Como falar da morte para a criança pequena? 

 

“...trocar a dor da perda pela alegria das lembranças.”  

(Frei Betto, Começo, meio e fim) 

 

Por Eliane Marques Daher Chedier 

Diretora do Centro de Educação Infantil Sagrada Família 

Da Rede Municipal de Ensino de Petrópolis 

Psicóloga e Psicanalista 

Mãe do Emanuel e do Felipe 

 

Hoje recebi uma triste notícia. Foi a notícia da morte da mãe de uma criança de 4 anosque estuda na escola em que trabalhoPouco sei dessa criança, apenas que ele tem 4 anos e se chama S. (prefiro não identificar o seu nome). Ele é aluno da escola, pois   começou a estudar conosco esse ano. Devido à pandemia, e a suspensão das aulas presenciais, o contato com a mãe, no início do ano, foi por meio do telefone e de mensagens trocadas pelo WhatsApp. Nessas breves mensagens, a mãe nos contou que estava grávidaque precisava ficar de repouso por ser uma gravidez de alto risco e que não poderia acompanhar as atividades mais proximamente por conta do seu estado de saúde. A avó materna chegou a comparecer na escola e confirmou o estado de saúde debilitado da mãe.  

Os dias se passaram, e hoje a tia de S. entrou em contato e disse que mãe dele não está mais entre nósPrecisei confirmar perguntando diretamente se, realmente, a mãe dele havia morrido. A tia confirmou que sim e que ainda não falou nada para ele. 

Fiquei muito triste com essa notícia, não só pela perda dessa mãe, que se mostrou cuidadosa e zelosa, mas pelo sentimento de tristeza que me invadiu em pensar que essa criança ainda não sabia o que realmente tinha acontecido com sua mãe.  

De imediato, pensei na literatura infantil para ajudar essa família a lidar com essa dor tão grande e com o desafio de falar para S. que a sua mãe “não vive mais entre nós” - para destacar a dificuldade que o tema gera - em especial -, nessa família.  

Mas, também comecei a pensar e a me colocar mediante a tal temática, e pus-me a pesquisar e a escrever para poder lidar melhor com esse assunto tão presente nos dias atuais, infelizmente. Não é o primeiro membro de uma família com crianças pequenas que morre, e que eu tenho esse mesmo sentimento de pesar, me colocando no lugar desse pai ou dessa mãe, que fica com os filhos pequenos, tendo que lidar com a dor da perda, e ao mesmo tempo, tendo que "sustentar” os sentimentos dos filhos, e acolhê-los. O sentimento de insegurança, de não sabe como fazer ao certo, e nem de como lidar com tudo isso junto e misturado, passa a ser uma questão perturbadora! 

Realmente, lidar com o tema da morte não é fácil para ninguém, sejam criançasadolescentes, adultos ou idosos. O fato é que, apesar de toda dificuldade, não podemos deixar de ter clareza e sensibilidade para abordarmos esse assunto independentemente da idade. É claro que em cada etapa da vida o tema deve ser explorado de um modo diferenteEspecialistas são unânimes em dizer que não devemos usarmos eufemismos, por exemplo, com as crianças de 3 a 5 anos, pois poderão se sentir muito confusas e inseguras quando usamos frases como “sono profundo” e uma “viagem sem volta”O medo da morte nos faz evitar de pronunciar o que ela é. Esses termos podem gerar confusão ou expectativas falsas na mente das crianças, que poderão se comportar com medo nas situações que se assemelham a tais ideias de comparação. 

Então, como seria possível abordar esse assunto com a criança sobre a perda de um de seus paisE, falando especificamente desse caso: o que dizer a S. sobre a morte de sua mãe 

Primeiro, encontrei algumas semelhanças nos artigos que li sobre o tema. Em todos os casos, é certo que devemos abordar a morte de acordo com o entendimento das crianças, ou a partir das perguntas que nos fazem, conforme o que compreendem e percebem o que está acontecendo a sua volta. Seria uma falsa crença acreditarmos que as crianças não entendem e que se distraem brincando e que acabam se esquecendo. Por mais duro e difícil que seja, as crianças captam no ar que algo está acontecendo. Elas conseguem perceber a tristeza das pessoas, os olhos vermelhos, o choro constante e contínuoe tudo mais que cerca o ambiente nesse momento.  

