"Como cada sociedade humana ocupa um determinado território e nele se organiza a seu modo, determinando regras básicas de convivência?", enseja longas reflexões a partir de uma gama variegada de saberes produzidos ao longo do tempo.

Isto porque, autores do século XVII como Thomas Hobbes, Rousseau, e Jonh Locke, caracterizados em uma matriz de pensamento conhecido como contratualistas, ofereceram três formas diferentes de entender a pergunta ora proposta. Resumidamente, Rousseau em seu clássico livro "Discurso sobre a origem da desigualdade"[1], atribui a formação da sociedade civil, a partir da instituição da propriedade privada. Em suas próprias palavras:

"O primeiro que, tendo cercado um terreno, se lembrou de dizer: isto é meu, e encontrou pessoas bastantes simples para o acreditar, foi o verdadeiro fundador da sociedade civil." (ROUSSEAU, p. 91)

Importante salientar que não escrevo aqui em ordem cronológica no qual os autores apresentaram suas ideias. Meu interesse é apenas mostrar como uma breve resposta a pergunta proposta.

Outro autor que tratou do tema, foi Hobbes. Segundo Ele, em sua obra, bastante conhecida, "O Leviatã", explora sobre a natureza humana, e do seu ponto de vista, avalia que uma vez que todos homens encontravam-se em constante guerra contra todos outros em um suposto estado de natureza[2], uma luta por sobrevivência, somente através da formação de um Estado forte, soberano e absoluto seria capaz de manter o contrato social mútuo entre os homens estabelecendo algum tipo de paz para se viver em comunidade.

Jonh Locke, em sua obra "Dois Tratados sobre o Governo" também defendia o contrato social como forma de organização social e política. Entretanto discordava de Hobbes quanto ao estado de natureza e a formação do Estado. Segundo Jonh Locke, os homens nasciam em iguais condições e a formação do Estado deveria ser na forma de leis escritas no qual os governantes respeitariam o desejo da maioria dos membros da comunidade política. Locke defendia como pedra basilar destas leis os direitos naturais, aqueles que são inerentes a espécie humana, a saber: direito a vida, liberdade, propriedade e resistência a arbítrios tirânicos.

Estas matrizes de pensamento são de extrema importância. Isto porque, inspiraram diversos pensadores das sociedades ocidentais nas subsequentes centenas de décadas. Segundo Cecchetti et al, este contexto e matriz de pensamento foram "o berço das ideias e concepções que começam a delinear os movimentos dos direitos humanos" (2013, p. 29)

Bom, creio que poderíamos desenvolver ponto a ponto do texto base e referência indicado pela tutoria para este exercício. Entretanto, tornaria longo e cansativo demais a leitura deste portfólio se entrássemos no debate sobre ontologias e epistemologias trazidas no interior do referido trabalho.

Importante, talvez, salientar que o debate sobre secularização, laicização do Estado, pluralidade religiosa, a instrumentalização da religião pela política partidária, entre tantos outros temas ligados a religião, não são debates pacificados na literatura acadêmica.

Neste sentido, falar em educação, diversidade religiosa e direitos humanos é um demasiado longo para um simples portfólio.

Desta forma limitaremo-nos a falar de uma experiência particular que valha como estudo de caso. Passemos a ele.

Certa feita, como é de costume em algumas escolas, os aniversários podem ocorrer no decorrer dos períodos de aula.  Entretanto, um menino, publicamente declarado confessional da denominação Testemunhas de Jeová, relatou suas crenças e entre elas a não celebração de aniversários. Desta forma, ele postou-se de costa para a turma e não participou da atividade. Aquilo foi de alguma forma interpretado pelos demais alunos como coisa "bizarra", fundamentalista, gerando forte constrangimento para todos.

Não obstante, eu sensibilizada pelo momento, procurei trazer o assunto a baila como forma de produzir algum conhecimento produtivo sobre o tema. Ocorre que eram tantas a matizes religiosas que parecia impossível aplicar teorias habermasianas sobre racionalidade comunicativa e esfera pública.

Lendo o texto base e referencia, já citado, deste exercício, pude perceber que alguns conceitos parecem contraditórios. Isto por que, se nos propusermos aceitar irrefletidamente sobre os elementos simbólicos que orientam as ações, o modo de compreender o mundo e agir nele, e todos elementos constitutivos de cada singularidade, não poderíamos pensar em espaço público, uma vez que todos os sentidos ora dados pelas singularidades tem o mesmo peso de valor que outros. Assumindo assim esta posição teríamos que criar espaços seletivos de acordo com cada cosmovisão ou excluir qualquer uma delas.

