Por Ludmilla Paniago Nogueira e Maria Zilda da Silva Barbosa

 

 

Através da história, o portador de necessidades educacionais especiais vem sofrendo ao longo dos anos mudanças terminológicas. A primeira terminologia usada foi excepcional, depois pessoa deficiente, pessoa portadora de deficiência, pessoa portadora de necessidades educativas especiais. Tais designações restringem-se muito âmbito da educação.

                  Conforme fundamenta RIBAS, Toda pessoa considerada fora das normas e das regras estabelecidas é uma pessoa estigmatizada. Na realidade, é importante perceber que o estigma não está na pessoa ou, neste caso, na deficiência que ela possa apresentar. Em sentido inverso, são os valores culturais estabelecidos que permitem identificar quais pessoas são estigmatizadas. Uma pessoa traz em si o estigma social da deficiência. Contudo, é estigmatizada porque se estabeleceu que ela possui no corpo uma marca que a distingue pejorativamente das outras pessoas. (p. 16, 17)

 

 

 

                  Embora, ainda vigore presença de preconceitos estereotipados, faz-se necessário observar que a imagem estigmatizada da pessoa deficiente não faz dela um ser incapaz, partindo do princípio de que todo ser humano possui alguma deficiência, mesmo que pequena.

 

                  O termo deficiência implica em não ser eficiente, esta conotação é muito forte, principalmente numa sociedade como a nossa, onde o modo de produção é capitalista, em que é muito exigida eficiência e produtividade.

 

                  Conforme a fundamentação de RIBAS:

 

 

 

Sempre pensando no volume da produção e/ou serviços (princípios norteador da economia capitalista), o empresário ou quem contrata se verá cheio de dúvida – ou mesmo de preconceito – ao empregar um deficiente. Isso faz com que, no mais das vezes o empregador não contrata os serviços dos deficientes. Estes preconceitos consistem em acreditar, mesmo sem nada que confirme, que as pessoas deficientes são lentas para qualquer tipo de tarefas, solicitam chegar tarde e sair cedo do serviço, ou mesmo faltar sempre. Os empresários, em sua maioria, garantem de antemão que as pessoas deficientes são, enfim, trabalhadores que não correspondem às exigências do ritmo imposto pela produtividade. (p. 84, 85)

 

          

 

                  A desigualdade de condições econômicas contribui para agravar ainda mais a situação, pois são poucos os trabalhadores que têm a oportunidade de se reciclar e qualificar a fim de estar em correlação com as exigências estabelecidas pelas empresas.

 

                  Além dessa mão-de-obra desqualificada, fazem parte os deficientes considerados preconceituosamente mão-de-obra inabilitada, por fugir aos padrões do corpo fisicamente e/ou psicologicamente perfeito, capaz de desempenhar os trabalhos inerentes a seu cargo ou função.

 

                  Portanto, entende-se que o estigma "ser diferente do normal" não pode ser determinado apenas em função dos impedimentos de ordem sensorial, física ou mental, e tais sentimentos não podem impedir que estes indivíduos sejam vistos em sua totalidade, valorizando-se o seu lado eficiente, garantindo-lhes o direito de exercerem sua cidadania. Sendo assim, o espaço fundamental para o exercício de seus direitos é a educação, passando a ser inseridos a sociedade e respeitados suas limitações.

 

                  Para REGO (1995), a escola deve ser um espaço para as transformações, para as diferenças, para o erro, para as contradições, para a colaboração mútua e para a criatividade.

 

                  Assim, teremos que propiciar a todos os alunos com necessidades educativas especiais as mesmas oportunidades pedagógicas que são dadas a todos os demais e não podemos penalizar essas crianças e adolescentes pela incompetência de um sistema educacional.

 

                  De acordo com Política Nacional de Educação Especial (Brasília, 1993), são considerados alunos portadores de necessidades educativas especiais àqueles que, por apresentarem necessidades próprias e diferentes dos demais alunos, requerem recursos pedagógicos e metodologias educacionais específicas. Consideram-se integrantes desse grupo os portadores de: Deficiência Mental, Deficiência Visual, Deficiência Auditiva, Deficiência Física, Deficiência Múltipla Condutas Típicas e Alta Habilidade.

