Compreendendo a relação de gênero na escola

Francisco de Assis Faustino de Sousa[1]

Introdução

Este trabalho está voltado para os aspectos que especificam as relações entre homens e mulheres do ponto de vista do gênero. A abordagem das questões de gênero focaliza as diferenças que são culturalmente construídas entre os sexos, explicitando como se edificam as relações sociais entre homens e mulheres.

            Barbosa (1989) afirma que gênero não quer dizer que quando o indivíduo nasce ele se torna homem ou mulher, mas que eles se constroem com divergentes comportamentos, poderes e até mesmo diferentes sentimentos.

Scott (1990) conceitua o gênero mostrando que o corpo se transforma em motivo de investigação histórica e sociológica e que seu significado pode ser diferente de acordo com cada contexto. O uso do termo gênero representa um processo que procura explicar os atributos específicos que cada cultura impõe ao masculino ou feminino, considerando a construção social construída hierarquicamente como uma relação de poder entre os sexos.

             Para Louro (1997), é preciso compreender o gênero como “constituinte da identidade dos sujeitos”. Desse modo, o conceito de identidade, muito próximo das formulações críticas dos Estudos Culturais e dos Estudos Feministas, busca entender os indivíduos como possuindo identidades plurais, as quais não são estáveis ou duradouras, mas se modificam e podem até ser contraditórias. A autora coloca a necessidade de se pensar as relações de gênero, as desigualdades entre homens e mulheres, de modo plural, ou melhor, ela afirma que os homens e as mulheres são identificados por gênero, classe, raça, etnia, idade, nacionalidade, etc. e, dessa forma, assumem “identidades plurais, múltiplas” e produzem diferentes “posições de sujeito”. Nessa relação, as redes de poder (das instituições, símbolos, códigos, discursos, etc.) precisariam ser examinadas. Louro (1997) explica que as identidades são múltiplas e plurais, que elas transformam-se e podem nos ajudar a entender que as práticas educativas são “generificadas”, produzindo-se a partir da[i]s relações de gênero, de classe e de raça. 

Assim, é a identidade de gênero que possibilita à criança reconhecer-se como pertencente ao gênero masculino ou feminino, com base nas relações sociais e culturais que se estabelecem a partir do seu nascimento.

Desse modo, verificar como é compreendida a relação de gênero na escola e suas implicações nas diversas redes de poder que estão envolvidas nos discursos e nas práticas representativas das instituições e dos espaços sociais vivido pelos educados, sendo produzidas a partir das relações de gênero.

Resumo

Este trabalho apresenta como as relações de gênero e a educação sexual é evidenciada no campo da educação formal no Brasil. Considerando que a reabertura ao regime democrático nas duas ultima décadas, ampliou os debates sobre sexualidade e relação de gênero nas esferas publica e privada. A escola pública sentiu o impacto dessa nova condição tanto no âmbito da educação básica quanto do ensino superior, refletindo-se inclusive nas políticas públicas nacionais, sob o marco da constituição da “Orientação Sexual” como tema transversal dos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998). Entre outros aspectos verificou-se que a educação sexual na escola tem sido condicionada por aspectos morais, e mesmo nos dias atuais permanece associada à prevenção, regulação e controle de problemas de saúde pública. Ainda assim, como os conflitos, avanços e possibilidades da educação sexual permeiam toda a sociedade, devem ser enfrentados pelos diferentes segmentos e camadas sociais, em constante diálogo com as comunidades locais e os sujeitos direta e indiretamente relacionados.

Palavras-chave: escola, educação sexual, relação de gênero.

Desenvolvimento

Em primeiro lugar é importante definir sexo de gênero, pois cada um desses conceitos, com freqüência, eles erroneamente são usados como sinônimos.

Sexo refere-se às características biológicas de homens e mulheres, ou seja, às características específicas dos aparelhos reprodutores femininos e masculinos, ao seu funcionamento e aos caracteres sexuais secundários decorrentes dos hormônios.

Gênero refere-se às relações sociais desiguais de poder entre homens e mulheres que são o resultado de uma construção social do papel do homem e da mulher a partir das diferenças sexuais.

O papel do homem e da mulher é constituído culturalmente e muda conforme a sociedade e o tempo. As relações de gênero são produto de um processo pedagógico que se inicia no nascimento e continua ao longo de toda a vida, reforçando a desigualdade existente entre homens e mulheres, principalmente em torno a quatro eixos: a sexualidade, a reprodução, a divisão sexual do trabalho e o âmbito público/cidadania.

A desigualdade de gênero, como outras formas de diferenciação social, trata-se de um fenômeno estrutural com raízes complexas e instituído social e culturalmente de tal forma, que se processa cotidianamente de maneira quase imperceptível e com isso é disseminada deliberadamente, ou não, por certas instituições sociais como escola, família, sistema de saúde, igreja, etc.

