RESUMO

O presente trabalho visa aclarar o conceito de empresa e empresário conforme a Lei  Nº 10.406, de 10 de Janeiro de 2002 e a doutrina dominante no Brasil.

Palavras-chaves: Conceito de Empresa. Conceito de Empresário. Princípios do Direito de Empresa.

ABSTRACT

This work aims to clarify the concept of enterprise and entrepreneur according to Law No. 10.406, January 10th, 2002 and the dominant doctrine in Brazil.

 Keywords: Concept Enterprise. Concept of Entrepreneur. Principles of Business Law.

1. Conceito de Empresa e Empresário

O direito de empresa recebe um tratamento distinto na Parte Especial do Código Civil de 2002, pois devido às suas peculiaridades, ele acaba por se afastar do regramento geral do Código Civil e este acaba por dar um tratamento especial para algumas pessoas e situações, assim como as relações jurídicas decorrentes delas, dentre elas cabe mencionar as empresas e os empresários, os quais estão no círculo que envolve o direito empresarial.

Como a economia e os fatores sociais de uma sociedade estão sempre em mutação existe sempre a necessidade de regular as novas situações que acabam por atingir o direito empresarial que por não ser um direito estático deve se adequar às novas situações, conforme afirma Neto:

As dificuldades para delimitação do objeto do direito comercial, mercantil ou empresarial – a designação é o que menos importa-, sempre decorrem do fato de seu núcleo (essência ou conteúdo) ser variável. Por fatores de natureza política, social e econômica, que justificaram o nascimento do próprio direito comercial, ele vive em permanente mutação para ajusta-se às sempre novas exigências do tráfico mercantil.[1]

O direito empresarial recebe um tratamento especial pelo Código Civil, sendo o direito empresarial estruturado na figura da empresa e do empresário e como exemplo de adequação às novas situações que surgem e a necessidade de adequar o direito empresarial a estas situações, pode-se ter como exemplo a Revolução Industrial e a unificação dos Direitos Civil e Comercial, que na Itália em 1942 foi modificado para que se estabelecesse um padrão da pessoa que exercia atividade organizada e profissionalmente a atividade econômica.[2]

Assim, a fim de um maior esclarecimento acerca do direito empresarial brasileiro cabe aqui o estudo do conceito de empresário e empresa, considerando também os princípios que os cercam.

1.1.     Princípios

Antes de expor os conceitos de empresa e empresário e suas diferenças deve-se entender que estes são cercados por diversos princípios. Como a própria etimologia da palavra nos remete, entende-se por princípio aquilo que deu origem, o que é responsável pelo começo de qualquer coisa.

Para melhor entendimento e trazendo a definição de princípio mais próxima ao vocabulário jurídico atual cabe citar o conceito dado por De Plácido e Silva:

Princípios. No sentido jurídico, notadamente no plural, quer significar as normas elementares ou os requisitos primordiais instituídos como base, como alicerce de alguma coisa.

E, assim, princípios revelam o conjunto de regras ou preceitos, que se fixaram para servir de norma a toda espécie de ação jurídica, traçando, assim, a conduta a ser tida em qualquer operação jurídica.

Desse modo, exprimem sentido mais relevante que o da própria norma ou regra jurídica. Mostram-se a própria razão fundamental de ser das coisas jurídicas, convertendo-se em perfeitos axiomas.

Princípios jurídicos, sem dúvida, significam os pontos básicos, que servem de ponto de partida ou de elementos vitais do próprio Direito. Indicam o alicerce do Direito.

E, nesta acepção, não se compreendem somente os fundamentos jurídicos, legalmente instituídos, mas todo o axioma jurídico derivado da cultura jurídica universal. Compreendem, pois, os fundamentos da Ciência Jurídica, onde se firmaram as normas originárias ou as leis científicas do Direito, que traçam as noções em que se estrutura o próprio direito.

