WERNER SCHRÖR LEBER

Resumo da obra “O Príncipe”, de Nicolau Maquiavel, com base na versão da seguinte edição em língua portuguesa:

MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. 16ª edição. Tradução de Maria Lúcia Cumo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005.

PRIMEIRA PARTE: CAPÍTULOS 1 a 14.

A primeira parte trata dos tipos de governos, dos principados, das formas de conquista, dos tipos de exércitos que devem ser empregados para conquistar territórios, como empregar a força na conquista, quando empregar força e quando não, que bens um príncipe não pode distribuir, que formas há para se chegar ao poder.

PARTES I e II

Repúblicas ou Monarquias? Maquiavel nunca viu com bons olhos as Repúblicas, embora as vezes delas fale. Tem até uma visão negativa sobre elas, pois, todas que conheceu, ou que leu nas histórias dos governos antigos (Grécia, Roma, Pérsia, Egito), são histórias de fracassos, na opinião dele. As repúblicas sempre fracassaram, pelos menos as de tipo romano ou grego. Daí se segue que quando Maquiavel fala em República ele certamente não está pressupondo um governo ideal como o de Platão e, menos ainda, em Repúblicas representativas, do tipo iluminista propostas por Rousseau e Montesquieu, bem depois dele. Maquiavel pressupõe e propõe um governo cuja lógica assenta-se em não defender governos ideais e pessoas ideias, mas tratar tão somente daqueles tipos de governos e pessoas que efetivamente existem. Dizendo em linguagem direta: Maquiavel é pragmático e propõe o pragmatismo como regra na política. Contudo, Maquiavel era uma pessoa letrada, apaixonada pela literatura política e tinha um conhecimento aprimorado desses assuntos.

Tipos de principados

Os principados podem ser novos ou hereditários, explica ele. Os hereditários já têm normas estabelecidas e, são, por isso mesmo, mais fáceis de governar. Os principados já estabelecidos são também mais fáceis de conquistar que os novos. Os novos tendem a ter mais problemas, como rebeldia e resistência contra autoridades. Já  os hereditários têm uma hierarquia estabelecida, uma família monárquica no poder há tempo. Nos novos, tudo precisa ser construído; inclusive o temor ao príncipe.

PARTE III

Habitar os territórios é uma tática interessante. Saber prever o futuro. Saber farejar a fraqueza de uma determinada região para conquistá-la. Um príncipe precisa fazer previsões, cálculos dos passos inimigos. Um príncipe sábio age rápido e não deixa a doença contaminar tudo. Não permite que a doença se espalhe (p. 20). Percebe aqui o pragmatismo de Maquiavel. Ele age, ou propõe uma regra política que seja utilizada de modo cirúrgico, isto é, removendo as arestas e tirando os tumores ou futuros tumores, antes que eles comecem a dar problemas. Sondar, prever e agir.

PARTE IV

Mostra sua admiração por Alexandre VI, pai de César Bórgia. Alexandre é o Papa Alexandre VI. Depois Maquiavel sempre recorrerá a César Bórgia que, segundo ele, tem o ímpeto de um príncipe cauteloso quando necessário, mas também cruel e dominador. A obra o O Príncipe, conforme se percebe, foi inspirada nos passos de César Bórgia, por quem Maquiavel nunca escondeu sua admiração. César Bórgia é também conhecido como Duque Valentino.

PARTE V

Como proceder em Território conquistado que já tem Leis próprias?

a) aniquilá-los;

b) residir nele;

c) Criar um governo de poucos (elite), aliado do Príncipe e que o manterá informado sobre os acontecimentos. Aquele (ou aqueles) que ocupar o cargo deve depender do Príncipe, isto é, deve ter o sentimento de que depende do Príncipe e que, sem ele, estará perdido.  Dizendo de outro modo: um príncipe deve ter táticas para conquistar territórios e a pessoa que nomear para que o auxilie, precisa também estar submisso ao príncipe Monarca. Do contrário, estar-se-ia diante de um traidor e não um aliado. Então Maquiavel explica que um governo quer uma cidade livre precisa confiá-la aos seus cidadãos. Melhor destruir a cidade e os infiéis e rebeldes todos de uma só vez; quem não o faz quando a situação o exige, será destruído por ela.

