Lourindo Verde[1]

Catarina Esmeralda Matete[2]

Jorge    Carlos  Jorge

 

Resumo

O presente estudo aborda as realidades sociopolíticas de Moçambique, um dos países do continente africano que conheceu a evolução da sua história sociopolítica emanados nos princípios tradicionais, ocidentais, condicionadas pelo sistema colonial de que foi imposto e finalmente pelas ideologias dos líderes ligados aos movimentos libertários. Em termos metodológicos, o estudo foi feito com base na análise bibliográfica, análise teóricas de Iraê Baptista Lundin, que procura descrever as realidades socio cultural e modelos sociopolíticos, considerando como um problema democrático e da governação em países africanos em geral e em Moçambique de forma particular. As questões que se levantam sobre o estudo residem em saber como foram construídas as realidades sociopolíticas em cada período da historia de Moçambique e como é que essa diversidade das opções sociopolíticas coabitaram no tem passado e como estão influenciando o tipo de governação actual. O estudo tem, uma grande importância, pois, traz uma compreensão em bases teóricas sobre as diferenças sociopolíticas notórias no País. O que se pode avançar sobre as possíveis conclusões sobre o estudo é que actualmente, a situação social e política da africano geral e de Moçambique especialmente, é bastante precária, como se pode imaginar diante de seu passado histórico a África sobreviveu pelas influências do tipo de organização social e político tradicional, de seguida a ocidental e que depois das independências, a situação veio a ser suportada pelos movimentos libertários, em que se manifestava na exaltação das grandes elites que estiveram envolvidas nestas lutas de libertação.

Palavras – Chaves: Comunidades africanas, Minorias, Realidades sociopolíticas de Moçambique, Governação

 

1.Introdução

O presente estudo pretende abordar as realidades sociopolíticas de Moçambique, é dos países africanos que conheceu a evolução da sua história sociopolítica emanadas primeiramente nos princípios tradicionais dos nativos e logo depois através do mercantilismo que se transformou seguidamente no sistema colonial e apos centenas de anos seguiu-se a influência dos líderes africanos que foram influentes nos movimentos de luta de libertação.  

No período da colonização, o continente foi explorado pelas potências europeias, que o transformaram em zonas de influência adequadas aos seus interesses. Este processo foi acompanhado pela implantação de modelos sociopolíticos, económicos europeus, rompendo com aquelas que eram as suas habituais realidades, levando a sua divisão arbitrária.  

Dada a esta situação, os países africanos viram-se obrigados a lutar contra a sua autodeterminação, com vista a reaver os valores socio culturais e políticos que já tinha sido removido ou sobreposto pelo sistema colonial, facto que variava de colonia para colonia.

Ao conseguirem a independência, os países africanos tiveram de se moldar às fronteiras definidas pelos colonizadores. Estas, por outro lado, separavam de modo artificial, grupos humanos pertencentes dos mesmos costumes e submetia-os, por outro lado, á influência de valores europeus. Sendo assim, em muitos desses novos países, após a independência, houve inevitáveis revoltas separatistas e golpes de estado que terminaram por instaurar ditaduras.

É sobre esta temática que pretendesse discutir neste artigo, com vista a conhecer as realidades sociopolíticas africanas, com maior enfoque do estudo do caso moçambicano, uma sociedade de bases com diferentes sistemas de organização social que de uma lado se encontra centradas em territórios linhageiros e por outro lado em pela conexão entre realidades sociais com a estrutura de resolução de conflitos e manutenção da paz social, em espaços das diferentes comunidades.

O estudo foi feito com base na análise bibliográfica, análise teóricas de Iraê Baptista Lundin, que procura descrever as realidades socio cultural e modelos sociopolíticos, considerando como um problema democrático. 

 

2. Desenvolvimento

Pense embora o presente estudo tenha como seu enfoque sobre as realidades sociopolíticas moçambicanas, achamos antes ser necessário fazer uma breve descrição sobre processo de formação das nações africanas em geral e de Moçambique de forma particular.