 

                  As pessoas portadoras de necessidades educativas especiais tem constitucionalmente garantido o direito à educação e ao atendimento especializado.

 

                  Segundo SASSAKI, Romeu Koziemi,

 

Cabe à escola ser reestruturada para acolherem todo o espectro da diversidade humana representada pelo aluno em potencial, ou seja, pessoas com deficiências físicas, mentais, sensoriais ou múltiplas e com qualquer grau de severidade dessas deficiências, pessoas sem deficiências e pessoas com outras características atípicas, etc. É o sistema educacional adaptando-se às necessidades de seus alunos (escolas inclusivas), mais do que os alunos adaptando-se ao sistema educacional (escolas integradas). (1998, p. 9, 10)

 

 

 

          

 

                  A identificação desses alunos deverá ser feita com base em diagnóstico multiprofissional, no momento do diagnóstico é crucial, porque os profissionais têm que estar abertas para não permitir que os conhecimentos técnicos os levem a assumir um poder e, consequentemente, uma prática frente ao diagnóstico que os impeçam de perceber o portador de necessidades educativas especiais como pessoa integral, como indivíduo na sua historicidade.

 

                  Segundo Hannah Arendt:

 

A educação é também onde decidimos se amamos nossas crianças o bastante para não expulsa-las de nosso mundo e abandoná-las a seus próprios recursos e tampouco arrancar de suas mãos a oportunidade de empreender alguma coisa nova e imprevista para nós, preparando-as em vez disso e com antecedência para a tarefa de renovar um mundo comum.

 

 

 

                  É fundamental saber que a educação é um direito de todos, e isto é dispositivo legal da Constituição Federal e também da Lei Nacional de Diretrizes e Bases da Educação, Lei nº. 9394/96.

 

 

 

                  A história da humanidade revela desde os tempos mais remotos, a existência de pessoas com deficiência, iniciando assim, para ela e sua família, uma longa história de dificuldades. Não é apenas sua deficiência que se torna difícil e sim o preconceito da sociedade que padroniza as pessoas pela sua perfeição individual, excluindo-os e restringindo suas oportunidades na vida.

 

                  Na antiguidade até nossos dias, as sociedades manifestam dificuldades em lidar com as diferenças existentes entre as pessoas e aceitar as que são portadoras de alguma deficiência.

 

                  A deficiência nesta época inexistia enquanto problema. Quando a deficiência era imediatamente detectada na criança, a atitude adotada era de "exposição" e abandono ao relento até a morte.

 

                  Segundo os preceitos estabelecidos por SÊNECA (filósofo e poeta romano nascido em 4 a.C.), sinalizava que:

 

Nós matamos os touros ferozes e indomáveis, degolamos as ovelhas doentes com medo que infectem o rebanho, asfixiamos os recém-nascidos mal constituídos, mesmos as crianças, se forem débeis ou anormais, nós afogamos, não se trata de ódio, mas da razão que nos convida a separar das partes sãs aquelas que podem corrompê-las. (sobre a Ira, I, XI).

 

           

 

                  Os registros históricos comprovam a resistência a aceitação social do portador de deficiência e que suas vidas eram ameaçadas.

 

                  Segundo COSTA, Valdeleícia apud CROCHICK (1997 a, p. 56) "O preconceito é fator que revela a dificuldade da individuação, por não implicar em não reflexão e experimentação em objetos de preconceito".

 

                  Em referência ao preconceito é observável que na maioria das vezes resulta do desconhecimento e das leituras estereotipadas da deficiência.

 

                  Porém, a maneira de compreender a deficiência socialmente e de lidar com seus portadores têm diversificado ao longo dos séculos.

 

                  Entre os gregos que cultuavam a perfeição do corpo, os deficientes eram sacrificados ou escondidos.

 

                  Segundo PLATÃO (2000, p. 163), em sua obra República, relata que "Quanto aos filhos de sujeito sem valor e aos que foram mal constituídos de nascença, as autoridades os esconderão, como convém, num lugar secreto que não deve ser divulgado".

 

                  Como relata o autor, os deficientes ao longo do tempo foram estigmatizados pela sociedade, a busca pela perfeição do corpo e da mente era fundamental para que todo indivíduo permanecesse dentro do contexto a qual pertenciam. Essa rejeição sem dúvida fazia parte do momento histórico pela qual vivia a civilização e pela ignorância daqueles que não conseguiam respeitar e aceitar as diferenças entre as pessoas.

