele, para responderem conjuntamente a ação, ampliando-se, assim, o polo passivo da relação processual. (WAMBIER, 2007, p. 268). Essa modalidade de intervenção de terceiro tem como finalidade principal alargar o campo de defesa dos fiadores e dos devedores solidários, dando chance ao demandado de chamar os demais coobrigados para a relação processual. O principal objetivo do dispositivo é a inclusão de todos os codevedores/coobrigados na mesma condenação, visando o principio da economia processual. “Mais que isso isto, autoriza, posteriormente, àquele que satisfazer a obrigação a sub-rogar-se na condição de credor frente aos seus pares, cobrando de cada qual a parcela por eles devida em relação à dívida comum” (MARINONI, 2010, p. 190). O chamamento ao processo não acarreta prejuízo ao réu se o mesmo não chamar à relação os demais coobrigados, podendo-se dizer que tal modalidade é facultativa. “O litisconsórcio que se forma é ulterior, passivo e facultativo. Será unitário ou simples, a depender da indivisibilidade do bem objeto da divida solidária” (DIDIER, 2011, p. 398). Sendo cabível o chamamento, deverá o réu promovê-lo no prazo que se lhe confere para a resposta (art. 78 do CPC), sob pena de preclusão, convocando para o processo aqueles que entendam que devam responder conjuntamente com ele pela obrigação comum. Admitindo o pedido, o juiz suspenderá o processo, determinando a citação dos chamados para responderem. Estes serão citados nos prazos estipulados pelo art. 72 do CPC, sob pena de tornar-se ineficaz o pedido de intervenção. Poderão os chamados, então, aceitar a condição de coobrigados ou não; se aceitarem, forma-se litisconsórcio passivo; caso não aceitem, haverá mera cumulação subjetiva, passando a haver uma ação proposta pelo autor em face do réu, e outra pelo réu diante dos chamados. (MARINONI, 2010, p. 190). 5 ARTIGO 63 DO CPC: NOMEAÇÃO À AUTORIA OU CHAMAMENTO AO PROCESSO? O artigo 63 do CPC dispõe sobre a aplicação da mesma regra do artigo 62: nomear o proprietário ou o possuidor para correção do polo passivo quando o autor demandar contra a parte ilegítima, quando se tratar de ação de indenização intentada pelo proprietário ou titular de um direito sobre a coisa, toda vez que o responsável pelos prejuízos alegar que praticou o ato por ordem, ou em cumprimento de instruções de terceiros. O presente dispositivo então prevê que a pessoa que causou ato lesivo a alguém obedecendo à ordem ou cumprindo instruções, nomeie a autoria o terceiro que determinou tal prática. Frise-se que o Código de Processo Civil dispõe que o terceiro (aquele que determinou a prática do ato lesivo ao proprietário ou titular de um direito sobre a coisa) seja chamado a compor a relação processual através da Nomeação à Autoria. (ARAÚJO FILHO, 2009). Entretanto, o Código Civil de 2002 trouxe em seu artigo 942 algo controverso ao que dispõe o Código de Processo Civil, a saber: “Art. 942: os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação. Parágrafo único: São solidariamente responsáveis com os autores os coautores e as pessoas designadas no artigo 932”. O Código Civil de 2002 dispôs que todo aquele que contribuir para a violação do direito ou ofensa a outrem, será por ele responsabilizado, tratando de uma hipótese de solidariedade. A norma contida no artigo 942 do Código Civil parece estabelecer que a vítima de um evento danoso pode ajuizar ação de indenização em face de um ou de todos aqueles que causaram o dano. Já o artigo 63 do Código de Processo Civil dispõe, como vimos, que, caso o autor da ação indenizatória, proprietário ou titular de um direito sobre a coisa, demande contra aquele que cumpriu ordens ou instruções de terceiro, deve o réu originário nomear a autoria aquele terceiro que determinou a prática dos atos lesivos, com o objetivo de que haja a extromissão (substituição do réu antigo por aquele que determinou a prática dos atos danosos). (ARAÚJO FILHO, 2009). Percebe-se assim que o artigo 63 do CPC trata que o réu deve nomear o verdadeiro responsável pelo prejuízo que praticou, determinando a substituição do réu ilegítimo pelo réu legitimo responsável pelas ordens ou instruções causadoras do dano. E o artigo 942 do CC-02 prevê que se mais de um autor forem responsáveis pela ofensa, “todos deverão responder solidariamente pela reparação”, seria então, um caso de chamamento ao processo, pois estaria chamando outro responsável. Nota-se então que “a rigor, ambos respondem pelos prejuízos: a) o réu, preposto, porque causador direto do dano; b) o preponente, de forma objetiva responde pelos prejuízos causados pelo preposto” (NERY, 2003 apud DIDIER, 2011, p. 370). O Código Civil instituiu em 2002 “o réu originário da demanda (um preposto, por exemplo) co-responsável pelos atos praticados, sendo, portanto, parte legítima para figurar no polo passivo da ação, seja sozinho, seja na companhia de quem ordenou a prática de tais atos (seu patrão)” (ARAÚJO FILHO, 2009), revogando parte do que instituiu o artigo 63 do CPC em 1973. Dessa forma, ainda segundo ARAÚJO FILHO, atendendo “o princípio da economia e da celeridade processual e ainda ao princípio da efetividade da tutela jurisdicional”. 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS Diante do exposto, tendo em vista a regra imposta pelo Código Civil, quando o titular do direito ajuizar a ação indenizatória em face daquele que praticou os atos por ordem de terceiro, deverá chama-lo para compor o polo passivo juntamente com ele, pois os dois são responsáveis pelos atos lesivos. “O Chamamento ao Processo seria o meio idôneo para fazer com que devedores solidários componham a relação processual e, a partir de então, defendam-se e, se for o caso, sejam responsabilizados pela prática do ato cometido contra o autor da ação de indenização.” (ARAÚJO FILHO, 2009). Sendo a primeira parte do artigo 63 do CPC incompatível com o artigo 942 do CC, e aplica-se assim o artigo 2º, §1º da Lei de Introdução do Código Civil, onde “a lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior”. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARAÚJO FILHO, Arnaldo Correia de. Artigo 63 do CPC: Nomeação à Autoria ou Chamamento ao Processo? Revista Consultor Jurídico: 15 jun. 2009. Disponível em: . Acesso em: 10 mai. 2012. BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 11 jan. 2002. BRASIL. Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 17 jan. 1973. CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil.16 ed. Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2007. p. 188-222. DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. Vol. 1. Salvador: Juspodivm. 2011. cap. XII, p. 349-420. DINAMARCO, Cândido Rangel. Intervenção de Terceiros. 5ª ed. São Paulo: Ed. Malheiros, 2009. MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Processo de Conhecimento. 9ª ed. v. 2. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. cap. 7, p. 161-190. WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso Avançado de Processo Civil: Teoria Geral do Processo e Processo de Conhecimento. v. 1. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. cap. 20, p. 256-281.