CONCEPÇÕES E PERCEPÇÕES QUE PERPASSAM O CONTEXTO DA ALFABETIZAÇÃO

 

Beatriz Nunes Santos e Silva

Josiane Da Costa Mafra

 

Ao se pensar no objetivo da Pedagogia enquanto ciência, ressaltamos sua atuação na busca de compreender como se dá o ensino e a aprendizagem nas diversas esferas educativas. A partir disso o que deve buscar são as formas mais adequadas para a realização deste trabalho que passa pela instrução, mas que abrange também de maneira mais ampla a formação humana.

Concordamos com Soares (2003) quando discuti o equívoco de se defender a ausência de métodos na educação após a influência do construtivismo, sendo que se a educação é um processo de transformação dirigido a objetivos, para que esses se efetivem temos que caminhar para eles, e nesse sentido precisamos ter claro o melhor caminho ou estratégia. E necessariamente, de toda teoria educacional precisa derivar um método.

Quando nos propomos a discutir aqui a questão de método, estamos partindo de uma visão ampla, que não se restringe aos métodos sintéticos e analíticos, mas sim de aspectos metodológicos.

Nesse sentido, escolhas metodológicas de alfabetização incluem métodos, organização do espaço e de um ambiente de letramento, delimitação das capacidades que se pretende atingir, seleção de materiais, de procedimentos de ensino, de maneiras de avaliação, tudo isso inserido num contexto político mais amplo de organização do ensino (FRADE, 1993).

A escola é uma agência de letramento como as outras e a educação deve ter uma preocupação permanente com as formas de ensinar o princípio alfabético da escrita, tendo em vista que, um ambiente alfabetizador não é o bastante para o processo de aquisição da escrita.

E podemos acrescentar ainda que a apropriação dos métodos não será sempre algo homogêneo, por não ser um processo estático, mas dinâmico, tendo em vista que os professores não se apropriam deles da mesma maneira. Nesse processo de apropriação se mesclam competências diferenciadas, conhecimentos e a própria intuição do educador, presentes em práticas que deram certo.

 Os Métodos de Alfabetização e suas particularidades

Apesar da utilização dos tradicionais métodos de alfabetização já ser considerada ultrapassada, importante se faz que os conheçamos para que quando formos construir críticas sobre eles, que elas sejam bem fundamentadas.

E se nos atentarmos às práticas atuais de alfabetização, iremos perceber que muitas ainda estão baseadas nos métodos sintéticos e analíticos.

A alfabetização considerada como o ensino das habilidades de “codificação” e “decodificação” foi transposta para a sala de aula, no final do século XIX, mediante a criação de diferentes métodos de alfabetização – métodos sintéticos (silábicos ou fônicos) x métodos analíticos (global) –, que padronizaram a aprendizagem da leitura e da escrita. As cartilhas relacionadas a esses métodos passaram a ser amplamente utilizadas como livro didático para o ensino nessa área. (MORTATTI, 2000 apud SANTOS & MENDONÇA, 2005, p. 11-12).

 

De acordo com FRADE (2007) as discussões sobre métodos de alfabetização se fazem presentes no meio educacional, desde que a escola se tornou popular atendendo também a grande massa. E assim, o contexto em que eles se originaram se dá na formação dos sistemas escolares ocidentais, em que surge a necessidade de ensinar a todos, num mesmo espaço e tempo.

Ao se pensar nas especificidades dos métodos de alfabetização, podemos afirmar que sua consolidação se deu em conjunto com os ideários gerais de outros métodos e que dão base para a seleção dos conteúdos específicos da língua a serem ensinados a crianças, no processo inicial de aquisição da escrita. Destacaremos as principais características dos métodos sintéticos e analíticos a partir das contribuições trazidas por Izabel Cristina Alves da Silva Frade, em seu texto “Métodos de alfabetização, métodos de ensino e conteúdos da alfabetização: perspectivas históricas e desafios atuais” do ano de 2007.

 

Características dos Métodos Sintéticos

 

Os métodos sintéticos quanto ao seu procedimento mental ou ponto de partida vai das partes para o todo. Na história dos métodos sintéticos temos a escolha de princípios organizativos diferenciados que valorizam a memorização de sinais gráficos e as correspondências fonográficas. Essa tendência abrange o método alfabético que toma como unidade a letra; o método fônico que toma como unidade o fonema e o método silábico que toma como unidade um segmento fonológico mais facilmente pronunciável, que é a sílaba. O que os diferencia de modo geral seria a opção por um caminho apenas – a letra, o fonema ou a sílaba, para sistematização das relações fonema-grafema.

Nas estratégias utilizadas num dos métodos mais antigos, o alfabético ou de soletração, destaca-se a aplicação de uma sequência modelar, que inclui a memorização oral das letras do alfabeto, logo após seu reconhecimento em pequenas sequências e numa sequência de todo o alfabeto e por fim, de letras isoladas. Em seguida, propunha a decoração de possibilidades de combinações silábicas, porém sem estabelecer relação entre a representação gráfica e a fala. Esta relação deveria ser alcançada pelo aluno através da memorização e adição de letras. Os silabários eram apresentados em todas as combinações possíveis sendo utilizada como estratégia para memorizar, cantando.