 

                  Portanto, o portador de deficiência não era visto pelas suas potencialidades e sim pelas suas limitações.

 

                  Durante um longo período da idade média os portadores de deficiências foram concebidos como loucos e "possuídos pelo demônio", onde deveriam ser afastados do convívio social.

 

                  Vários sentimentos surgiram, como: rejeição, proteção, piedade e supervalorização. Sentimentos estes incertos, marcados pela dúvida, religião, caracterizando uma mistura de compaixão e restauração das atitudes discriminatórias.

 

                  A maneira de compreender a deficiência variou-se muito de acordo com cada época da história, uns eram abandonados, outros colocados em ambientes de proteção (hospitais), etc.

 

                  A maneira de pensar se modifica, multiplicando-se as leituras sobre deficiência, explicando assim, de formas diferentes os diversos fenômenos.

 

                  A história revela igual trajetória sobre concepção de deficiência. Porém, em certos momentos os deficientes chegaram usufruir certos privilégios, onde pode ser visto na Inglaterra no séc. XIII, os portadores de deficiência recebendo amparo legal, tutela de um curador ou do Rei Felipe, O Belo.

 

                  Apesar das manifestações de valorização do deficiente, em algumas regiões eram considerados possuidores de poderes sobrenaturais. Mostrando assim, que todas as formas de conceber a deficiência representam a dificuldade das pessoas em compreender as diferenças existentes e de lidar com elas.

 

                  Segundo Horkheimer & Adorno (1978, p. 180), para os preconceituosos:

 

 

 

A dicotomia da humanidade salvadores e condenados. Posso acrescentar também entre deficientes e normais, os referidos autores que a formação de juízos estereotipados não é privilégio do caráter preconceituoso, mas com freqüência também nos caracteres livres de preconceito (...).

 

 

 

                  A ambivalência existente entre as concepções de deficiência definidas pelas sociedades, revela uma culturalização de um dado momento histórico e a dificuldade em lidar com a diferença.

 

                  O período da Renascença trouxe uma postura humanística, revelando um caráter mais natural, científico, do portador de deficiência, perpassando os séculos XVI, XVII e XVIII.

 

                  No Século XX ainda prevalecia as crenças, os mitos, o preconceito, a supervalorização, a despeito da evolução até então alcançado.

 

                  Porém, construiu-se uma nova compreensão sobre o deficiente, mas vivendo ainda uma fase assistencialista, onde o portador é visto como uma pessoa que precisa de ajuda.

 

                  Atualmente, os mitos, as crenças e preconceitos estão sendo derrubados, os portadores começam a acreditar em si e a lutar em causa própria pelos seus interesses e lugar na sociedade.

 

                  Segundo a Declaração Universal dos Direitos, 1948 art. I: Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade.

 

                  Os movimentos internacionais pelos direitos humanos, têm favorecido uma visão, mais valorizada das pessoas com deficiência, tornando assim possível a sua integração no contexto social e familiar.

 

                  Todas as pessoas, independentemente de cor, raça sexo, religião e deficiência devem exercer sua cidadania, objetivando um mundo igualitário e mais justo, não esquecendo que a sociedade se constitui na diversidade.

 

 

 

               

 

             REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

 

 

COSTA, Valdelúcia Alves da. A formação perspectiva da teoria crítica da sociedadee experiências dos trabalhadores deficientes visuais do serviço federalde Processamento de Doutorado, Programa de Educação: História e Filosofia da Educação, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. 2001.

 

 

 

HORKHEIMER, Max, & ADORNO, T.W. Dialética do Esclarecimento: Fragmentos filosóficos. Rio de Janeiro: Zahar, 1985.

 

 

 

Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Especial. Política Nacional de Educação Especial. Brasília : MEC, 1994.

 

 

 

Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNS – Adaptações Curriculares, EstratégiasPara A Educação de Alunos com Necessidades EducacionaisEspeciais. Brasília, 1999.

 

 

 

PLATÃO. A República. São Paulo: Nova Cultural, 2000 (Os Pensadores).

 

 

 

RIBAS, João Batista Cintra. O Que são Pessoas Deficientes. São Paulo : Nova Cultural : Brasiliense, 1985.