Sobre o processo de construção ou formação dos Estados em Africa, GRAÇA (2005), na sua obra intitulada “A Construção da nação em Africa” identifica quatro etapas da génese da construção das nações em Africa que também se enquadra a África austral onde se localiza Moçambique, sendo: a) as resistências pré-coloniais, b) as revindicações nativistas ou protonacionalismo, c) a formação do movimento de libertação nacional e c) o período pós-independência. Para a autora, a formação da nação moçambicana teve início no período colonial e com a independência nacional que marcou uma nova fase da expansão da identidade cultural e nacional, pois, antes da presença colonial portuguesa, em Moçambique não havia uma unidade nacional, a questão da expansão e conquistas entre impérios pré-coloniais eram fenómenos generalizados em toda África. 

A autora ao esclarecer a cronologia da construção das nações, demostra usando método comparativo, que nas nações africanas, a construção das nações assume particularidades de acordo com a dimensão “histórico-sociológico” de cada projecto nacional e adianta que o caso de Moçambique, o Estado é que tem vindo a promover a formação da nação, apontando ainda que se assiste uma ambivalência cultural na medida em que os moçambicanos assimilaram a cultura portuguesa resultante da colonização, e a partir de condicionalismo tradicional que culminou com a interação com o legado colonial.

Fazendo análises sobre o processo da formação de Estados outrora colonizados pelos europeus, MAGODE (1996), em particular, sobre os Estados africanos, o autor diz que eles foram formados segundo׃

  1. A visão cultivada a respeito da formação das nações ocidentais;
  2. Sob prisma da análise das Lutas Armadas de Libertação, onde exaltasse o papel desempenhado por uma elite ou liderança no processo de formação dos Estados africanos.

Para descrevermos as realidades sociopolíticas moçambicanas neste artigo, partiremos antes em trazer de forma resumida as realidades sociopolíticas gerais africanas, partindo-se nos três períodos da história de África que ditaram o processo da formação dos Estados descritas acima que são: era antes da presença europeia, a era da presença europeia e do pois colonização.

Sobre este assunto, NASCIMENTO (1994), mostra que a realidade sociopolítica do período anterior da colonização foi altamente organizada, com instituições complexas como um concelho de anciãos, que definia e controlava o poder exercido pelo governante da tribo bem semelhante do Senado Romano e um sistema administrativo e burocrático que era muito parecido com os sistemas de outras partes do mundo. Pois, muitos dos reinos africanos neste período, eram Cidades-Estados que tinham suas áreas de influência, chegando a controlar diversas outras tribos. Mas as disputas dificilmente chegavam às vias de facto, à guerra, pois os líderes africanos com o passar dos séculos desenvolveram um sistema exogâmico  - quando não há casamento entre parentes próximos , o que acabava tornando os líderes das diversas tribos parentes uns dos outros. Nestes Estados, caso houvesse uma disputa, ela era resolvida pela força organizada — apenas como agente punitivo, não como motivo para expansão territorial — ou pelo diálogo. Neste caso a resolução ficava nas mãos de um conselho de sábios formados por membros das tribos envolvidas. Para tal se questiona: Mas por que este costume? Na verdade, os líderes não desejavam combater os parentes, apenas resolver o problema da melhor maneira possível, sem mortes.

Ainda sobre a organização social e o sistema exogâmico, o historiador Michael Hamenoo, citado por NASCIMENTO (1994), diz:

As estruturas políticas africanas indígenas, organizadas da base para cima, giram em torno das instituições sagradas da família, de onde ramificam para o clã, a linhagem e o grupo de descendência. Através das convenções de exogamia, testadas durante milénios, os casamentos são contratados fora da linhagem, o que significa dizer que um grupo de descendência, casando, vai pertencer a outro grupo mais distante, assim ligando os grupos vizinhos numa série de alianças com uma consciência comum de identidade cultural. Esses grupos se unem para autodefender-se, quando ameaçados por um grupo estrangeiro inimigo. A autoridade, tanto temporal como espiritual, às vezes diferenciada, pertence ao homem genealogicamente precedente dentro do clã.