O método fônico se origina como reação às críticas ao método de soletração. Nele se inicia ensinando a forma e o som das vogais. Logo após se ensina as consoantes, formando entre elas relações cada vez mais complexas. Cada letra (grafema) é aprendida como um fonema (som) que juntamente a outro fonema, pode formar sílabas e palavras. A estratégia utilizada para ensinar os sons, é de uma sequência que vai de sons mais fáceis para os mais complexos. Assim, existe uma relação direta entre fala e escrita e a ênfase na relação som/letra é o principal objetivo.

Os livros que se baseiam no método fônico têm como ponto de partida em suas lições palavras ou pequenos textos. E no manual o professor recebe as orientações de qual momento fará a apresentação das letras e qual estratégia pode utilizar.

A perspectiva do método silábico, pode ajudar a concretizar mais rapidamente a relação de segmentos da fala com segmentos da escrita, uma vez que o acesso direto à sílaba e não ao fonema. Nele a principal unidade a ser analisada pelos alunos é a sílaba. Também aqui se utiliza a estratégia de partir do mais simples, ou seja, das sílabas “simples” para as “complexas”. Em várias cartilhas dos métodos silábicos geralmente são apresentadas palavras-chave, utilizadas somente para apresentar as sílabas, que são destacadas das palavras e estudadas ordenadamente em famílias silábicas. Estas são remanejadas para formar outras palavras e frases, restritas as sílabas estudadas.

No entanto, há variações nas propostas das cartilhas, podendo apresentar a letra e suas famílias silábicas mostradas em diferentes ordens a cada linha, por exemplo: ba, be, bi, bo, bu na primeira, bu, be, bo, ba, bi na segunda e assim por diante. Outra forma seria apresentar palavras com sílabas separadas por hifens. E ainda a denominada “Exercícios”, é formada por um conjunto de pequenas frases ou textos, em que as palavras também são separadas em sílabas por hifens.

Mesmo que a formação de palavras se dê na maioria das vezes por consoantes e vogais, muitas cartilhas enfatizavam primeiramente o trabalho com as vogais e seus encontros para depois iniciar com as sílabas. Porém, nem sempre os métodos silábicos eram ligados a famílias silábicas e nem sempre se nomeavam dessa forma.

Na Cartilha Nacional, publicada no final do século XIX, por Hilário Ribeiro, mas as palavras aparecem inteiras. O princípio silábico pode ser apreendido pela marcação gráfica (cores ou  hachurados) diferente para cada componente silábico de uma lista ampla de palavras. Além disso aparecem todas as palavras e casos de sílabas com a letra estudada como “ouvia, vivia, uivava, ouviu”, por exemplo, sem distinção de mais fáceis e mais difíceis do ponto de vista da canonicidade e do número de sílabas da palavra (FRADE, 2007, p. 5).

Em relação aos métodos sintéticos até aqui relacionados, pode-se dizer que mesmo com o predomínio do significante que reforça os aspectos abstratos difíceis de serem percebidos pelos alunos e apesar da utilização de estratégias que provocam distanciamento, a pedagogia veio criando várias estratégias para recuperar o significado, por exemplo, pela associação da apresentação das letras a uma história, seja através de jogos e brincadeiras para tornar mais prazerosa esta análise. Assim, constata-se que as tentativas de uma contextualização do processo de alfabetização pela pedagogia não é recente.

Em geral, eles privilegiam o sentido do ouvir na relação com os sinais gráficos sendo comuns a eles os exercícios de leitura em voz alta e o ditado, sendo garantida em todas estas atividades a coerência com o pressuposto da transformação da fala em sinais gráficos.

Os métodos analíticos

Agora vamos partir para as características dos métodos analíticos. Eles partem do todo para as partes e buscam atuar na compreensão e não na decifração. Defenderam a inteireza do fenômeno da língua e dos processos de percepção infantil e tomam como unidade de análise a palavra, a frase e o texto e supõem que baseando-se no reconhecimento global como estratégia inicial. Posteriormente a isso, os alunos podem realizar um processo de análise de unidades e de acordo com o método (global de contos, sentenciação ou palavração) irão do texto à frase, da frase à palavra, da palavra à sílaba.

Alguns exemplos de procedimentos utilizados nas atividades são cartões para fixação, com palavras de um lado e gravuras correspondentes de outro e exercícios cinestésicos para o ensino do movimento de escrita de cada palavra.

Diferenciando as variações existentes nos métodos analíticos, temos no método de sentenciação, como unidade a sentença, trabalhando-se primeiramente no seu reconhecimento e compreensão global e depois será decomposta em palavras e, por fim, em sílabas.

Temos ainda o método da frase, que apresenta um sentido semelhante ao método de sentenciação, porém se fazendo uso de um grupo de palavras com sentido desde o início da alfabetização. O ponto de partida aqui são atividades de expressão oral das crianças, em que os enunciados são simplificados em orações simples e escritos em faixas de tamanhos diferentes. Elas ficam expostas na sala de aula para que as crianças possam ilustrá-las, permanecendo numa determinada ordem e assim possam ser consultadas para que as crianças encontrem nelas outras palavras e combinações (BRASLAVSKY, 1985, apud. FRADE, 2007, p. 28).