No caso específico de S., ele ainda vê o bebê recém-nascido, que está aos cuidados da avó, sem saber ao certo de onde ele veio, mas que provavelmente era “aquela barriga” que sua mãe tinha, e a fazia ficar mais deitada do que antese logo, logo, formulará a pergunta: “onde está a minha mãe?”. Adiar a fala sobre a morte da pessoa tão querida, nesse caso e em muitos outros, é tão doloroso quanto não falar sobre o que realmente aconteceu.  

Depois da minha pesquisa e estudos, penso que posso contribuir com essa família, e com as pessoas que passam pela mesma dor (e apaziguar a minha também), dizendo que falar sobre a morte com a criança faz parte de um processo natural da vida. As crianças têm o direito de saber o que aconteceuQuando negamos a possibilidade de falar com a criança sobre a morte, estamos negando-lhe a possibilidade de alcançar um processo inevitável na vida, que se refere ao processo de tomada de consciência sobre à perda da vida, inerente apenas aos seres humanos, claro que estamos falando de um nível de consciência possível para uma criança dessa idade. Só a espécie humana toma consciência da finitude da vida, nenhuma outra espécie sabe que um dia morrerá e que os demais seres também morrerão. Não falar, silenciar, ou negar respostas às crianças, apenas cria mais desconforto e dor para criança e todos a sua volta. Pensemos que acolher os sentimentos dessa criança fará com que ela se sinta amada, cuidada, e acima de tudo, protegida para experimentar a dor, perdatristeza, assim como a saudade e a lembrançaQuando nos furtamos desse encontro, podemos até passar o contrário do que queremos à criança, que poderá a vir a se sentir insegura, impotente, criando fantasias mais dolorosas do que a realidadeaté podendo se culpapelo que aconteceu com a pessoa amada. 

Sendo assim, um bom começo é ouvirmos a criança, estarmos atentos ao seu comportamento e convidarmos para uma conversa: gostaria de falar, o que está sentindo e você gostaria de se despedirNo site da Sociedade Brasileira de Pediatria, três dicas interessantes para propormos aos pequenossoltar um balão de gás, fazer um desenho ou cantar uma música 

As experiências precoces sobre a morte não podem ser suprimidas, então nos cabem, enquanto familiares, educadores e amigos, ajudar a falar, a conversar, a escutar o que a criança tem a dizer, compartilhar os sentimentos, mostrando-nos também tristes, com saudades, com medo e com muita dornos mostrar impotentes diante da vida, sem saber o que dizer e fazer; e ainda, se possível, mostrar que estamos disponíveis para cuidar dela. 

A morte é um caminho sem volta, mas estar presente e cuidando da criança e ajudando-a a entender minimante o que está se passando é o que podemos fazer de melhor por ela nesse momento. 

Ademais, não temos uma receita de como começar a abordar tal assunto, sobretudo com essa criança em especial, porém é bem provável que ela expresse e dê sinais do que quer saber. E no caminhar da vida, vamos descobrir “alegria das lembranças que acalentam o seu coração e confortam sua imenssaudade... 

Lembrando o início dessa narrativade como ajudaessa família a contar a S. sobre a morte de sua mãe, encontrei o livro infantil “O livro do Adeus”, de Todd Parr que, com delicadeza e sensibilidadeaborda o tema com maestria! 

 

 

 

Referências da pesquisa: 

www.ip.usp.br/revistapsico.usp. Falando da morte com crianças. Maria Júlia Kovács. 

Parr, T. O livro do Adeus (vídeo no youtube) 

Betto, Frei. Começo, meio e fim (sinopse)