Já sobre o mesmo assunto no período da colonização e pós-colonização, MAGODE (1996) advoga que Estados africanos foram formados segundo׃

Sobre o prisma de formação do estado na visão do modelo ocidental, é evidente que o processo da colonização da África não se deu apenas pela usurpação dos recursos naturais e dos territórios, pois, esteve acampanado pela implantação de sistemas políticos e certas normas de existências sociais e de pensamento. Hoje, de acordo com o autor citado acima, as sociedades africanas são sociedades modernizadas, o que quer dizer que antes não tinham organização.

Já referente a terceira era da formação das realidades sociopolíticas africanas, que representem o actual período, o autor acima referem que há exaltação o papel desempenhado por uma elite ou liderança no processo de formação dos Estados africanos.

Neste cenário, na visão de BALANDIER (1969), a informações etnográficas revelaram-se importantes apesar de estarem sujeitos aos conflitos de interesse, à competição. Para o autor, As sociedades africanas apareceriam, nesse sentido, sob a égide da competição. Elas evidenciariam um estreito elo entre história e política: uma história utilizada com finalidades políticas, uma história que servia de estratégia política, como no caso do antigo Ruanda. Balandier observa que “[...] o encaminhamento dos países colonizados para a independência pôs a serviço dos nacionalismos uma verdadeira história militante.”

Na visão de MAGODE (1996), sobre estes dois últimos prismas da formação dos estados em África, não menos preocupante, sobre a teorização das realidades sociais africanas, reside no acto de se descurar as consequências da juncão de meios ambientes (físicos e socioculturais) artificialmente justapostos pelo colonialismo. E o que se nota, é que mesmo a margem dos sistemas coloniais, estes meios socioculturais tem vindo a reproduzir-se com as suas regras e normas sob modelos específicos de e comportamentos próprios e uma estrutura sociopolítica de manutenção da paz social e de gestão de conflitos.

Um acto não menos preocupante, sobre a teorização das realidades sociais africanas, reside no acto de se descurar as consequências da juncão de meios ambientes (físicos e socioculturais) artificialmente justapostos pelo colonialismo. E o que se nota, é que mesmo a margem dos sistemas coloniais, estes meios socioculturais tem vindo a reproduzir-se com as suas regras e normas sob modelos específicos de e comportamentos próprios e uma estrutura sociopolítica de manutenção da paz social e de gestão de conflitos.

No contexto social africano, e logo também de Moçambique, será somente compreendendo estes factos sociais que se pode repensar sobre o que se quer, o que se propõe, o que se fez, bem como sobre a análise dos ideais, o que poderia ter sido feito.

De acordo com Ludin, citado por MAGODE (1996), a realidade moçambicana sobre fenómeno sociopolítico apresenta uma complexidade por ser uma consequência da interacção de diferentes etnicidades, grupos sociais, religiões, espaços urbanos e rurais e interesses socioprofissionais; de igual modo, são tomadas precauções acerca da natureza fragmentária desta realidade, com diferentes chefias de territórios linhageiros e de outros segmentos, numa sociedade que pretende ser estável e em paz, mas imersa num estado de anomia, depois de um processo de colonização e de guerra civil.

Relativamente aos territórios linhageiros referidos anteriormente, Ludin, sugere que estes deveriam constituir a menor unidade administrativa do Estado unitário, pois estes, na realidade, representam a base da sociedade civil africana local, o nos leva a oferecer um suporte necessário para afazer frente aos desafios da auto-administração e a aqueles que seriam decorrentes da multietnicidade do País e dos diferentes grupos sociais que nele actuam.