Assim, nem sempre os princípios se inscrevem nas leis. Mas, porque servem de base ao Direito são tidos como preceitos fundamentais para pratica do Direito e proteção aos Direitos.[3]

Analisando o conceito de Plácido e Silva, conseguimos extrair que os princípios carregam consigo um conjunto de regras básicas às principais regras jurídicas as quais no Direito são usadas como ponto de partida para se ter noção da estrutura do próprio Direito.

1.1.1.  Princípio da Isonomia

O princípio da isonomia não atinge diretamente e exclusivamente o conceito de empresa e de empresário, porém norteia todas as relações civis e como será estudado neste trabalho será necessário tratar deste princípio devido ao tratamento dado à EIRELI em alguns requisitos que são exigidos para a sua criação.

Este princípio trouxe de forma notória a ideia de igualdade ao ser positivado no art. 1º da conhecida Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789.

O princípio em questão é positivado no art. 5º, caput da Constituição Federal de 1988 e pode ser aplicado em diversas situações visando dar tratamento igualitário, inclusive às pessoas jurídicas, entendendo assim a existência de uma vedação da prática em sentido substancial de atos atentatórios à igualdade material entre agentes econômicos.

Seguindo a lógica deste princípio, pode-se entender não ser possível impor diferenças ou situações diferentes para fatos iguais, ou seja, não se pode acatar a priori quaisquer distinções quanto a aplicação do Direito sem maiores questionamentos.

1.1.2.  Princípio da Livre Concorrência

Presente no art. 170, inciso IV da Constituição Federal o princípio da Livre Concorrência além de valorizar o trabalho humano e a livre iniciativa acaba por estimular o desenvolvimento da economia, tendo como consequência um maior dinamismo no mercado e indo contra a formação de monopólios, trazendo assim como incentivo a formação de empresas e a diversificação do mercado.

1.1.3.  Princípio da Livre Iniciativa

Complementar ao princípio da Livre Concorrência, o presente princípio, disposto no art. 170, caput da Constituição Federal, contribui para a possibilidade da gestão de uma atividade econômica, pois ao se criar uma sociedade empresária a pessoa capaz de gerir esta atividade econômica fica resguardada pelo principio em questão, não havendo motivos para criar óbices desnecessários ao desenvolvimento da atividade empresarial.

1.1.4.  Princípio da Autonomia da Vontade

Encontrado no art. 421 e no art. 107 do Código Civil, este princípio pode ser tratado de maneira complementar ao princípio da livre iniciativa, pois, em suma, os dispositivos estabelecem a possibilidade de celebrar quaisquer contratos, desde que lícitos e de acordo com a lei, sem intervenção de terceiros ou quaisquer autorizações, sendo assim mais uma ferramenta para a movimentação da economia e incentivo ao desenvolvimento de empresas.

1.1.5.  Princípio da Preservação da Empresa

Este princípio não está positivado na Constituição Federal e tampouco no Código Civil, trata-se então de um princípio não escrito, mas que em uma análise mais pormenorizada da Constituição Federal dos diversos princípios tutelados por ela pode-se chegar ao princípio da preservação da empresa que acaba por estar implícito no art. 170 da Constituição Federal.

O preceito aqui estudado se manifesta e se relaciona em diversas formas, seja por se relacionar a outros princípios ou até mesmo se manifestando ratio legis, como no caso da Lei 11.101/05 em seu art. 1º e em seu art. 47, onde existe a pretensão do legislador ao possibilitar, conforme o caso concreto, a permanência de empresas que cumprem seu papel social não se limitando a ser apenas uma ferramenta para obtenção lucros, mas sim fazendo parte do circulo que movimenta a economia do país e das pessoas que trabalham nela.

