MAURICIO C. GARBELLINI

MARISA G. SENSATO

Resumo

O presente estudo tem por objetivo analisar a aprendizagem do aluno do ensino superior na atualidade e as implicações das concepções de aprendizagem no que tange ao ensino e à atuação docente perante os desafios do cotidiano em sala de aula nas instituições de ensino superior. Fomos motivados a realizar tal estudo pela constatação de que as dificuldades de aprendizagem neste segmento podem estar atreladas às práticas pedagógicas consagradas utilizadas no desenvolvimento das diferentes disciplinas nos mais variados cursos e a ideia de que as concepções de ensino-aprendizagem presentes no repertório dos docentes está muito próxima ao senso-comum, fazendo-se necessário provocar o estudo, a reflexão e a construção de novos conhecimentos que possam melhor fundamentar a prática docente. Desta forma, buscamos desmistificar a noção de como se dá a aprendizagem e propor uma abordagem científica desta noção.

 

      De acordo com a legislação brasileira, a educação superior tem por finalidades:

I - estimular a criação cultural e o desenvolvimento do espírito científico e do pensamento reflexivo;

 II - formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua;

 III - incentivar o trabalho de pesquisa e investigação científica, visando o desenvolvimento da ciência e da tecnologia e da criação e difusão da cultura, e, desse modo, desenvolver o entendimento do homem e do meio em que vive;

 IV - promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos que constituem patrimônio da humanidade e comunicar o saber através do ensino, de publicações ou de outras formas de comunicação;

 V - suscitar o desejo permanente de aperfeiçoamento cultural e profissional e possibilitar a correspondente concretização, integrando os conhecimentos que vão sendo adquiridos numa estrutura intelectual sistematizadora do conhecimento de cada geração;

 VI - estimular o conhecimento dos problemas do mundo presente, em particular os nacionais e regionais, prestar serviços especializados à comunidade e estabelecer com esta uma relação de reciprocidade;

 VII - promover a extensão, aberta à participação da população, visando à difusão das conquistas e benefícios resultantes da criação cultural e da pesquisa científica e tecnológica geradas na instituição. (Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996.)

      Apoiados nas finalidades apresentadas pelo dispositivo legal que rege a educação brasileira, passamos a análise dos dados da educação superior no final do século XX e início do século XXI, a fim de melhor fundamentar o presente estudo.

      A história da educação brasileira apresenta traços de gritante exclusão social desde seu início, além de ter sido iniciada a partir de ideias de dominação e doutrinação da população indígena. Esses marcos teóricos, se fazem presentes na contemporaneidade, com pequenas transformações de caráter prático, como a criação de vagas nas instituições de ensino superior a pretensa democratização do acesso.

      A figura abaixo apresenta os dados do Censo da Educação Superior 2012, que demonstra o crescimento do número de matrículas. Há que se considerar que o aumento é expressivo.

      As reflexões desencadeadas pela análise dos dados acima, permitem-nos concluir que o crescimento do número de matrículas, traz para o ensino superior uma grande diversidade no que toca aos discentes o que desencadeou novos desafios a serem enfrentados pelos professores e instituições de ensino.

      Partimos para a análise do perfil dos alunos matriculados de acordo com a faixa etária, a fim de caracterizar a fase do desenvolvimento humano em que o ensino superior está inserido.

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      Vale ressaltar que os estudantes matriculados no ensino superior no Brasil encontram-se no final da adolescência e na fase adulta e, pautados sobre esses dados de relevância incontestável, consideraremos como ocorre a aprendizagem do adulto. Para além da faixa etária, faz-se necessário considerar que estes estudantes são trabalhadores.

  A palavra aprender é definida como adquirir conhecimento – do latim apprehendere = apanhar; adquirir conhecimento através do estudo, instruir-se; adquirir habilidade prática em algo. Como vemos, todas as definições estão relacionadas à aquisição de conhecimentos.

      Placco e Trevisan de Souza (2015,p.23) apresentam os princípios da aprendizagem do adulto:

  • A aprendizagem do adulto decorre de uma construção grupal.
  • A aprendizagem se dá através do confronto e do aprofundamento de ideias.
  • O processo de aprendizagem é singular e envolve escolha deliberada.
  • O processo de aprendizagem envolve compromisso e implicação com o objeto a se conhecido e com os outros da aprendizagem.
  • O ato de conhecer é permanentemente dialético.
  • O ponto de partida para o conhecimento é a experiência que acumulamos.
  • A base da aprendizagem está na linguagem, na atribuição de significados e sentidos.