A adopção deste suporte em primeiro lugar estaria por um lado inserido no processo de reestruturação das unidades administrativas do Estado moçambicano (Novo modelo de governação) e em segundo lugar criaria os mecanismos para a manutenção da paz social (a gestão do conflito), nos moldes da filosofia da democracia consensual, para a participação no processo de desenvolvimento social de todas as elites e dos diferentes grupos sociais, baseada na etnicidade.

A plataforma necessária para esta prática seriam a descentralização e democratização, que não descurasse as realidades socioculturais do País, associada a uma praxis social, fundada num regime de relações sociopolítico – essencialmente inclusivas – e não exclusivas – com efeito tradicionalmente no seio das comunidades linhageiras e interlinhageiras[3].

Para o caso moçambicano, como descreve MAGODE (1996), seguem-se considerações sobre a realidade sociocultural local e uma tentativa de construção de um modelo teórico que poderia possivelmente ser explorado na esfera politico-administrativo no processo de transição politica e no período pós-eleitoral׃

  1. Dentro da administração dos territórios linhageiros ou clánicos ou de grupos totémicos entre si;
  2. Dentro de um aglomerado destes territórios;
  3. Num determinado conjunto de comunidades linhageiras;
  4. Acima destes níveis (o que poderá vir a ser a base das municipalidades).

Neste caso, se se continuar em denominar as unidades administrativas acima referidas por localidades, postos administrativos, distritos, províncias e estado, tal não seria acto preocupante. O que é relevante é a percepção do que cada uma destas unidades administrativas significa, dentro do universo sociocultural das comunidades que habitam e que possa ser aceite e reconhecida pelo Estado como “a menor unidade administrativa”.

Respeitando as normas e regras que são moldadas pelos membros das diferentes comunidades, porque é realizada a socialização dos membros da comunidade em questão, sem interferência de outras forças, estas unidades deveriam a obediência à lei maior do Estado unitário, os níveis superiores de governação.

Esta proposta, embora careça de alguns elementos de substâncias assentes em reflexões comparativas, seria viável, tanto do ponto de vista sociopolítico como do socioadmistrativa. Alias, ela segue uma estrutura de pensamento que tem em consideração׃

  1. O problema de gestão do (e do desfecho do) conflito;
  2. Um mapa religioso em que são realidades presentes (o islamismo e o cristianismo);
  3. O espaço rural e urbano, com grupos sociais que defendem interesse diversos;
  4. Uma história sociopolítica; e
  5. Outros aspectos relativos à diversidade e pluralidade local sociocultural local.

Para MAGODE (1996), o debate sobre o significado da democracia faz parte de um universo sociopolítico e cultural, em que a interacção de forças sociais nele presente, fazendo perceber o conceito de democracia em função do seu sentido de História de motivações sociais.

Embora seja entendido sob diferentes prismas, trata-se, na realidade de uma prática intrínseca aos processos de reconstrução e das tentativas de modernização – à luz de princípios democratizantes – e de uma acção governativa eficiente, tendências actualmente em curso em muitos países do continente africano.  

Considera MAGODE (1996), que o desenvolvimento em curso no domínio de reflexões teóricas em ciências sociais, trazem hoje a superfície novas metodologias de problemáticas sociais.

Para o autor, tais novas abordagens se afirma pela revisão de muitos paradigmas de análise de realidades sociais, antes aceites como dogmas; na ocorrência de factos sociopolíticos que, no passado pertenciam ao mundo do inacreditável, como por exemplo, o desmoronamento de Estados outrora solidamente construídos e na tendência de o “exercício de calamidades sociopolíticas” deixar de ser o “privilégio” da parte do globo chamado Terceiro Mundo.

A apropriação dessa nova abordagem, permitiria aos actores do cenário politico e a sociedade civil moçambicana no geral, uma percepção realista do que se passa na sociedade moçambicana e no mundo, bem como a sobre a necessidade de restruturar a respectiva cultura sociopolítica, para melhor se (re) construir o sistema de governação (administração) e torna-lo mais solido, e sobretudo mais apropriado ao perfil sociocultural de Moçambique.

