Compliance e a Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica 

 

“la responsabilidad penal de las personas jurídicas será una realidad generalizada tarde o temprano en el derecho penal europeo continental y probablemente también en el derecho penal latinoamericano”

Bacigalupo

 

I - INTRODUÇÃO 

 

Com o famoso processo intitulado de “Lava Jato”, que iniciou à partir de diversas operações da Polícia Federal em 2014, avançando para a persecutio criminis in judicio, e estando hoje na 40.ª fase, sendo que o alvo principal são os crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, despertou o interesse da Justiça e dos estudiosos do Direito na recente Lei nº 12.846/2013 que foi regulamentada pelo Decreto Federal nº 8.420/2015, e que trata da Compliance, um termo inglês que significa “estar em conformidade com a Lei”.

 

Esta Lei prevê a responsabilização da empresa, independentemente do seu porte ou ramo de atuação, caso seja flagrada cometendo ato de corrupção contra a administração pública, quer seja por seu presidente, diretor, proprietário, colaborador, fornecedor, terceirizado, ou qualquer pessoa que esteja agindo em nome e por interesse da empresa, independentemente se a cúpula da organização tinha ou não conhecimento do ato corruptivo.

 

Assim, a empresa flagrada cometendo os referidos atos corruptivos, quer seja no âmbito federal, estadual ou municipal, estará sujeita a duras penalidades, que poderão se submeter a pesadas multas e inscrição no cadastro negativo do poder público, podendo ainda ocasionar a cassação do CNPJ (Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica), decretando assim, o fechamento da empresa.

 

Acontece que a referida legislação é de natureza cível e administrativa e muitos criminaistas entendem que eventuais responsabilizacões às empresas, não se aplicam à Justiça penal, o que não concordamos.

 

II - A Compliance 

 

O Compliance é um conjunto de medidas para diminuição de riscos de atos corruptivos. Iniciou este tema com os escândalos e rombos de algumas famosas empresas, como o Banco Barings, a Enron, World Com e Parmalat, por conta da má gestão de seus diretores.

Extraindo dos estudos do Wikipedia, o termo compliance tem origem no verbo em inglês to comply, que significa agir de acordo com um regramento, uma instrução interna, um comando ou uma diretriz, ou seja, estar em “compliance” é estar em consonância com leis e regulamentos externos e internos. Portanto, manter a empresa em conformidade significa atender aos normativos dos órgãos reguladores, de acordo com as atividades desenvolvidas pela sua empresa, bem como dos regulamentos internos, principalmente aqueles inerentes ao seu controle interno.

 

A Lei nº 12.846/2013 que foi regulamentada pelo Decreto Federal nº 8.420/2015 tratam da Compliance, nas esferas Cível e Administrativa, cujos regramentos e sanções não possuem natureza penal.

 

O professor James Walker escreve que o “PAR” - Processo Administrativo de Responsabilização, pela Controladoria Geral da União, segue as regras do Dec. 8.420/15. Para ele, não existe responsabilização criminal de pessoa jurídica por atos de corrupção no Brasil, pois o art. 225, parágrafo 3º da Constituição Brasileira restringe a persecução penal das pessoas jurídicas aos casos de crimes ambientais.

"Enquanto jurista, sempre apegado às boas práticas processuais, anseio que, após instruções que respeitem os contornos do devido processo, individualizadas as condutas e apuradas as culpas, sejam os autores de atos comprovados de corrupção, responsabilizados, seguindo-se o jogo processual com suas regras já existentes, e que cada jogador, na metáfora da Teoria dos Jogos, detenha maturidade suficiente para entender que, nesse jogo, a regra tem nome, e se chama Constituição Federal." (Empório do Direito)

 

A posição do famoso e competente jurista é dominante perante os poucos doutrinadores que dominam o assunto.

Reale Júnior mostra-se contundente contra a responsabilidade penal da pessoa jurídica. Assevera que a lei dos crimes ambientais (Lei nº. 9.605/98) é inconstitucional, mesmo que o art. 225, §3º, da CRFB, indique responsabilização da pessoa jurídica, lato sensu. Reale Júnior aponta que a interpretação sistemática do texto constitucional indica a inviabilidade da responsabilização penal da pessoa jurídica, pois a ela falta capacidade para a imputação penal. Tendo em vista que a pena não passará da pessoa do condenado (art. 5º, XLV, CRFB) e a individualização da pena (que é feita com base na culpabilidade), torna-se evidente a impossibilidade de responsabilizar criminalmente a pessoa jurídica.