      A compreensão dos princípios apresentados por Placco e Trevisan de Souza nos permitem afirmar que o sujeito da formação no ensino superior é um “adulto concreto, envolvido em sua realidade, atuando em contextos diversificados”, como família, trabalho, estudos, hobbies, esportes, relacionamentos, religião e tantos outros que podemos enumerar.

      Vale citar os fatores e motivos internos que influenciam a aprendizagem, como: desejo, interesse, compromisso, curiosidade, emoções, vínculo, entusiasmo, alegria e determinação e também os fatores e motivos externos, como: ajuda mútua, organização e sistematização dos conteúdos, exigência de rigor, natureza do conhecimento, desafio permanente, contexto sociopolítico-pedagógico, respeito à diversidade cultural, que são, entre outros, mediadores da aprendizagem.

      A aprendizagem ocorre na interação dinâmica entre os fatores citados e as condições necessárias a aprendizagem, como disponibilidade para o novo, domínio da linguagem, flexibilidade e sensibilidade que o processo de aprendizagem se desenvolve. A apropriação desta visão pelos professores favorece, por si só, o processo de aprendizagem dos estudantes adultos.

      A aprendizagem de adultos é permeada pela memória com seus conteúdos e significados, originados nas experiências vividas, enriquecendo a percepção do estudante na relação com o conhecimento. A memória está diretamente relacionada à afetividade, outro fator que deve ser considerado no funcionamento da aprendizagem.

      Para além da memória e da afetividade, há que se levar em conta, a subjetividade. Araújo (2002,p.82) define subjetividade como:

                                     espaço/moradia, onde se organizam nossas experiências e existências (...) território no qual nos situamos para poder estabelecer relações com os outros e atribuir significado às experiências vividas.

      Devemos ter clareza de que a subjetividade está relacionada à singularidade do indivíduo e à diversidade que são construídas no social. É na interação com o outro que construímos a nossa identidade e nesta interação ocorrem nossas aprendizagens.

      O papel do grupo também é preponderante na aprendizagem do estudante do ensino superior, pois conforme reafirmam Baptista e Luna (2001,p.45):

Nossa identidade se afirma nas relações interpessoais, sendo que o reconhecimento do eu se dá no momento em que aprendemos a nos diferenciar do outro. É só a partir do outro que passo a ser alguém.

      A aprendizagem do adulto está intimamente relacionada à construção da identidade, por se tratar da fase da vida em que o indivíduo possui consciência de seu papel na sociedade, portanto, na interação com o grupo, o aluno deve ser incentivado a assumir seu papel de protagonista de sua própria aprendizagem, reconhecendo sua capacidade de reelaborar as informações recebidas e produzir novos conhecimentos.

      A capacidade de pensar sobre como se aprende envolve a metacognição. Etimologicamente, a palavra metacognição significa além da cognição, ou seja, a faculdade de conhecer o próprio ato de conhecer.

      A metacognição apresenta duas dimensões intimamente articuladas: o que e como conhecemos e como pensamos sobre o que e como conhecemos, portanto favorece o aprimoramento das capacidades reflexivas, que são de extrema importância na aprendizagem do adulto.

      O processo de aprendizagem do adulto envolve o desenvolvimento do pensamento autônomo, que resultará na capacidade de regular sua própria aprendizagem, de forma a interagir com o conhecimento, além da interação com o grupo e o professor. A aprendizagem assim compreendida, não se prende à simples aquisição de conhecimento e assimilação de modos de aprender transmitidos pelo professor, mas favorece a autoria dos alunos, através das possibilidades de intervenções e inovações que possam apresentar perante as atividades e conteúdos propostos no currículo do curso.

      Podemos afirmar que a aprendizagem do aluno do ensino superior é fortalecida pela interação em ambiente colaborativo, permeado por relações horizontais e democráticas, de modo que sejam garantidas as oportunidades de expressar opiniões e ideias, favorecendo e estimulando a construção de conhecimentos.

      A confiança no grupo de trabalho, a liberdade de expressão e a participação envolvem a formação do pensamento crítico-reflexivo, que é potencializador da formação do conhecimento poderoso e o seu contexto como forma de proporcionar o empoderamento dos educandos. O autor faz uma distinção entre “conhecimento poderoso” e “conhecimento dos poderosos”.

      Young (2007, p. 1.294) explica que o “conhecimento dos poderosos” é definido por quem detém o conhecimento, ou seja, “aqueles com maior poder na sociedade são os que têm acesso a certos tipos de conhecimento”. O conceito de “conhecimento poderoso” não se refere a quem tem mais acesso ao conhecimento ou a quem o legitima, mas “refere-se ao que o conhecimento pode fazer, como, por exemplo, fornecer explicações confiáveis ou novas formas de se pensar a respeito do mundo”. (YOUNG, 2007, p. 1.294).

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