PARTE VI

É preciso aproveitar a ocasião, informa Maquiavel. Deus dá ocasiões. Cita o exemplo de Moisés e Ciro. Segundo ele, esses dois personagens importantes da história souberam aproveitar a ocasião de grandes dificuldades para se firmarem como líderes diante de seu povo. Moisés soube acolher um povo oprimido no Egito para libertá-lo. Ciro soube encontrar persas descontentes para se impor como bom governante fazendo a vontade da parte descontente. Os exemplos de Maquiavel são mesmo interessantes. Ele busca na literatura universal exemplos e os encaixa na teoria que vai delineando.

PARTE VII

Maquiavel idolatra o Duque Valentino, o César Bórgia, filho do Papa Alexandre VI, como dito acima. O Duque é um modelo a ser seguido, para Maquiavel. Ele o vê como o exemplo do Príncipe que defende em sua obra. Tem as melhores qualidades. Ele soube se impor sem depender das armas de outros. A sorte ajuda, mas depender só dela, sem saber agir certo, não leva a lugar nenhum.

PARTE VIII:

MALVADEZ

Quando ser Malvado? É preciso ser malvado sempre que a piedade ameaçar as coisas dos territórios conquistados e governados. Maquiavel aqui se limita a dar exemplos da história. A piedade é coisa de religião, de fé, de fôro individual e que não combina com o curso da política. Sob esse aspecto, Maquiavel limita-se a citar exemplos de governos antigos que, segundo ele, teriam fracassados por curvarem-se ante as piedades e deixarem-se levar pelas chantagens emocionais que podem vir junto com a piedade. O mal existe, infelizmente, na ação política. A política não pode evitá-lo e, portanto, precisa dele fazer uso nos momentos oportunos posto que agir politicamente não é fazer o que agrada, mas sim fazer e proceder de acordo com o que deve ser feito para manter o poder e ter respaldo.

PARTE IX

PRINCIPADO CIVIL: DOIS MODOS DE CONQUISTAS.

Nobres (grandes) e plebe (povo). Problemas.

Quem chega ao poder pela mão dos grandes está a perigo. Os grandes nada fazem sem querer receber algo em troca. O príncipe precisa saber disso. Os grandes almejam o poder tanto quanto o príncipe. São seus concorrentes. Já o povo, a Plebe, não tem, necessariamente vocação para ser concorrente do príncipe. Ele apenas quer se sentir amparado, protegido, sentir que tem alguém que lhe represente. Assim escreve Maquiavel: “Portanto, quem se tornar príncipe pelos favores do povo deve mantê-lo amigo, o que é fácil, uma vez que só pede para não ser oprimido” (MAQUIAVEL, 2005, §5, p. 51). Em todo esse capítulo Maquiavel afirma o que repetirá ao longo de outras partes da obra, a saber, que um príncipe que ouve e exorta seu povo, “faz boas fundações” (op. cit., p. 52). O Príncipe precisa fazer transparecer a aparente paz de seu governo e a transmitir a impressão de que tem legitimidade, aceitação plena e domínio sobre seu reino; muito burburinho popular no principado leva os adversários a pensar que o governo do príncipe está com problemas.

Os Magistrados e tempos de calmaria, são bons e ajudam o governo do Príncipe. No entanto, o príncipe não pode ter como norma as condições dos tempos de calmaria. Um príncipe precisa saber que a guerra sempre está à porta.  

PARTE X

MEDIR FORÇAS

Maquiavel fala da Alemanha, dos muros, fortificações de cidades alemãs. É muito difícil atacar uma cidade bem fortificada e que cujo príncipe tenha também o povo a seu lado. Maquiavel cita o caso alemão para mostrar que esse é o ideal: ter uma cidade, um principado, bem fortificado, mas com o apoio popular. De nada adiantariam grandes muros para proteger o que vem de fora, se o inimigo (povo?) estiver do lado de dentro dos muros? A meu ver, Maquiavel está se deparando também com outros governos e reinos que têm uma visão da Itália, mas que ele próprio sabe que foi construída pela imagem que o império romano foi para toda a Europa no passado. Todavia, essa Itália, forte, influente, há muito tempo deixou de existir. Mas é provável que franceses, alemães e espanhóis não saibam disso, e conservem da Itália aquela visão do passado “um império poderoso e sanguinário”. Sob esse aspecto, Maquiavel percebe que na política vale muito o que se parece, a imagem que se passa à visão pública. Marketing? Creio que sim.