 

Bottini concorda e escreve: “No Brasil, onde a preocupação com o desenvolvimento de setores para o cumprimento de normas teve início há menos de uma década, em especial no setor bancário, e onde a responsabilidade criminal da pessoa jurídica é praticamente restrita à esfera ambiental, o âmbito de abrangência do compliance é menor, voltado às áreas com maior risco de crises institucionais e de imagem, ou cuja regulação exija a criação do setor.”

Pondera o articulista, entretanto, que surgiu a chamada Criminal Compliance no Brasil com a criação da Lei prevenção e combate à Lavagem de Dinheiro (Lei 9.613/1998, alterada pela Lei 12.683/2012), e as constantes citações deste instituto pelo Supremo durante o julgamento do Mensalão.

Finaliza dizendo: “Por isso, o cumprimento dos marcos regulatórios se torna importante não apenas para evitar responsabilidades na seara administrativa, mas também para proteção da imputação criminal. A observância das normas de cuidado através de um sistema de compliance estruturado — é o instrumento que assegura a proteção da empresa e de seus dirigentes da prática de delitos e da colaboração com agentes criminosos, minimizando os riscos de responsabilidade penal e de desgastes perante a opinião pública.”

Em síntese, a doutrina se opõe à adoção da responsabilidade penal da pessoa jurídica porque, no âmbito penal, a superação do dogma da pessoa jurídica como autora do fato delitivo ainda não é suficientemente convincente para a maior parte dos doutrinadores. Mesmo que se tome de empréstimo o esforço humano para empreender no delito, há que se provar que foi em favor da empresa, e que ela tinha conhecimento e vontade para praticar o delito. Ainda que se queira adotar programas de integridade (ou de Compliance), torna-se perigoso deduzir o conhecimento e a vontade pela não obediência às regras internas da empresa. O Compliance serve mais, no cenário atual, para conhecer aos próprios funcionários, manter a ética e perceber – e na medida do possível – refrear as fontes delituosas interna

A Constituição Brasileira, entretanto, prevê a “ficção juridica de autoria” de se responsabilizar criminalmente a pessoa jurídica, autorizando o sancionamento penal através da Lei nos casos de crimes ambientais e econômicos. Em virtude disto, entendemos que a Lei nº. 9.613/1998, alterada pela Lei 12.683/2012, traz, em especial nos artigos 9º a 11, além dos arts. 41 e 42 do Decreto nº. 8.420/15, medidas para a adoção de programas de integridade (ou de Compliance), e que são de natureza penal, corresponde à autorização constitucional. Tais programas descritos neste regramento podem envolver diversos setores, como normas penais (Criminal Compliance), do consumidor, tributárias, trabalhistas. A interpretação das normas penais pode levar à responsabilidade penal para dentro destas empresas.

O Compliance pode servir, inclusive, para a individualização da conduta de cada colaborador da empresa, numa espécie de vigilância coletiva ou “gerenciamento coletivo”.

A responsabilidade penal da pessoa jurídica, que está expressamente disposta na Carta Magna (art. 225, §3º e art. 173, §5º), bem como pela existência de diploma expresso para crimes ambientais cometidos por pessoa jurídica e a jurisprudência do TRF4 sobre o tema, é possível determinar a responsabilização da pessoa jurídica, em especial, porque a Lei Anticorrupção teria natureza penal.

Para Nucci, a edição da Lei Anticorrupção como lei de natureza administrativa parece uma articulação para desviar das críticas dos penalistas. Entretanto, a roupagem é exatamente a mesma da lei penal. Como resultado, tem-se que a pessoa jurídica será punida pela responsabilidade objetiva. Outra crítica apontada contra lei é a chamada “responsabilidade judicial”, que não se enquadra nas esferas civil, administrativa e penal. Ainda, aponta que a responsabilidade na Lei nº. 9.605/98 não é objetiva, pois há dolo ou culpa na ação da pessoa jurídica, pois “pessoas jurídicas não saem à noite para caçar jacarés, mas seus funcionários podem fazê-lo, a mando do gerente, por exemplo, e todos são humanos, mas quem pode responder, junto com eles é a pessoa jurídica”. O mesmo autor salienta que a responsabilidade penal da pessoa jurídica fica vinculada ao ato de uma pessoa física, e que, para fazê-lo, é preciso analisar o dolo. Explica também que não cabe à empresa analisar toda e qualquer conduta de seus funcionários, pois não recebeu delegação policial do Estado.