Pois segundo os autores Cecchetti et al:

"A espécie humana adquiriu formas diversas através do tempo e do espaço. Em contextos históricos específicos, cada sujeito ou grupo social se constitui como ser singular e, ao mesmo tempo, plural, no seio de uma ou de várias culturas, por meio das tramas de relações tecidas com o Outro, o mundo e o desconhecido, produzindo símbolos, conhecimentos, práticas, sentidos e significados que dão sentido à sua vida e ao contexto no qual está inserido. Pela ação e interação dos sujeitos, as culturas constroem formas diversas de ver e ser em determinados tempos, espaços e lugares no qual se encontram circunscritas." (OLIVEIRA; CECCHETTI, 2010 apud 2013, pp. 20 e 21).

Ainda mais:

"As culturas configuram um mundo simbólico e atribuem significados, limites e possibilidades às formas de como os humanos leem, sentem e experienciam o mundo e a vida, produzindo sentidos e identidades. Desse modo, fornecem o vínculo entre o que os sujeitos são capazes de se tornar e o que eles realmente se tornam (LANGON, 2003). Cada cultura, grupo social ou sujeito é uma perspectiva, uma localização, um modo de ver e se relacionar distinto. Para Montiel (2003), as culturas são elaborações coletivas nas quais os sujeitos se reconhecem, autorrepresentam e compartilham visões e significados comuns da realidade que os cerca. Tradicionalmente, estavam relacionadas a ambientes históricos e espaciais precisos, demarcados por uma etnia, língua, crença religiosa ou modo de produção específico. Nesses contextos, as culturas funcionavam como uma espécie de cimento que amalgamava os membros de cada população (padrão cultural)." (2013, pp.  22 e 23).

Se se argumenta neste sentido, juntamente com os autores, isto significa que nenhuma das preposições argumentadas pelos meus alunos estavam corretas ou incorretas, assim como nenhuma era mais ou menos verdadeira que a outra. De tal forma que não haveria possibilidade de chegar-se a um consenso que sustentasse todas as posições. A única saída para tal situação era a de consensuar que todas eram diferentes e válidas. O que por consequência coloca um difícil dilema até mesmo para a declaração dos direitos humanos e o uso da esfera pública e um quase insolúvel problema para praticas pedagógicas nesta temática.

Difícil dilema e quase insolúvel problema pois trata-se de, em alguma medida, ter que agir em nome de direitos humanos e submeter estes gama variega de sentidos a esfera estritamente privada ou fazer da esfera publica um espaço de constante luta por sentidos.

  Por obvio, não tenho respostas a estas questões, apenas lanço estas reflexões para que meus alunos e todos concidadãos, membros da mesma comunidade política possam conjuntamente achar um caminho viável para formamos um imperativo, quem sabe ético, que possa manter pacificada esta questão e regras básicas de convivência.

A única saída alcançada ate o momento foi trazida pelo conceito de tolerância, ou seja, conforme encontrado nos dicionário mais popolares, trata-se de uma ação de suportar com indulgência, permitir, por dispositivo legal, o livre exercício de outros cultos que não os da religião do Estado, demonstrar capacidade de suportar, de assimilar, suportar-se reciprocamente, o que parece ser um conceito/ação muito diferente daquilo que propomos, a saber, respeitar, considerar as diferenças.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 

CATROGA, Fenrando. Entre deuses e césares. Coimbra: Almedina. 2006.

CECCHETTI et al. Diversidade Religiosa e Direitos Humanos: conhecer, respeitar e conviver. In: FLEURI. Reinaldo Matias (Orgs.). Diversidade religiosa e direitos humanos: conhecer, respeitar e conviver. Blumenau: Edifurb, 2013. p. 19-37.

GOMES, Wilson; MAIA, Rousiley C. M. Comunicação e Democracia: problemas e perspectivas. São Paulo: Paulus. 2008.

HOBBES, Thomas. Leviatã: ou matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e civil. 1999.

LOCKE, John. Dois Tratados Sobre o Governo. São Paulo: Martins, 1998.

ROSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre a origem da desigualdade. Disponível em .

WEBER, Max. Ensaios de Sociologia. Rio de Janeiro. Editora LTC SA. 1982. 

[1] Disponível em: http://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/desigualdade.pdf

[2] O termo estado de natureza refere-se a um momento anterior ao do estabelecimento de um Estado capaz de organizar os homens em comunidade.