Raramente se toma em consideração a formação de Estados que de uma maneira geral, comportam em si organizações sociais sob a forma de micro-sociedades ou sociedades integradas sob múltiplas formas de alianças, e com capacidade de autogestão, a exemplo das sociedades da africa subsaariana.

Estes modelos, no caso moçambicano, já provaram a sua funcionalidade, ao sustentarem a sobrevivência de indivíduos e comunidades em situação de crise, de ruptura sociocultural, económico e política, num processo iniciado na época colonial com continuidade depois da independência e durante a guerra civil.

O problema em referência pertence ao universo sociopolítico da actualidade, que torna imperioso a identificação de opções politicas que reconsideram a relevância e o papel do sociocultural na prática politica e de governação. Tais opções políticas, consistem em não consumo de um sistema de governação e por um modelo de desenvolvimento totalmente importado.

Neste caso MAGODE (1996), propõe que a acção governativa devera, pois ter como ponto de partida os espaços socioculturais, considerando as suas percepções, as suas memórias históricas, as suas vivências, comportamentos, e, em função disso, dialogar pela inovação, por realidades sociais novas.

Ainda de acordo com o autor, a abordagem feita junto às sociedades africanas, moçambicanas, com alguns aspectos de diferenciação e outros similares, dispostas em micro mundos de valores que regulam a ordem social, parece ser evidente que estes representam o alicerçamento da legitimidade do exercício da autoridade/poder, assente nos seguintes pressupostos׃

  1. Na produção, produtividade e cuidados sobre o meio ambiente;
  2. Manutenção da ordem social e a gestão de conflitos; e
  3. Na cosmologia – mitos, rituais domésticos.

 

MAGODE (1996), para fazer a reflexão critica sobre o uso de modelos importados de prática social no domínio de governação, da administração territorial e do exercício do poder em Moçambique, urge antes fazer um olhar a realidade africana no geral.

Com a dominação colonial, uma relação conflitual, em circunstâncias desiguais, a análise da interacção entre os modelos europeu e africano, seria cientificamente valioso para a avaliação das consequências do ponto de vista social, pois, teve efeitos insignificantes.

No contexto pós colonial, tem vindo a proceder-se, sob esta circunstância, ao ensaio pelas elites politicas (modernas), de modelos de desenvolvimento que são extemporâneas do ponto de vista do espaço sociocultural e histórico das respectivas comunidades.

Imposto segundo o esquema de um relacionamento social vertical, e portanto, nunca socialmente percebidos do ponto de vista simbólico, estes contrastam com aqueles que deveriam do modelo histórico, legítimo e lógico, no percurso do desenvolvimento dos espaços sociais africanos. Não sendo aqueles apropriados ao meio sociocultural especifico às comunidades africanas, acabam comummente por se tornar ilegítimos e ilógicos, degenerando por conseguinte, em fontes de conflitos, em que quem sofre ou é o modelo ou é o meio social.

A modelos sociais e políticos em Moçambique são mais diferenciado entre o Sul e Norte, ao passo que o centre nota-se uma mistura, onde nesses espaços tal como escreve MAGODE (1996), é marcada pela diversidade e complexidade, pois, notam-se as׃

  1. Diferentes formas de uso do meio ambiente, que estão na origem de variados tipos de organização social;
  2. Diversificadas regras de filiação, o que leva a, entre outros aspectos, a diferentes conceitos de família e ao reconhecimento de papeis sociais com estatutos mais ao menos importantes, a diferentes actores da família, e num âmbito lato, na comunidade;
  3. Sistemas de estabelecimento de alianças matrimoniais;
  4. Formas diferenciadas de contactos com o mundo exterior;
  5. A existência de universos rurais e urbanos;

Neste caso, embora que o presente cunho não tenha um cunho meramente antropológico, urge necessário de fazer um descrição das realidades culturais do sul e do norte de moçambicana, como forma de abarcar a questão das dinâmicas sociais nestas sociedades.