Sem dúvida alguma os sistemas de diferenciação social como classe, raça, etnia, geração, além de gênero, têm como objetivo o exercício e manutenção de poder implicando sempre em relações desiguais e de submissão com conseqüências importantes para a autonomia individual e coletiva, e para o exercício pleno da cidadania, quando se considera o ser humano como agente protagonista de sua própria transformação em um contexto bio-psico-social.

Existem muitos caminhos pelos quais se pode conseguir essas transformações, porém entendemos que a Educação é a principal via para isso, e no que diz respeito às questões de gênero, especificamente a Educação Sexual.

A educação é sem dúvida um dos processos pelos quais se facilita a construção e estruturação da identidade e da autonomia dos indivíduos, esse processo se intensifica quando as ações se localizam na área que faz parte de todo o ciclo vital dos seres humanos que é a sexualidade.

Se as relações de gênero estruturadas a partir da diferença sexual são um dos mecanismos que têm sido usados para determinar condições desiguais entre homens e mulheres, então é a partir da educação e reeducação nesse campo que poderemos conseguir um nível de relações mais justas.

Para isto, em primeiro lugar, seria necessário que um programa de educação sexual não somente informasse e denunciasse que essas desigualdades existem, mas também facilitasse um processo de reflexão sobre as conseqüências dessas desigualdades, no âmbito social e pessoal, no sentido de motivar as pessoas para se comprometerem com as diferentes estratégias e ações para mudanças necessárias. Trabalhar os mitos, crenças e preconceitos, que não só reforçam como tornam cristalizados e “naturais” os papéis de gênero (construídos sobre o mito da superioridade masculina), facilita esse processo pedagógico que visa a desconstrução e reconstrução desses papéis.

Evidentemente incorporar gênero de maneira transversal na escola, é a possibilidade de ampliar o debate, conhecer e reconhecer que existem relações desiguais entre homens e mulheres e poder com isso refletir e visualizar a possibilidade de construção de novas relações. Todavia, trabalhar gênero, em um espaço específico junto à sexualidade, é a possibilidade de garantir ações mais efetivas na desconstrução desse modelo tão arraigado, construído e estruturado no desenvolvimento sexual que tanto tem prejudicado as mulheres e conseqüentemente os homens também.

Impregnados na sociedade e cada vez mais difundidos pelos meios de comunicação, sexo e sexualidade tornaram-se assuntos eminentes nas escolas. Central ou perifericamente, ainda que não se possa dizer que as relações de gênero tenham se impregnado oficialmente no cotidiano e no currículo da escola, cada vez mais se fazem presentes na vida dos sujeitos que lá convivem.

Ao investigar como a sexualidade vem sendo tratada nas salas de aula das séries iniciais do Ensino Fundamental, Ribeiro (2002) expressou que a inclusão do tema no currículo vem sendo discutida desde o início do século XX, orientada principalmente para “o combate à masturbação e às doenças venéreas, como também o preparo da mulher para ser esposa e mãe” (p. 52).

No debate sobre as proposições curriculares, Furlani (2005) destacou que os processos de produção das diferenças sexuais e de gênero também permeiam os livros e coleções literárias utilizadas na escola.

Para compreender tais processos, a autora investigou duas coleções de livros paradidáticos de educação sexual endereçados à infância, Furlani demonstrou como grande parte dos livros paradidáticos reproduz a naturalização de sexo e sua correspondente associação ao gênero, repetindo “a fórmula convencional que toma ‘sexo’ como indicativo de ‘gênero’”, além de perpetuar o predomínio histórico do enfoque biológico, entre outros fatores, até mesmo pela utilização do termo “educação sexual”, e não “educação da sexualidade”, tendo em vista a noção comum aos dois adjetivos (2005, p. 40).

Por mais que se façam necessários estudos e propostas sobre construção de estratégias educativas de prevenção e promoção da saúde sexual e reprodutiva dos alunos, tal como o desenvolvido por Souza (2007), a eclosão das diversidades culturais e os conflitos expressos em diferentes esferas fez com que, principalmente a partir dos anos 1990, muitas propostas de intervenção pedagógica escolar procurassem desenvolver outros mecanismos e significações para suas práticas e concepções.

No Brasil as leis e diretrizes normatizadoras das práticas educacionais historicamente apresentam pouca discussão acumulada sobre o tema. Ao estudar as relações de gênero nas políticas públicas, Sousa (2006) verificou que as principais legislações em vigor, a Constituição Federal de 1988, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e o atual Plano Nacional de Educação (PNE) fazem pouca menção à diversidade e às identidades de gênero e sexualidade. A autora anunciou que, principalmente nos PNE há uma completa omissão do tema sexualidade, contrapondo-se aos debates e demandas apresentados pela sociedade naquele período.

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