Nesta linha, pode-se afirmar que as políticas de Compliance vão mais além da política criminal de combate à lavagem de dinheiro por meio da colaboração das pessoas privadas na identificação de atividades suspeitas. Pode-se enumerar diversos traços essenciais a uma política eficiente de Compliance, e mais especificamente de Criminal Compliance. As características do Criminal Compliance englobam políticas internas de prevenção. Estas políticas seriam as de prevenção, investigação e supervisão na busca de evitar ou descobrir delitos praticados por meio ou sob a proteção da pessoa jurídica. As empresas devem assumir internamente uma postura preventiva, fixando códigos de condutas.

 

III – DA POSSIBILIDADE DE RESPONSABILIZAÇÃO PENAL

 

Com o advento das Leis de Lavagem de Dinheiro e Anticorrupção, as quais prevêem o fenómeno do Compliance, onde há expressa determinação de fiscalização interna e externa sobre possíveis atos ilícitos praticados por seus membros e a exigência do cumprimento de normas e diretrizes, surgiu a possibilidade da incriminação dos responsáveis pela Complience, em virtude de ser eles “garantes”, no estudo dos crimes comissivos por omissão.

O crime omissivo impróprio também chamado de comissivo por omissão, traduz no seu cerne a não execução de uma atividade predeterminada juridicamente exigida do agente.

São crimes de evento, isto porque o sujeito que deveria evitar o injusto é punido com o tipo penal correspondente ao resultado.
O real poder de agir limita (e fundamenta) a antijuridicidade da omissão imprópria. Neste sentido, o agente (garantidor) deve possuir consigo o real poder de agir para incorrer na prática do delito de omissão. 

Logo, tais garantidores que, na verdade, é a própria empresa em si, a pessoa jurídica que mantém seus gestores por ordem de seus estatutos, devem sofrer ingerência penal e suas sanções, pelo critério da “ficção jurídica de autoria”, já que a culpabilidade da mesma reflete em seu moderno conceito uma responsabilidade social, de maneira que a culpabilidade da pessoa jurídica deve ser aferida sob o enfoque volitivo do administrador da entidade que atua em nome e em proveito desta. (STJ, Resp. 564.960/SC). Reza a Lei Penal:

 

Relevância da omissão

art. 13 § 2º, CP - A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem:

  1. tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância;

 

Da mesma maneira, a legislação processual penal permite o uso de regramentos externos quando da omissão procedimental, por exemplo, podendo, in casu, seguir as regras processuais elencadas na Lei de Crimes Ambientais.

 

art. 3o  A lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais de direito.

O artigo 225, § 3º da CF/1988, encontra-se regulamentado no artigo 3° e parágrafo único da Lei n° 9.605/1998 (Lei de Crimes Ambientais), o qual prevê expressamente a responsabilidade penal da pessoa jurídica concomitantemente com os agentes físicos integrantes de sua estrutura orgânica.

Preceitua o artigo 3°:

 “As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou beneficio da sua entidade.”

E acrescenta seu parágrafo único que

A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, coautoras ou partícipes do mesmo fato.

Da leitura do renomado dispositivo podemos extrair a teoria da “dupla imputação”, também conhecida de imputação paralela, de modo que a pessoa jurídica não pode sozinha, figurar no pólo passivo de ação penal devendo ser processado obrigatoriamente a pessoa física que atou de forma criminosa no interesse ou beneficio da entidade.

Este é inclusive o entendimento assente no Superior Tribunal de Justiça (STJ, Resp. 865.864/PR)

 

O reconhecimento, portanto, de infrações administrativas e cíveis perpetradas por gestores, cuja empresa os mantém nestas condições através de seus Estatutos, devem estas serem também processadas criminalmente, com as seguintes sanções impostas às pessoas jurídicas:

 

  1. a) Sanções pecuniárias

Essa é a forma mais tradicional de sanção pensada para pessoas jurídicas, por se pressupor que ela neutralizaria a busca de lucro, base da maioria dos crimes praticados

no âmbito de entes coletivos.

 

  1. b) Extinção ou interdição temporária da empresa

Uma forma de sanção pensada em termos repressivos consiste no próprio fechamento

da empresa.

 

  1. c) Proibição de contratar com o Poder Público

Uma modalidade interessante de restrições de direitos é a proibição de contratar com o Poder Público. Essa modalidade é largamente praticada no Brasil, e atinge não apenas as empresas que tipicamente participam de licitações públicas e celebram contratos administrativos com o Poder Público, mas qualquer empresa que pleiteia crédito oferecido por bancos estatais ou por bancos privados que repassam recursos estatais.

