Luis Guilherme Serra Pires

1 DESCRIÇÃO DO CASO

A aluna Sofia fez pós-graduação em Astrologia pela empresa Morgana Espaço Holístico Especialização. Ocorre que, quando da conclusão do curso, a empresa contratada demorou 3 anos para entregar o diploma à aluna, fazendo com que esta perdesse inúmeras oportunidades de emprego.

Entrando em contato com a empresa Morgana, esta informou que a responsabilidade de expedir diploma é da faculdade do Maranhão, e que não tinha o feito porque a própria Sofia não entregou seus documentos. A Faculdade do Maranhão, por sua vez, informou que estava em processo de aquisição pela Universidade Sócrates, e que esta última que seria responsável pelo diploma. A Universidade Sócrates informou que o atraso da expedição se deu por culpa das duas primeiras empresas, pois não repassaram a documentação de Sofia.

Sofia processou as três empresas, que alegaram em preliminar de contestação: Morgana alegou não ser parte legítima, bem como a falta de interesse de agir de Sofia por não ter entregue todos os seus documentos; FACUMA alegou ser ilegítima e ser culpa da UniSócratres; UniSócrates alegou ser parte ilegítima por não ter recebido nenhuma documentação da aluna.

Desta forma, na qualidade de juiz, qual a decisão a ser tomada acerca do interesse de agir de Sofia e da ilegitimidade passiva das empresas?

 

2 ANÁLISE DO CASO

Conforme art. 17 do CPC, para postular em Juízo são necessários dois requisitos: interesse e legitimidade. Desta forma, o presente case será dividido em dois tópicos, que serão referentes a cada requisito da ação.

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1 Case apresentado à disciplina de Teoria do Processo, no curso de Direito, 2º período da UNDB.

2 Aluno do curso de Direito, cursando 10º período da UNDB.

3 Professor da disciplina de Teoria do Processo do curso de Direito da UNDB.

 

 

2.1 Interesse de agir

O interesse de agir ainda é uma das condições da ação presentes no NCPC, o que também se extrai do art. 17 supra colacionado. Assim, para se propor uma demanda, a parte deve mostrar a utilidade do provimento, que é necessária a procura do Poder Judiciário e que a tutela jurisdicional escolhida é adequada para resolver a demanda.

Há interesse processual quando presentes a necessidade, real necessidade de propor a ação, e a utilidade ou adequação, escolher a tutela jurisdicional adequada ao caso (MEDINA, 2017, p. 143).

Quando uma pessoa faz um curso de pós-graduação, o intuito é de conseguir o diploma para efeitos profissionais. No caso em tela, resta claro o interesse de agir da autora, que no intuito de se especializar para ascender profissionalmente, fez curso de pós-graduação prestado pela empresa Morgana.

O interesse de agir está ligado à utilidade que a demanda pode ter, ou seja, só quando for demonstrado que aquele provimento jurisdicional pretendido com a ação vai trazer ao autor alguma vantagem jurídica é que o autor pode ingressar com a ação. A vantagem jurídica do caso está clara, a aluna precisar ter seu diploma de pós-graduação para fins de comprovação.

O prazo para a emissão do certificado foi demasiada e inexplicavelmente extenso, isto é, 03 anos, tendo a ré justificado a demora apenas quando a autora questionou tanta demora. A empresa ré Morgana alega que a demora na emissão do certificado da autora se deu também por culpa desta, que não fez a juntada de todos os seus documentos, no entanto, não comprova que teria dado ciência à autora de todos os documentos necessários a serem juntados. Além do mais, não seria razoável exigir da autora que passasse tanto tempo se deslocando à empresa para ter notícias do diploma.

Vale destacar que, conforme aborda Nery Junior (p. 256, 2017), a autora também não tinha a obrigatoriedade de esperar se resolver na via administrativa para poder dar entrada no órgão jurisdicional. Além do mais, foram 03 anos de espera e ainda de perdas de propostas de emprego, o que lhe causou danos.

 

2.2 Legitimidade

De acordo com Medina (p. 144, 2016), legitimidade são as partes para a causa, quando a ação lhes seja pertinente. A legitimidade é aferida em função de ato jurídico realizado ou a ser praticado.

 

A legitimidade ad causam consiste na “pertinência subjetiva da ação”, e é identificada a partir da situação jurídica de direito material objeto da lide. (MEDINA, 2016, p.145)

Conforme depreende-se da decisão da APELAÇÃO CÍVEL Nº 0022290-79.2011.8.19.0208 julgada pela 17ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, inequivocamente a relação entre a aluna e a empresa fornecedora do curso de pós -graduação é de consumo, subsumida ao regime da Lei 8.078/90, sendo a responsabilidade civil regulada pela teoria objetiva, nos moldes do previsto no caput, do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor, in verbis: 

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

 

Assim, competia à ré (empresa Morgana), na qualidade de fornecedor de serviços, demonstrar o seu bom funcionamento, ônus que lhe incumbia e do qual não se exonerou a contento, razão pela qual deve ser responsabilizada pelos eventuais danos ocorridos em razão da falha na prestação do serviço.

Muito embora a responsabilidade objetiva estabelecida no art. 14 do CDC, tendo em vista o caso narrado, identifica-se uma responsabilidade solidária entre as empresas Morgana, FACUMA e UniSocrátes, pois embora o serviço tenha sido oferecido pela empresa Morgana, a obrigação possuía mais de um responsável pelo seu cumprimento, já que os diplomas são expedidos pela FACUMA e esta está em processo de aquisição pela UniSócrates.

Desta forma, não há de se falar em ilegitimidade por parte de nenhuma das empresas, haja vista a obrigação da expedição de diploma estar ligada a todas elas.

O §1º do art. 25 do CDC estabelece, in verbis: “Havendo mais de um responsável pela causação do dano, todos responderão solidariamente pela reparação prevista nesta e nas seções anteriores.”. É o caso das empresas e da aluna, ou seja, todas as empresas são legítimas na lide e responderão solidariamente pelos danos causados à Sofia.

 

3 DESCRIÇÃO DO CRITÉRIOS E VALORES

3.1 Interesse de agir

Utilidade e adequação da prestação jurisdicional; não obrigatoriedade do esgotamento da via administrativa; direito de ação.

3.2 Legitimidade

Legitimidade ad causam; relação de consumos; fornecimento de serviços; responsabilidade objetiva; responsabilidade solidária.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei n° 8.078, de 11 de setembro de 1990. Código de Defesa do Consumidor. Diário Oficial da União, Brasília, 12 de set. 1990. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8078.htm >.

MEDINA, José Miguel Garcia. Direito Processual Civil Moderno. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016.

JUNIOR, Nelson Nery; NERY, Rosa. Constituição Federal comentada e legislação constitucional. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017.

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO DE JANEIRO. APELAÇÃO CÍVEL n° 0022290-