Como realizar uma transformação digital evitando modinhas e desejos tecnológicos

Por Carlos Henrique Ribeiro Fernandes

Setembro de 2018

Desejar, um vilão conhecido

O que mais se fala hoje dentro do tema “Transformação Digital” é sobre a sua implantação e a organização para que ela aconteça. Mas a questão é que ninguém discute o principal problema que impede que se transite para uma mentalidade transformadora: a real necessidade de se transformar. Sim, o tema é tão envolvente que muitas vezes nos pegamos ou vemos pessoas que querem gerar uma mudança pelo simples fato de que deve ser assim e pronto, seja por admiração à nova tecnologia, ou mesmo para que pareçamos antenados sobre o que há de mais novo em tecnologia. Ora, se a empresa tem apenas um ou dois funcionários que moram distante, por que ela teria um transporte exclusivo para pegá-los? Pode até ser que se tenha justificativa, mas em geral uma empresa não manteria um veículo e seu motorista para isso, não é mesmo? Parece que se trata de um exemplo deslocado do tema, e até é, mas a lógica é muito parecida e não há nada a ser inventado: estudo de viabilidade, os benefícios e a manutenção da qualidade. Qual o sentido de eu colocar um contador eletrônico de peças produzidas se eu produzo apenas meia dúzia por dia? Desta forma, mantendo-se focado na máxima filosófica “dos fatos às ideias” – e nunca o contrário – gestores e tomadores de decisão mantêm seus pés no chão para atuarem com disciplina no investimento, além disso, mesmo que haja um fato, a comparação com as soluções analógicas ou pouco tecnológicas deve ser feita sempre, até que a empresa se depare com vantagens que sustentem determinada transformação digital.

Falta de um projeto por planta

O primeiro passo que profissionais encarregados em otimizar a produtividade devem ter em mente é efetuar o levantamento da singularidade dos espaços da empresa e mapeamento de todo o processo, desde escritórios a áreas de operação e produção, caso haja. O desenho das inter-relações deve ser feito quando a realidade de cada um dos espaços citados for documentada. Profissionais devem ser ouvidos, claro, e consultados sobre o que recebem das áreas e o que esperavam receber, além de informarem o que entregam e para quem. É bem provável e absolutamente normal que seja demandada uma série de ajustes tecnológicos e/ou de processo para o interfaceamento dessas áreas e para a padronização dos ambientes de mesma funcionalidade, levantando o papel ou peso de influência de cada uma dessas áreas até a produção (talvez a parte mais difícil a ser feita), mas concentrando energias em conhecer e classificar cada espaço empresarial (visualizar clusters ou nichos) e imaginar perceber exaustivamente no futuro, as mudanças que ocorrem naturalmente em cada uma das classes de ambientes ao longo do tempo, até que se adaptem às pessoas e suas necessidades. E se preciso for, através de realidade aumentada.

Ao fim do processo de conhecimento de cada uma das plantas, importante um trabalho dedicado a observar toda a problemática existente na produtividade (fases e pontos antagônicos ao tempo e qualidade) e propor a mudança com estudo complexo sobre ganhos com a transformação digital. Para isso, as tecnologias disponíveis devem ser conhecidas e um grupo especializado de pessoas deverá se concentrar nas etapas mais frágeis de cada uma das plantas, e contextualizar tecnologias inovadoras.  Cada planta precisa de um projeto e a ausência disso é ignorar os fatos, é caminhar para um estado de inércia que na verdade pode estar movimentando a empresa para uma ineficiência ainda pior num futuro próximo, reduzindo competitividade ou aumentando seus custos, por exemplo. Os projetos devem observar as demais plantas, dando sentido a todos os ambientes como uma engrenagem da corporação.

Trabalhos multidisciplinares dentro de um mesmo projeto em plantas mais complexas

Veja que um projeto de plataforma de petróleo, por exemplo, nasce da necessidade de se instalar em campo mapeado, claro, mas ao ser identificada esta necessidade, muitas áreas são movimentadas, desde pleitos de orçamento, organização cronológica de projeto até a execução de serviços (montagem, maquinário, TI, telecomunicações, elétrica etc). Isso já acontece há muito tempo, mas as áreas não se comunicavam de forma totalmente integrada, pois se resumem em entregáveis (TI entrega microcomputadores quando a elétrica já estiver pronta e a parte do cabeamento estruturado sob o piso elevado esteja finalizada, por exemplo). Imagina se o processo de lançamento de cabeamento de telecomunicações fosse observado e acompanhado de maneira que seja utilizada apenas uma janela na sazonalidade para operar um painel ou de se levantar o piso para a passagem da elétrica. Imagine ainda que a área de telecomunicações seja capaz de observar a produção do cabeamento encomendado lá no fornecedor e o transporte até o local da instalação...  Todo um conjunto de inúmeras informações e dados (Big Data) é uma oportunidade de se disparar ou disponibilizar informações ao público de interesse. Lidar com esse número enorme de informações carece de conhecimento amplo sobre a necessidade de um projeto multidisciplinar. Não estou resumindo em disciplina de comunicação em projetos, mas falo de um processo supervisionado digitalmente que promova a tomada de decisão assertiva e contundente sobre datas de execução de serviços, sobre aquisições etc.

Do que precisamos efetivamente

a) Precisamos de uma gestão bem balizada e crente nos ganhos oriundos da transformação digital. Uma gestão que não seja mera sonhadora, porém tenha pé no chão por convicção oriunda de exaustivo e constante estudo de viabilidade. Sonhar com melhor rendimento é ótimo, mas há degraus que impedem um sonho instantâneo e 100% perfeito, por isso o novo gestor deve estar confortável na sua posição, deve estar lá porque tem habilidade para o nicho de atuação qual assumiu, porque gosta de fazer e porque se garante numa gestão com a participação dos profissionais liderados numa organização matricial. A título de exemplo, quase sempre vejo um absurdo gasto em organização de bens patrimoniais (BPs), que de tempos em tempos são contados e é revisto o local que se encontra cada um desses bens, para que assim as informações sejam atualizadas nos sistemas de informação. Mas não pouparíamos energia e dinheiro se os bens se comunicassem e apresentassem as suas coordenadas através de identificação digital na dinâmica em que são movimentados? Por que a nossa energia não é canalizada para isso? Gestão, amigos, análise de viabilidade com o olhar para a transformação digital.

b) Precisamos de uma consciência corporativa quanto à melhoria contínua e consequentes mecanismos para que a opinião das pessoas chegue à mesa de gestores e tomadores de decisão.

c) Precisamos de profissionais antenados nos indicadores da empresa, no peso de sua atuação para a equipe que pertence e que se veja dentro de uma planta no todo. O profissional moderno é uma pessoa que insiste em melhorar o que vê e convive.