PARTE XI

PRINCIPADOS ECLESIÁSTICOS

As coisas religiosas nunca despertaram o interesse de Maquiavel. Ele gostava de Papas sanguinários como Alexandre VI e Júlio II (p. 59). Papas que governavam como governos terrestres, com o poder secular. A religião estabelece modelos éticos que não vêm da política, mas da teologia. Isso é repudiável, sob a ótica de Maquiavel. Dessa ética teológica Maquiavel não quer falar (p. 57). Mas Maquiavel aceita um governo eclesiástico que seja forte sob os princípios normais da política, isto é, que faça uso do Poder Temporal da Igreja (p 58). A Igreja deve engrandecer o poder do Príncipe e não o da Igreja. Cita o caso de Alexandre VI outra vez que, por meio do Duque Valentino (na verdade esse era seu filho, o famoso César Bórgia, como já foi dito antes), fez grandes conquistas à medida que fortalecia o poder do Duque. Seu papado colheu os frutos do poder dispensado ao Duque. O Principado eclesiástico deve estar submisso ao Príncipe também. A Igreja cresce e faz conquistas à medida que permite ou não atrapalha o exercício de conquista de territórios que o príncipe precisa fazer. Lembrem que essa é a época de Lutero de também. Em 1517 ele inicia um protesto que culmina na divisão da Igreja romana. Mas Lutero só prosperou porque os principados civis, deles que Maquiavel fala, apoiaram Lutero e o protegeram das autoridades conservadoras, que queriam leva-lo à fogueira ou à forca. Maquiavel quer dizer: a religião, os papas e bispos devem também ser governados pela lógica do pragmatismo e instabilidade da política. As normas eclesiásticas, por serem idealistas, não servem para a vulnerabilidade, instabilidade e imprevisibilidade dos caminhos da política.  

PARTE XII

MILÍCIAS E SOLDADOS MERCENÁRIOS

Estes, conforme opinião ampla de Maquiavel, têm pouco valor. Um Príncipe perspicaz e e cauteloso precisa de exércitos próprios. Forças auxiliares são inúteis e perigosas (p. 61). As milícias e exércitos auxiliares são perigosos por motivos centrais: a) não têm compromisso com a causa e por isso podem fazer corpo mole; b) se vencem, ficam no principado atrapalhando o príncipe, sentido-se importante e querendo algo em troca, de preferência o poder. Na verdade, a milícias não querem guerra. Quando a guerra surge, fogem, abandonam o príncipe porque não se sentem submissos a ele. O príncipe tem de ser ele mesmo o capitão do exército (p. 63). Maquiavel, então conta vários casos sobre essa situação cujo objetivo final é mostrar que o exército próprio é sempre melhor que qualquer outra força.

PARTE XIII

EXÉRCITOS MISTOS E AUXILIARES

Volta a citar César Bórgia como exemplo (p.68-69). Aqui Maquiavel diz algo interessante. As forças mercenárias não valem nada porque são preguiçosas. Mas as forças auxiliares são perigosas porque têm a virtude a seu favor. O que é virtude nesse caso? É querer ser também poder; participar e pôr o poder do príncipe em xeque. Quando a guerra termina eles não querem partir (p. 68). “Sem armas próprias nenhum príncipe está seguro”, diz Maquiavel em sua conclusão sobre esse tema (p. 70).

PARTE XIV

OS DEVERES DO PRÍNCIPE COM A SUA TROPA

O dever de um príncipe é a prática da guerra. Esse deve ser sempre seu objetivo central e final. Assim ele mantém no poder quem nasceu príncipe e ainda permite que pessoas comuns possam chegar a esse posto também. Na paz deve fazer intensos exercícios de guerra. Na paz se treina para a guerra. Deve haver dois tipos de exercícios: Ações e mente. As “Ações” se referem aos conhecimentos de terrenos, (estudar geografia e compreender como lutar em terras estranhas), e treinamento físico. Informar a tropa sobre as situações geográficas dos campos de luta, treina-la para as dificuldades e manter como comandante da tropa. Com a “Mente”, para Maquiavel, significa a leitura, o conhecimento, a cultura de guerra que o príncipe precisa. Ele precisa mostrar conhecimento para impressionar a tropa e ser respeito por ela. Analisar os motivos de conquistas e derrotas dos grandes homens da humanidade. Só assim ele será respeitado. Precisa mostrar à tropa que comanda os seus conhecimentos de capitão. Precisa estar informado sobre o que ocorre à sua volta para saber agir e instruir os seus comandados. Maquiavel então ensina que  “com trabalho deve juntar tesouros, para poder se valer na adversidade. De modo que, a sorte, quando mudar, encontre-o pronto para resistir” (Op. cit., p. 75).

