Por Ludmilla Paniago Nogueira e Maria Zilda sa Silva Barbosa

            O conceito de deficiência mental possui uma história que esteve sempre próximo das concepções socioeconômicas e de homem vigentes em uma determinada sociedade.

            Segundo a AAMD (Associação Americana de Deficiência Mental, 1992), este tipo de deficiência caracteriza-se por registrar um funcionamento intelectual geral significativamente abaixo da média, oriundo do período de desenvolvimento, concomitante com limitações associadas a duas ou mais áreas da conduta adaptativa ou da capacidade do individuo em responder as demandas da sociedade, nos seguintes aspectos: comunicação, cuidados pessoais, habilidades sociais, desempenho na família e comunidade, independência na locomoção saúde e segurança, desempenho escolar e trabalho. Esta definição adotada pela AAMD, sem dúvida é a mais conhecida, e caracteriza a deficiência mental como insuficiência intelectual envolvendo uma gama enorme dos mais diversos aspectos como o seu pólo biológico – médico, problemas sociais de legislação, etc. Para GOLD (1980, p. 5) o retardo mental se define como: O nível de força necessário no processo de treinamento requerido para (o individuo) aprender. O nível de funcionamento de uma pessoa retardada é determinado pela disponibilidade de tecnologia de treinamento e a quantidade de recursos que a sociedade está disposta a dar e não por limitações significativas no potencial biológico.O referido autor coloca a encargo da sociedade a responsabilidade de acolher indivíduos com retardo mental e de assegurar-lhes qualidade e oportunidade na vida, que favoreçam o desenvolvimento de suas potencialidades.

   Para ANTÔNIO, Pedro (p. 12) "o deficiente mental é aquele que desenvolve com significativa lentidão em relação a uma criança da mesma idade".O deficiente mental possui atraso global no seu desenvolvimento, que ocorre de maneira lenta, porém, é uma pessoa viva e dinâmica e que deve ser aproveitado ao máximo nas suas potencialidades, levando em consideração a sua eficiência.

 Através das definições acima, Deficiência Mental é um estado onde existe uma limitação funcional em ares do funcionamento humano, considerada abaixo da média geral das pessoas pelo sistema social onde se insere. Constantemente ao pensarmos na deficiência mental como condição em si mesma, um estado patológico bem definido na grande maioria das vezes se identifica como uma condição mental relativa.

            A deficiência será relativa em relação aos indivíduos de uma mesma cultura, pois a existência de alguma limitação funcional, principalmente nos graus mais leves, não seria suficiente para caracterizar um diagnóstico de deficiência mental. Isso significa que uma pessoa pode ser considerada deficiente em uma determinada cultura e não deficiente em outra, de acordo com a capacidade dessa pessoa em satisfazer as necessidades dessa cultura.

 CAUSAS E CONSEQUÊNCIAS

            Diversas causas e fatores de riscos podem levar o individuo a obter a deficiência mental, mas vale salientar que muitas vezes não se chega a instituir com clareza a causa da deficiência mental, mesmo utilizando-se de sofisticados recursos e diagnósticos.

            Podemos citar:

  1. a) – Fatores de risco e causa pré-natais: são aqueles que são percebidos até a iniciação do trabalho de parto.

          

            - Desnutrição materna;

            - Falta de acompanhamento/assistência à gestação;

            - Doenças infecciosas: sífilis, rubéola, toxoplasmose;

            - Produtos químicos (álcool, drogas, efeitos colaterais de remédios,

poluição e tabagismo);

            - Alterações genéticas: cromossômicas (numéricas e estruturais).

  1. b) – Fatores de risco e peri antos: que incide desde o inicio de trabalho de parto até o 30º dia de vida do bebê e podem ser divididos em:

            - Má assistência e traumas de parto;

            - Hipóxia ou anóxia (falta de oxigenação cerebral );

            - Pré-maturidde, baixo peso e PIG;

            - Icterícia grave do recém nascido.

          

  1. c) – Fatores de risco e causas Pós-Natais – aqueles que incidem do 30º dia de vida do bebê até o final da adolescência, que são:

            - Infecções (sarampo, meningecefalites, etc.).