Para o caso do Sul e centro moçambicano, WILSA Moçambique (1998), aponta a predominância da patrilinearidade, que para AGHASSIAN el all (2003), nesta sociedade, os filhos fazem parte do grupo de parentesco do pai, o que significa que os pais transmitem o parentesco. Nesta sociedade, a perpetuação de grupos de parentesco passa exclusivamente através dos homens, onde se nota a valorização das actividades económicas ligadas sobretudo a criação do gado bovino, conferindo ao homem poderes sobre a mulher. Nesta sociedade, a responsabilidade social em relação as crianças cabe ao pai ou irmã mais velho e dentro das linhagens os homens prestam atenção aos descendentes masculinos. As funções políticas e jurídicas passam de para filho.

Já sobre a realidade sociopolítica do norte de Moçambique, MAGODE (1996), aponta algumas características da estrutura de uma, de entre muitas organizações sociais que compõem o tecido social da sociedade civil moçambicana são as dos Amakhuawa Metthu, da região do norte de Moçambique, que são um ramo do grande grupo social populacional Amakhwa.

Por sua vez, MARTINEZ (1989), refere que os macuas fazem parte dos primeiros grupos bantus meridionais que emigraram da região centro africano dos grandes lagos e selvas ao sul do continente. Segundo o autor, durante os seculos IV-VII, os macuas sofreram uma lenta transformação e ao mesmo tempo progressivo. As suas preocupações neste período diziam respeito à habitação, à alimentação e à defesa. Não existia uma autoridade política territorial centralizada, viviam em pequenos grupos clínicos, facto que se manteve durante vários seculos.

De acordo com o autor, a estrutura da sociedade macua localizada no norte de Moçambique, é constituída por uma justaposição de unidades familiares por grupos de parentes unilineares, uxorilocais e exogâmicas. As linhagens ou seguimentos clánicos são a base da estrutura social e da organização política e económica.

Sobre o mesmo assunto, MAGODE, diz que a estrutura social do povo macua localizada no norte de Moçambique, segue a regra de filiação matrilinear, seguindo a linha de sucessão e herança de mulher, normalmente a decana do grupo. São de via de regra, matrilocais e viveram tradicionalmente em seu território linhageiro, N’tthetthe, assim chamado na variação linguística Emakhuwa da zona.

O N’tthetthe[4] não era e não é um povoamento similar ao aldeamento, com características urbanas, mas um território específico, com um conjunto disperso de pequenas unidades familiares.

Este território tem um chefe, via de regra, é membro da linhagem que primeiro ocupou o especo ou região. A este chefe reconhecesse o título de o Mwené, o que quer dizer chefe grande. Este tem o controlo total do território linhegeiro bem como área matrimonial. Os casamentos são exógamos (fora do grupo linhageiro) mas muitas vezes preferências, podendo ser neste caso ser com filha do tio materno, onde quando assim ocorre, este vai viver perto do seu tio, observando-se desde modo a residência avuncolocal (de ovaculos, tio de pequeno avo, em latim).

O avunculado é muito forte da sociedade macua. Nesta sociedade não se trata de matriarcado, pois, em cada grupo familiar (Nloko[5]), é o homem quem manda nos outros membros da família. Este homem é o tio materno chamado (Atata). Trata-se do tio materno mais velho, quer dizer, o irmão uterino mais velho da mãe de um determinado Ego.

Esta estrutura sociopolítica leva a que no pensamento do individuo em relação ao seu posicionamento pessoal, exista uma ligação com o seu N’tthetthe.