Ainda quanto à aplicação da referida lei, é possível reforçar a aplicação deste princípio ao notar que o art. 47 em questão possibilita que, conforme o caso concreto, seja justificável a permanência de empresas que realmente contribuem para o desenvolvimento do país com a manutenção de empregos e recolhimento de tributos, mas em contraponto possibilitando também, a eliminação de empresas ineficientes que acabam por prejudicar o interesse público. [4]

Em relação à eliminação da empresa improdutiva pode-se usar por analogia o exemplo da propriedade e sua função social, ou seja, considerando que a empresa não deixa de ser uma propriedade capaz de gerar benefícios para seus sócios ou acionistas e todos os que os cercam, ela também tem seu papel econômico e deve desempenhar sua função social.[5]

1.2.     Conceito de Empresa

A noção que se tem de empresa partiu originariamente da economia[6], sendo esta trazendo consigo características não restritivas à matéria, mas sim complementares sendo formada por uma mistura de elementos, conforme demonstra Bruscato em seus ensinamentos:

Sob o ponto de vista econômico, a empresa é considerada como uma combinação de fatores produtivos, elementos pessoais e reais, voltados para um resultado econômico, encadeada pela ação organizadora do empresário, ou seja, toda organização econômica destinada à produção ou venda de mercadorias ou serviços, tendo, como objetivo, o lucro.[7]

Uma empresa é caracterizada pela sua estrutura, organização e sua finalidade que dentre outras coisas surgem a partir de sua estrutura organizada e de seus fatores de produção a circulação ou bens de serviços.[8]

O conceito de empresa pode ser definido a partir de características constatadas nos ensinamentos de Fábio Ulhoa Coelho:

Empresa é a atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou serviços. Sendo uma atividade, a empresa não tem a natureza jurídica de sujeito de direito nem de coisa. Em outros termos, não se confunde com o empresário (sujeito) nem com o estabelecimento empresarial (coisa).[9]

Dos elementos destacados por Ulhoa, cabe complementar a empresa é “fruto da ação intencional do seu titular, o empresário, em promover o exercício da atividade econômica de forma organizada”[10]

A empresa nos remete às suas atividades[11], as quais são regidas por diversos fatores definidos, que remetem também a todos os que a cercam, como fica demonstrado no conceito de Gladston:

A empresa é a organização de meios materiais e imateriais, incluindo pessoas e procedimentos, para a consecução de determinado objeto (o objeto social), com a finalidade genérica de produzir vantagens econômicas que sejam apropriáveis por seus titulares, ou seja, lucro que remunere aqueles que investiram na formação de seu capital empresarial (que será chamado de capital social, sempre que à empresa corresponda uma sociedade empresária)[12]

Com os ensinamentos e o raciocínio exposto é possível ter uma noção do que se trata e do que se propõe uma empresa, que se caracteriza, em suma, por desenvolver as atividades indicadas em seu objeto social para a produção de forma organizada de bens ou serviços, mas principalmente não sendo esta confundida com seu estabelecimento empresarial[13].

1.3.     Conceito de Empresário

Considera-se empresário aquele que é capaz de exercer profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou serviços, conforme dispõe o Código Civil.

Fábio Ulhoa Coelho em seus ensinamentos define empresário da seguinte forma:

Empresário é a pessoa que toma a iniciativa de organizar uma atividade econômica de produção ou circulação de bens ou serviços. Essa pessoa pode ser tanto a física, que emprega seu dinheiro e organiza a empresa individualmente, como a jurídica, nascida da união de esforços de seus integrantes.[14]

Sendo possível determinar quem é o empresário e suas características, também se faz necessário diferenciar aquele que apesar de situação semelhante, não é considerado pelo nosso Código Civil em seu art. 966, parágrafo único, como empresário.