            - Intoxicações exógenas (envenenamento);

            - Acidentes (trânsito, afogamento, asfixia, quedas, etc.);

            - Infestações (neurocistircose, larva da taenia solium).

            Esses fatores de riscos e causas até aqui apresentados, devem ser analisados de vários aspectos para que só assim se suspeite que o individuo/pessoa possua a deficiência mental.

            São fatores que provocam atraso no desenvolvimento neuro – psicomotor, onde a criança demora a firmar a cabeça, sentar, andar e falar. Sua aprendizagem se torna lenta e possui dificuldade na compreensão de normas e ordens.

            Para Batista & Sprovieri, em introdução ao estudo da deficiência mental, p.17, cita ainda uma IV causa desconhecida que possui uma classificação ampla, uma vez que a deficiência mental não corresponde a uma ruptura no desenvolvimento intelectual do indivíduo, estabelecendo assim um conceito de patologia.

            Ele é, ao contrário, um "continuum" que se estende do próximo ao normal ao francamente anormal, de acordo com o potencial adaptativo do individuo em questão, potencial este representado pela sua capacidade intelectual.

            É evidente que diagnosticar a deficiência mental se torna muitas vezes difícil. Diversos fatores emocionais, alterações de certas atividades nervosas superiores, alterações específicas de linguagem ou dislexia, psicose, fatores socioeconômicos e culturais, podem estar na base dos ajustamentos social adaptativo adequado, sem que haja necessariamente deficiência mental.

            O diagnóstico deve ser feito por especialista que observa o individuo na sua totalidade, que estude as relações do deficiente na família, aspectos de aceitação, integração social, etc.

          

            Podemos verificar que a deficiência mental produz conseqüências de extrema importância, conforme as citadas abaixo:

            - Conseqüências pessoais – baixa auto-estima, diminuição da autonomia, de inconstância, de integração social, de independência e conduta.

            - Conseqüências familiares – carência de cuidados, confusão sobre as relações sociais e carga econômica.

            - Conseqüências sociais – pedido de cuidados, pouca produtividade, má integração social.

 CLASSIFICAÇÕES

            A classificação da deficiência mental é bastante vasta, porém de um modo geral se caracteriza por um funcionamento global inferior á media, articulando-se com todas as limitações associadas em duas ou mais das seguintes habilidades adaptativas: comunicação, preocupação com o corpo e a saúde, fazer uso da comunidade, segurança e habilidades escolares e administração do ócio do trabalho.

            Para a AAMR (Associação Americana de Deficiente Mental, c/ 1992, 1997) e DSM – IV (Manual Diagnostico e Estatístico de Transtornos Mentais, 1995):

"A deficiência mental pode ser caracterizada por um quociente de inteligência (QI) inferior a 70, média apresentada pela população, conforme padronizado em testes psicométricos ou por uma defasagem cognitiva em relação às respostas esperadas para a idade e realidade sociocultural, segundo provas, roteiros e escalas nas teorias psicogenéticas."

            Todos os aspectos mencionados anteriormente vêm a conduzir com as anteriores, reafirmando que o diagnóstico preciso para se detectar a deficiência mental deve ocorrer na infância se estendendo até a adolescência.

             TIPO DE CLASSIFICAÇÃO BASEADO NA INTENSIDADE DOS APOIOS NECESSÁRIOS:

            Intermitante: se efetua apenas quando necessário, a pessoa nem sempre precisa de um atendimento continuadamente, isso vem ocorrer em determinados ciclos da vida, como a perda de um serviço ou uma doença na fase aguda.

            Limitado: se caracteriza por um apoio com duração contínua, mas com tempo limitado. Nesse caso inclui-se deficiente que requerem apoio intensivo, mas limitado como o treinamento para o trabalho.

            Extenso: se caracteriza por um apoio regularizado e diário, em pelo menos em alguma área de atuação como: vida familiar, social ou profissional.

            Generalizado: se caracteriza por um apoio constante e intenso, em diferentes áreas de atividade da vida, exigindo um número maior de pessoas.

            Segundo Antonio, 1984, p. 13, a deficiência mental pode ser classificada também como critério pedagógico, que são:

  1. a) – Dependentes: Aquelas pessoas que apresentam rendimento entre 0 a 3 anos completos. Esses precisam dos cuidados constantes do adulto.