 

SEGUNDA PARTE – CAPÍTULOS XV a XXVI

A Segunda Parte, capítulos VX a XXVI, trata da Imagem do Príncipe, isto é, como o Príncipe deve parecer perante a opinião pública e os Súditos. Maquiavel sabe, e isso defende, que o príncipe precisa parecer de determinado modo, ainda que não seja exatamente o que pareça. A Imagem que apresenta é importante. O que os nossos políticos fazem hoje, arrumar marqueteiros para as campanhas e para depois de estarem nos governos, Maquiavel já sabia em 1513. Será nossos políticos lêem Maquiavel? Por que será que hoje muitas prefeituras gastam muito dinheiro em propagandas e deixam de investir e coisas mais importantes? Será que na nossa cidade isso também ocorre?

PARTE XV

AMADO OU ODIADO?

Um príncipe precisa aprender a ser mau. Sentimentalismos e piedade atrapalham a racionalidade dos negócios. O que Maquiavel afirma aqui, ele repetirá nos capítulos, XVI, XVII, XVIII, XIX. Pelo menos, em parte. Como ser bom, sem ser piedoso e perder-se na piedade? Melhor seria ser generoso ou miserável? Os dois é o ideal! Mas os dois não cabem em uma única pessoa. Então é melhor ser miserável do que generoso. Um príncipe não deve temer a má reputação se isso for necessário para salvar o poder. Há coisas que parecem ruins, mas ajudam a manter o poder e há coisas que parecem boas, e na verdade, só trazem ruínas e fracassos (final do capítulo, p. 78).

PARTE XVI

GENEROSIDADE

Bem, aqui continua a argumentação já iniciada antes. Generosidade não poder ser criada para fazer fama. Isso é perigoso porque poder trazer gastos. Pode levar o príncipe a gastar grande quantidade de recursos para se fazer generoso perante plebe e súditos. Nunca deve-se roubar súditos para ter dinheiro e bens para distribuir generosidades (tornar-se rapace; ladrão). Quem rouba súditos se arruína. Um príncipe generoso com dinheiro que roubou de súditos está condenado ao fracasso. Um príncipe nunca deve tornar-se desprezível, isto é, ladrão e rapace. Só bens conquistados em guerra podem e devem ser distribuídos. “O que não é teu, nem dos súditos, pode ser largamente distribuído”, diz Maquiavel (MAQUIAVEL, 2005, p. 81). Ser miserável não é a mesma coisa que ser visto como odioso e desprezível. O primeiro é o desejável; os segundos jamais.

PARTE XVII

CRUELDADE E CLEMÊNCIA

Ser considerado clemente é bom, mas cruel não. Isso todo príncipe deve querer. Contradição??? Maquiavel volta a falar de César Bórgia como modelo para as teses que defende. Aqui vem a argumentação central da imagem do príncipe: é melhor ser temido do amado? Melhor seria os dois. Mas ser temido é mais seguro. Não põe o príncipe em evidência. Ser temido significa, manter um certo mistério sobre suas táticas, sobre suas ações. Ser apenas bom, piedoso, só traz ruínas. O povo esquece rápido as coisas boas. “Os homens têm menos pudor em ofender alguém que se faça amar do que alguém que se faça temer. [...] o temor é mantido pelo medo de ser punido, o que nunca termina”, escreve Maquiavel (op. cit., p. 85).

Mas atenção! O príncipe precisa ser temido, mas não odiado. É possível, e necessário, ser temido, mas nunca odiado. Só na guerra que o príncipe, quando estiver à frente do comando da tropa, não deve se importar com a fama de cruel. Sem essa fama, o exército não se manterá unido. Ser temido, portanto, não implica ser odiado, conforme o desfecho dessa parte.  