Outra figura similar ao empresário, mas que não se enquadra nesta figura é o rurícola, ou seja, aquele que usa sua atividade rural como profissão, conforme dispõe o art. 971 do Código Civil, mas podendo ser equiparado ao empresário por opção uma vez que este promova sua inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis, sendo necessário a adoção de uma firma e a indicação de elementos como o objeto, a sede, o capital e também a sede de seu negócio. Quanto as disposições supracitadas, Sylvio Marcondes consolida estes entendimentos da seguinte forma:

Em primeira conclusão, portanto não é empresário quem exerce atividade intelectual por meio, organizadamente ou não, sob forma empresarial ou não, em caráter profissional ou não, qualquer que seja o volume, intensidade ou quantidade de sua produção. Foi o que conclui, aliás, a Comissão de Direito de Empresa na III Jornada promovida pelo Conselho Federal: “o exercício das atividades de natureza exclusivamente intelectual está incluído do conceito de empresa (Enunciado n. 193, III Jornada de direito civil, p.61).

Firmada essa premissa, verifica-se, a seguir que também não é empresário o rurícola, ou seja, quem faz da atividade rural sua profissão como se extrai, a contrário senso, da norma contida no art. 971, que prevê a possibilidade de sua equiparação ao empresário desde que promova sua inscrição no Registro Público de Empresa Mercantis com a adoção de uma firma, e a indicação de capital, objeto e sede de seu negócio[15]

Assim, com as constatações e a lógica exposta fica definido um conceito completo e abrangente que nos permite enxergar o empresário sob o prisma do art. 966, considerando, também, aquele que não é empresário como demonstra as exceções mencionadas no art. 966, parágrafo único e art. 971 do Código Civil.

Por fim, é necessário dizer que embora seja conceituado nas mesmas linhas do que estabeleceu o art. 2.082 do Código Civil Italiano de 1942 - CCi, as disposições do sistema italiano e as disposições do sistema nacional, não são as mesmas, pois no Brasil basta que o empresário se enquadre no enunciado do art. 966 do Código Civil, já no CCi, art. 2.082, o legislador italiano não evitou a indicação das atividades caracterizadoras do empresário comercial[16].



[1] NETO, Alfredo de Assis Gonçalves. Direito de Empresa. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 38.

[2] NETO, Alfredo de Assis Gonçalves. Direito de Empresa. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 56.

[3] E SILVA, Oscar Joseph de Plácido. Vocabulário Universitário – Dicionário Jurídico.  Página 447

[4] SANTOS, Paulo Penalva. Nota aos Comentários à Lei de Falências (Decreto-Lei 7.661 de 21 de junho de 1945). In: VALVERDE, Trajano Miranda. Direito Civil. v. 1, Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 31.

[5] CASTRO, Carlos Alberto Farracha de. Preservação da Empresa no Código Civil. Curitiba: Juruá, 2007. p. 45.

[6] TOMAZETTE, Marlon. Curso de Direito Empresarial. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2012, 1 v: Teoria Geral e Direito Societário. p. 36.

[7] BRUSCATO, Wilges Ariana. Empresário individual de responsabilidade limitada. São Paulo: Quartier.

[8] BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito Societário. 6ª ed. Rio de Janeiro. Renovar.  2001. p. 7.

[9] COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. Tomo I. 12ª ed. São Paulo. Saraiva. 2008. p. 19.

[10] CAMPINHO, Sérgio. O direito de empresa à luz do novo código civil. 7. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 11.

[11] MAMEDE, Gladston. Direito empresarial brasileiro: empresa e atuação empresarial. 4ª. ed. São Paulo: Atlas, 2010. 1 v. p. 33.

[12] MAMEDE, Gladston. Direito empresarial brasileiro: empresa e atuação empresarial. 4ª. ed. São Paulo: Atlas, 2010. 1 v. p. 32. 

[13] CAMPINHO, Sérgio. O direito de empresa à luz do novo código civil. 7. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. 

[14] COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. 12. ed. ver. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008, 1 v: direito de empresa. p. 63.

[15] GONÇALVES de Assis Neto, Alfredo. Direito de Empresa. 4ª. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 76. 

[16] GONÇALVES de Assis Neto, Alfredo. Direito de Empresa. 4ª. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 75