          

  1. b) – Treináveis: Aquelas que apresentam rendimento dos 4 aos 6 anos completos. São semi-dependentes e podem ter a aquisição de uma série de atividades que lhes permite uma vida social de maior participação.

          

  1. c) – Educáveis: Aquelas que apresentam rendimento dos 7 aos 12 anos. Essas podem ser alfabetizadas e têm maior independência social.

            Como afirma o autor, os deficientes mentais dependentes requerem atendimentos diários constantes, são incapazes de possuir uma vida social e reagirem de forma limitada ao treinamento.

          

            Porém, obtém alguns avanços no desenvolvimento motor e linguagem.

          

            Com relação aos deficientes treináveis, pouco se beneficiam das atividades de salas especiais para educáveis, pois é improvável que adquiram alguma aprendizagem na área de leitura, escrita e cálculo.

          

            Possui conhecimentos de algumas palavras e números, conseguem ter uma vida social, cuidados pessoais e algumas habilidades em algumas oficinas e atividades domésticas.

            Os deficientes mentais educáveis mostram certas habilidades, sendo capaz de um aprendizado, porém necessita de um período maior do que as crianças ditas "normais" para vencer cada etapa do desenvolvimento.

            Possui uma vida educável na família, não se distinguindo dos outros irmãos, pois nascem sem deficiências físicas e consequentemente sem estigmas.

            Segundo a SEESP (Secretaria de Educação Especial, p.32), define o estigma como sendo: "É a partir do fato de não querer reconhecer esse individuo como ele é, que surgem as ações e atitudes marginalizadoras e estigmatizadoras a essas pessoas".

            Como relata a citação acima, a sociedade possui uma visão distorcida do deficiente e que ser diferente do normal não pode ser determinado pelos empreendimentos de ordem física, mental, etc.

            Muitas vezes a deficiência mental só é diagnosticada quando inicia sua vida escolar.

          

            São capazes de executar trabalhos executáveis e semi-executáveis, sendo que fracasso variará de acordo com a sua adaptação.

            Está apto para se alfabetizar entre 9 e 11 anos e apresenta maior incidência de distúrbios de conduta nos padrões de censura, autocrítica e conseqüentes insucessos no relacionamento interpessoal e no processo ensino-aprendizagem.

CLASSIFICAÇÃO PSICOLÓGICA DA DEFICIÊNCIA MENTAL

            O processo principal da psicologia em relação à deficiência mental foi a substituição dos rótulos qualitativos para deficiência mental de grau profundo, severo, moderado e leve, ou ainda quantitativos: QI 0 – 20 (profundo); QI 20 – 35 (severo); QI 35 – 50 (moderado) e QI 50 – 70/75 (leve), mas, também a adoção de critérios de avaliação e classificação baseados em desempenhos observados em diversas situações.

            De acordo com Ernest Drucker,

o uso dos procedimentos de avaliação da inteligência como base para diferenciar indivíduos é uma espécie de teste divisor cultural, que serve à simples função social de escrutinizar e selecionar indivíduos que podem reagir adequadamente de um sistema educacional determinado, com seus pontos de vista particulares acerca do que constitui inteligência e estilo geral do comportamento. Estas medidas servem à finalidade de selecionar e, mais, de moldar aqueles indivíduos de qualquer classe social em um certo estilo de pensamento que é subsequentemente defendido como de desenvolvimento superior. Assim, uma definição predominante de estilo intelectual da classe média é estimulada e preservada mediante uma seleção sistemática, a fim de ajustar-se a um modelo particular... Portanto, oculta detrás de categorias psicológicas frequentemente se esconde uma classificação social. (IDE, 1993 apud DRUCKER, apud SHINEIDER, 1974)

            Druker chama igualmente a atenção para a enorme variedade de estilos e de respostas profundamente pessoais que uma criança pode ter na situação de aplicação de um teste e para o fato de que estes estilos se associam a certos estilos de classes.

            Em algumas circunstâncias,

Cada qual pode tornar-se inapto e chegar a fracassar por motivos inteiramente diversos. A relação entre tarefas típicas de pesquisa e o estilo de atividade de uma criança é crucial para descobertas interpretativas, mas muito raramente discutidas.