Segundo MAGODE (1996׃132), a organização política da hierarquia desta sociedade é por tanto a seguinte é׃

  1. O clã – nihimo – como uma identidade cosmológica que une e divide indivíduos e grupos de pessoas, acima de tudo de todos;
  2. A linhagem – n’loco – sob a chefia de um Mwene;
  3. Segmento de linhagem – n’koto – sob a chefia de um N’humu;
  4. A linha – erukulo – sob a chefia de um Njeio – o homem mais velho da linha.

Todos estes homens exercem cargo de chefia, são assistidos ou aconselhados pela mão experiente da Apiamwene[6]. E esta estrutura engloba uma esfera ampla de pode׃

  1. O controlo de terra;
  2. Direitos e transferência de direitos;
  3. Manutenção da ordem e da reprodução social;
  4. Resolução de conflitos;
  5. Controlo de casamentos; e
  6. Aparato religioso

 Sobre a realidade política do povo macua, LERMA (1989:68), diz que a política não é senão um aspecto do modelo cultural. No âmbito político da sociedade considera-se “tudo que é, ao mesmo tempo, publico, orientado para um fim e que implica uma diversificação de poder entre diversos indivíduos”.

Na sociedade macua, cada parte da linhagem tem sua própria autoridade, que é o Atata[7], tio materno, ou seja, o irmão mais velho de um determinado ego, o qual é por isso o chefe de um grupo de unidades uterinas.

O conjunto de todos Atatas[8], tem um decano, que é o chefe do escalão imediatamente superior, o chefe da linhagem chamado Nihimu[9]. Ele é a autoridade do conjunto das partes de uma determinada linhagem, que formam a primeira unidade social macua, chamada Nloko.

Em ordem ascendente, imediatamente superior, encontra-se o chefe de um conjunto de linhagens que vivem numa determinada povoação, que constitui um chefado. O chefe de um chefado tem um conselho formado pelas seguintes pessoas:

  • O grupo de chefes de linhagem, os Mahumu;
  • O grupo de conselheiros, os Mapili
  • O grupo dos anciãos, Atokwene
  • O grupo de outras pessoas importantes, os Axulupale;

De acordo com LERMA (1989:70), o chefe de um chefado tem as seguintes funções da sociedade macua:

Função representativa: é a autoridade máxima na sociedade;

Função legal e função judiciária: é o guardião das leis, podendo com o seu conselho, legislar segundo a tradição e administrar justiça, presidindo aos julgamentos e impondo os castigos;

Função social: promove o bem comum do seu povo (bem económico e social) decidindo, por exemplo, a mudança de zona para a cultivação dos campos e o lugar da aldeia;

Função cultural: mantem a unidade interna dos membros da sociedade e a felicidade às tradições culturais e a identidade do povo;

Função militar: organiza a defesa do chefado contra os perigos externos (uma função que não existe hoje);

Função religiosa: preside aos ritos da comunidade.

 

MAGODE (1996), fazendo uma análise sobre essa complexa realidade sociopolítica moçambicana, advoga que para abarcar esta diversidade (social) moçambicana, em toda a sua amplitude, e em vista do reforço do Estado unitário multiétnico parece ser necessário repensar-se na complexidade da realidade social moçambicana. Também é pertinente a hipótese da elaboração de algo como uma declaração de princípios de respeito pelo sociocultural e de bases primárias da sociedade civil, que preservem a unidade nacional.

Estas bases, deveriam ter em consideração e relevância dos espaços socioculturais da africanidade, como por exemplo, os territórios linhageiros espalhados por todo o território moçambicano, o espaço rural e urbano, a partir dos quais se processa a enculturação e se estrutura a personalidade do individuo moçambicano.

A africanidade seria a base primária da preservação da identidade cultural do ser social moçambicano (pela própria composição populacional).

Os territórios linhageiros seriam, com fundamento na reforma administrativa do País, funcionando segundo as normas e regras da perspectiva comunidade sociocultural moçambicano.

No tocante a realidade política MAGODE (199), considera que a inserção da autoridade tradicional no quadro do aparelho político administrativo e de governação democrático poderia acercar-se num projecto de lei ou num novo modelo de Constituição.