 

  1. d) Publicação da sentença condenatória

A publicização da condenação judicial sofrida pela pessoa jurídica é uma modalidade de sanção que vem sendo utilizada em face de pessoas jurídicas condenadas. Trata-se de uma previsão em princípio interessante, pois altera a lógica do paradigma punitivo vigente, reforçando a publicidade da imputação de responsabilidade como uma resposta em si relevante do sistema jurídico para a sociedade.

 

  1. e) Sanções de fundamento preventivo

Ao lado das medidas direcionadas estritamente à repressão dos delitos cometidos no âmbito das pessoas jurídicas, são pensadas também formas de sanção cujo objetivo é tentar garantir diretamente – e não como possível efeito da via repressiva – que, no futuro, nenhuma violação seja cometida.

 

IV - CONCLUSÃO 

 

O nome do caso, “Lava Jato”, decorre do uso de uma rede de postos de combustíveis e lava a jato de automóveis para movimentar recursos ilícitos pertencentes a uma das organizações criminosas inicialmente investigadas pela Polícia Federal. Embora a investigação tenha avançado para outras organizações criminosas, o nome inicial se consagrou.

 

Daí, verificou-se que diversas empresas privadas estavam praticando atos ilícitos junto ao Governo. Com a descoberta, foram abertos procedimentos administrativos e cíveis, sendo que algumas destas empresas colaboraram e perfizeram acordos de leniência. Alguns de seus diretores estão sendo processados criminalmente, mas não há qualquer intervenção penal nas próprias empresas, como pessoas jurídicas, o que poderia acarretar sanções semelhantes às dispostas na Lei de Crime Ambiental, como “suspensão de atividades, interdição e proibição de contratar com o Poder Público”.

 

Apesar da grande maioria dos doutrinadores pátrios serem contra, o Direito europeu traz boas experiências à respeito da responsabilização criminal da pessoa jurídica, através do fenômeno da “ficção jurídica de autoria” e, no caso do presente trabalho, que trata de crimes contra a Administração Pública e à Ordem Económica, surge a figura do Criminal Compliance, onde a pessoa jurídica se responsabiliza em cumprir as regras e diretrizes de uma proba gestão, fiscalizado as atitudes de seus membros e subalternos, evitando qualquer ato contrário ao regular regramento.

 

Sua omissão, recairia na Lei Penal, no art. 13, quando da responsabilização dos denominados “garantidores”, fazendo surgir daí a “ficção jurídica de autoria”, decorrente da teoria dos crimes comissivos por omissão.

 

E o uso da Lei de Crime Ambiental para um eventual processamento criminal, partiria  do possível uso da “interpretação extensiva” permitida pelo art. 3 do Código de Processo Penal, devido a lacuna normativa para crimes decorrentes da omissão empresarial em sistema de Compliance.

 

 

REFERÊNCIAS 

 

BACIGALUPO, Enrique. Compliance y Derecho Penal, Pamplona, Thomson Reuters, 2011

 

BOTTINI, Pierpaolo Cruz.

 http://www.conjur.com.br/2013-abr-30/direito-defesa-afinal-criminal-compliance

 

COIMBRA, Marcelo de Aguiar; MANZI, Vanessa Alessi. Manual de Compliance. São Paulo: Atlas, 2010, p. 1.

 

COMPLIANCE. https://pt.m.wikipedia.org/wiki/Compliance

 

MORAIS DA ROSA, Alexandre, professor e juiz de direito:

http://emporiododireito.com.br/resenha-da-obraateoria-dos-jogos-aplicada-ao-processo-penal-de-alexandre-morais-da-rosa-por-luciana-rubini-tambosi/.

 

NUCCI, Guilherme de Souza. Corrupção e Anticorrupção. Rio de Janeiro: Forense, 2015, pp. 86-87.

 

REALE JÚNIOR, Miguel. A Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica. In: PRADO, Luiz Regis; DOTTI, René Ariel (coordenadores). Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica: em defesa do princípio da imputação penal subjetiva. 4ª edição, revista. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, pp. 353-354.

 

TRF4 - Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Mandado de Segurança:13843 PR

2002.04.01.013843-0, PETROLEO BRASILEIRO S/A – PETROBRAS (Impetrante) x Juízo Substituto da 13ª VF de Curitiba (Impetrado). Relator: Des. Federal Sebastião Ogê Muniz, 10 de dezembro de 2002, Sétima Turma.

 

WALKER, James.

http://emporiododireito.com.br/tag/james-walker-junior/