          

          

            Leontiev (1959) faz uma importante observação:

... Os testes não descobrem nunca a natureza do atraso, nem permitem interpretá-lo em absoluto. Apenas dão a ilusão de uma aplicação da causa do atraso. Portanto, não podem proporcionar uma base para decidir que métodos devem ser usados com as diferentes crianças ou grupos de crianças para superar as suas deficiências intelectuais. Inversamente, a pretensão de que os testes estudam fatores permanentes e, portanto permitem prognósticos válidos significa que os métodos dos testes difundem a idéia da inevitabilidade do atraso intelectual e impedem, assim, o desenvolvimento de métodos pedagógicos diferenciados e com base cientifica para crianças atrasadas. Particularmente grave é o fato de que o futuro de uma criança se decide por vezes baseando-se em determinado coeficiente de inteligência. Isto acontece apesar de se terem comprovado variações nestes coeficientes, não só na prática, mas no decorrer de investigações especiais, realizadas, em particular, com gêmeos. (IDE, 1993 apud IURIA, 1991, apud Leontiev, 1959)

            Estas incertezas, dúvidas perante a identificação de quem é este deficiente mental, na maior parte das vezes caracterizada por estigmas sociais ou imprecisões dos testes psicológicos, ou ainda pela própria estrutura educacional atual, que coloca uma produção escolar insatisfatória como critério para o encaminhamento de alunos às classes especiais, são posturas que acreditamos serem reais e válidas. Entretanto, fica-nos a incumbência de lutarmos contra isso, pois também, continua ampla e confusa a variedade de termos utilizados nos trabalhos sobre deficiência mental para descrever os seus diversos graus.

            Segundo a OMS (Organização Mundial de Saúde), a classificação psicológica da deficiência seria:

            - Deficiência Mental Profunda:

            São pessoas com uma incapacidade total de autonomia. Os que têm um coeficiente intelectual inferior a 10, inclusive aquelas que vivem num nível vegetativo. Pois, apresentam grande prejuízo global e necessitam ser alimentados e cuidados. Apesar de suas limitações, tem condições de sentir o que se passa a sua volta (atitudes positivas e negativas) e apresentam reações de acordo com esse sentimento, desde tranqüilidade até grande agitação e agressividade.

            - Deficiência Mental Severa

            Fundamentalmente necessitam que se trabalhe para instaurar alguns hábitos de autonomia, já que há probabilidade de adquiri-los. Apresentam grande atraso no desenvolvimento global, necessitando estimulação intensa e constante. São capazes e devem participar de atividades recreativas, sendo importante que desenvolvam alguma forma de se comunicar, (gestos, sinais, meias-palavras, etc) Conseguem aprender alguma atividade simples de auto-cuidado e do lar, dependendo de sua condição motora. Na vida adulta, realizam ações relativas e rotina do dia a dia, sob supervisão constante e direta.

            - Deficiência Mental Moderada

            Apresentam maior atraso no desenvolvimento global, necessitando de estimulação mais intensa para aprender atividades de auto-cuidado, comunicação e sociabilidade. O máximo que se podem alcançar é o ponto de assumir um nível pré-operativo. São capazes de adquirir hábitos de autonomia e, inclusive, podem realizar certas atitudes bem elaboradas. Conseguem aprender coisas simples, em nível concreto (cores, números, letras, placas, sinais, etc). Quando adultos, desde que preparados, são capazes de desenvolver trabalhos simples, com supervisão constante. Necessitam de orientação em situações sociais do dia a dia, como lidar com dinheiro, tomar condução, etc.

            - Deficiência Mental Leve

            São casos perfeitamente educáveis. Apresentam desenvolvimento mais lento, mas não diferem muito das outras crianças nas atividades do dia a dia. Podem Pode chegar a ser alfabetizadas, se receberem atendimento especializado.

            Quando adultos podem chegar a ser independentes, desde que o ambiente seja simples e bem organizado e estrutura. Em zonas rurais, por exemplo, são capazes de exercer as atividades comuns aos outros e até passarem despercebidos, integrando-se normalmente na comunidade. Pois, podem chegar a realizar tarefas mais complexas com supervisão. São os casos mais favoráveis.

  

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