No Brasil, em meados da década de 30, surgiu a denominação “método global de contos ou de historietas”. Nele é o texto o ponto de partida. O método global de contos traz diferentes contribuições de Decroly, que organiza o método, a partir dos seguintes princípios:

- Princípio do interesse

- Princípio da globalização

- Percepção visual como atividade predominante

- A leitura se faz por ideias e não por sinais gráficos

- A leitura precisa ter um caráter natural que funciona como a aquisição da linguagem falada. (BRASLAVSKY, 1985, apud. FRADE, 2007, p. 27).

Com algumas variações, esse método parte do reconhecimento global de um texto que é memorizado e na realização da leitura por um período, para o reconhecimento de sentenças, seguida do reconhecimento de expressões (porções de sentido), de palavras e, finalmente, das sílabas. Não se trata de um processo sequencial e simultâneo entre as fases citadas. Tendo o sentido como foco, o professor inicia o processo utilizando-se, por um período, de textos completos das várias lições seguidas. Apenas após a vivência por um período maior com o texto é que viria uma forma de decomposição, contudo com o cuidado de fragmentar o texto em parcelas maiores como primeiro a sentença e depois a palavra. Em manuais dos métodos globais é observada a orientação para que o professor apenas entre em cada etapa quando perceber que as crianças já fazem algum tipo de análise (da frase, das palavras ou das sílabas).

É constatado na história dos métodos analíticos que alguns adeptos mais radicais do método global defenderam que o processo de análise fosse realizado de forma espontânea pelo próprio aluno e que não era necessária a intervenção do professor no apontamento de unidades menores. Já outros que aderiram ao método global analítico, defenderiam de forma menos radical a inteireza como ponto de partida, mas sem dispensar do ensino a análise de unidades menores, fazendo-o se aproximar, de uma estratégia de decifração.

Em geral, pode-se afirmar que se privilegia nos métodos analíticos a visão e que os principais exercícios utilizados neste método buscam o reconhecimento de palavras sem uma preocupação com a leitura labial. Por fim, prioriza-se a leitura silenciosa e a cópia em detrimento da leitura oral dos cartazes (FRADE, 2007).

Mudanças nas concepções de métodos

Houve grande reviravolta na concepção de método como livro didático e uma virada paradigmática em seus procedimentos, ficando as vezes imperceptível a especificidade do suporte cartilha e sua função contrapondo-a aos livros de leitura. Acrescenta-se a isso que fica evidente que quanto mais claras as estratégias ficam para os especialistas, elas se tornam mais obscuras para os professores, passando os mesmo a optarem por cartilhas mais próximas possíveis de suas conhecidas práticas (FRADE, 1993).

Entre os procedimentos presentes em livros mais atuais observa-se a permanência de muitos daqueles existentes nos métodos sintéticos e analíticos, porém com outros gêneros, usos sociais e em outros contextos sócio interativos.

E nesse ponto surge um entrave já mencionado a pouco, de que o bombardeio iniciado na década de 80 frente aos métodos, tem impedido que as discussões em torno de aspectos pedagógicos voltados para os procedimentos de ensino sejam consideradas relevantes. Desse modo, os professores se sentem impedidos de ter preferência pelos métodos que trazem bons resultados para o seu trabalho.

Ao se considerar método como um conjunto de princípios provenientes de diversas ciências contemporâneas, se evidencia que nas últimas décadas temos tido produções teóricas inovadoras. Entretanto, precisamos refletir se já houve tempo suficiente para a consolidação destas, permitindo-se ter conclusões sobre sua eficácia. E neste sentido, também é preciso ressaltar a importância das novas didáticas que vem surgindo e que não são divulgadas e que precisam ser reconhecidas como estratégias metodológicas. Temos que reconhecer para não cairmos em equívoco, que professores tradicionais também dominam práticas de sucesso e que não é possível simplesmente abandonar tudo aquilo que se tem de acúmulo sobre como se alfabetiza.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FRADE, Izabel Cristina Alves da Silva. Mudança e resistência à mudança na escola pública: análise de uma experiência de alfabetização “construtiva”. 1993. Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte.

 

FRADE, Izabel Cristina Alves da Silva. Métodos de alfabetização, métodos de ensino e conteúdos da alfabetização: perspectivas históricas e desafios atuais. Santa Maria. v. 32 - n. 01, p. 21-40, 2007. Disponível em: http://www.ufsm.br/ce/revista. Consulta em 11-11-13.

 

SANTOS, Carmi Ferraz e MENDONÇA, Márcia. Alfabetização e Letramento: conceitos e relações. Belo Horizonte: Autêntica, 2005. Disponível em: http://www.ceelufpe.com.br/e-books/Alfabetizacao_letramento_Livro.pdf. Consulta em 11-11-2013.

 

SOARES, Magda Becker. A Reinvenção da Alfabetização. Revista Presença Pedagógica. v. 9, n. 52, jul/ago. 2003.