Esta moldura central iria regular o especto administrativo, englobando a questão das terras, a justiça e a gestão de conflitos ao nível comunitário. Estes princípios, uma vez constitucionalizados, formariam a moldura para um Estado unitário, com um espaço amplo para a participação de todas as organizações sociais, consentâneas com a diversidade sociocultural moçambicana.

Estaria assim assegurados, de forma pratica, os direitos dos diferentes grupos populacionais e seguimentos sociais, conforme a conceptualização clássica de cultura social, apresentada respectivamente por Molinowiski e por Radcliffe Brown ( cf. Bastista Lundin׃1983)

No entanto, o autor diz que pelas realidades sociais especificas aos espaços africanos, pela tendência à reafirmação das identidades socioculturais, por vezes com motivações centrífugas, é muito pouco provável que África, e por conseguinte Moçambique, sejam susceptíveis de efectuar a mesma trajectória.

3. Conclusão

A situação social da África hoje é bastante precária, como se pode imaginar diante de seu passado histórico a África sobreviveu pelas influências do tipo de organização social e político ocidental e que depois das independências, a situação social e política veio a ser suportada pelos movimentos libertários, em que se manifestava na exaltação das grandes elites que estiveram envolvidas nestas lutas de libertação.

A que notar, que o processo de implantação de um sistema sociopolítico nos países africanos, tanto no período da colonização assim como apos independência foi concebido sob uma forma vertical, ignorando as diversidades sociopolíticas e cultural. Foi neste contexto, em que foi ignorado a questão da etnicidade, os líderes comunitários foram colocados a margem do sistema de governação, o que de certa forma desrespeitava os princípios da democratização e boa governação.

A outra realidade que caracteriza as sociedades africanas em geral e moçambicana em particular é a semente da desconfiança que surge com distanciamento dos grupos sociais, de elites étnicas ou comunitárias quando se definem em forças participantes e não participantes na tomada de decisões politicas (ou consulta sobre as mesmas).

Este relacionamento de exclusão sociocultural africano, não raras vezes tem sido condição suficiente para que o conflito seja relembrado com todos os males que este comporta e dai advenha uma reacção individual ou comunitária, recriando as bases sociais para a explosão e sustentação de um novo conflito.

Este facto, em África no geral e em Moçambique em particular, uniu e desestruturou etnias, o que condicionou o surgimento de vários conflitos étnicos extra e intranacionais.

 

Bibliografia

AGHASSIAN, M. et all. Os Domínios do Parentesco: Filiação. Aliança matrimonial. Residência. Lisboa – Portugal: Edições 70. 2003

GRAÇA, Pedro Borges. A Construção da nação em África. Edições Almedina. Coimbra, 2005

MARTINEZ, Lerma Francisco. O povo macua e a sua cultura. Lisboa, 1989

MOGODE, J. (Edr) Moçambique. Etnicidades, Nacionalismo e Estado. Transição Inacabada. Maputo, CEE/ISRI, 1996

WLSA Moçambique. Famílias em contexto de mudança em Moçambique. Maputo: Impressa Universitária, 1998

 

[1] Licenciado em Ensino de História e Mestrando em Ciências Políticas e Estudos Africanos pela Universidade Pedagógica de Moçambique

[2] Licenciada em Ensino de Filosofia pela Universidade Pedagógica de Moçambique e Mestranda em Ciências Políticas, Relações Internacionais e Governação pela Universidade Católica de Moçambique

[3] Unidades sociais vizinhas

[4] Território que eram demarcados através de acidentes geográficos ou elementos de referência.

[5] Conjunto de unidades uterinas

[6] Irmã ou tia do Mwene – reconhecido pelos portugueses com estatuto de rainha, que pertencia a hierarquia real.

[7] Tio materno

[8] Plural de tio materno

[9] Nomes que indicam o local de oriegem de um determinado Nloko