PARTE XVIII

OS PRÍNCIPES E A PALAVRA DADA

Há dois modos de combater: pela Lei e pela Força. O primeiro é da natureza humana (racional) e a segunda, dos animais. Mas nem sempre o primeiro basta. Nesse caso, o príncipe deve recorrer à força animal. Deve escolher a raposa e o leão. Esses dois, mas por quê? É o leão que, pela sua força, afugenta os lobos; a raposa porque não cai em armadilhas. Mas a raposa, sozinha, não tem poder e nem força de afugentar os lobos. O leão, sozinho, não tem inteligência suficiente para não cair em armadilhas. O príncipe precisa combinar esses dois ingredientes (isso é uma alegoria à qual Maquiavel recorre). Precisa ser um misto de raposa com leão; nem só um e nem só outro, mas as duas coisas juntas. Precisa ficar entendido, quem é o Leão, a Raposa e os Lobos, na alegoria de Maquiavel. Quem serão esses personagens meus alunos, hein, quem?  Maquiavel, aqui fala de qualidades que o Monarca precisa ter. Menciona outra vez Alexandre VI (p. 88) como alguém que, segundo ele, sabia combinar essas qualidades. Quem se limita a ser leão simplesmente não governa, diz Maquiavel. Veja o que diz Maquiavel em seguida:  “um príncipe prudente não pode, nem deve, manter a palavra dada, quando lhe for prejudicial e as razões que o fizeram dar a palavra não mais existirem” (id. ibid., p. 88). Como interpretar essa passagem? Ele explica que se todos os homens fossem bons, isso não seria necessário. Porém, isso não ocorre. Um príncipe sempre terá razões legítimas para quebrar as promessas. Mas Maquiavel afirma então algo ainda mais interessante. O príncipe não precisa ter essas qualidades, mas precisa “parecer” tê-las (p. 89). Esse capítulo trata de questões elementares e mostra bem a “ética” de ocasião que Maquiavel defende.

PARTE XIX

COMO EVITAR O DESPREZO E O ÓDIO

Aqui aparecem questões centrais da obra de 1513. Os homens vivem contentes, conforme diz nosso autor, quando não perdem dinheiro nem honra. Um príncipe bom precisa combater a ambição de uns poucos, diz. O que torna um príncipe desprezível é quando é indeciso, efeminado, volúvel (p. 91). Um príncipe deve criar sua imagem como forte, corajoso, dotado de seriedade e decisões corajosas. Quem souber parecer assim, mostra-se forte e dificilmente é visto como desprezível. Dois medos um príncipe deve sempre ter: interno (súditos) e externo (potentados estrangeiros). Esse capítulo e recheado de “causos” pitorescos que Maquiavel conta. Nem tudo pode ser resumido aqui. O que, porém deve ficar claro que, para Maquiavel, um príncipe que tem apoio popular, não deve temer conspirações (p. 94). Outra idéia maquiavélica: O parlamento é bom porque pode defender os humildes e atacar os grandes sem expor o príncipe (p. 94). E vejam essa pérola: “Os príncipes devem deixar que outros administrem as decisões impopulares, mantendo para si os atos de graça” (p. 94). Encerrando esse capítulo, Maquiavel narra alguns acontecimentos a respeito de reis e monarcas que perderam o poder porque se tornaram odiosos e/ou desprezíveis. Essas duas coisas combinadas ou mesmo isoladas arruínam um príncipe sempre; sem exceção.

PARTE XX

AS FORTALEZAS: ÚTEIS OU INÚTEIS?

Maquiavel é taxativo: um príncipe que tem o povo ao seu lado (ou que sabe fazer-se amigo da plebe, isto é, que cultiva uma imagem como se fosse amigo do povo) não precisa de muros, castelos e fortalezas. Ele precisa saber passar a imagem de está a serviço, ao lado da plebe, lhe oferecendo proteção. Assim ela também o protegerá. Mas aquele que tem muito medo do povo, que teme o próprio povo, esse precisa de fortalezas para se esconder, para nelas se refugiar, diz Maquiavel (p. 107). Um príncipe jamais deve desarmar seus súditos. Isso foi um erro que muitos governos cometeram, conforme Maquiavel mostra neste capítulo. Só se deve desarmar um território recém conquistado, caso seus habitantes não tenham se tornado seus partidários. A sorte (fortuna) pode fazer com que um príncipe novo sofra ataques (p. 105). Mas, se ele for hábil (ter Virtu), fará dessa situação (Fortuna), isto é, dos inimigos, uma escada para subir degraus ainda mais altos. São os inimigos que lhe oferecem a escada (Fortuna, ocasião, chance) para fortalecer-se ainda mais. Analisemos a frase no contexto das afirmações deste capítulo: “Considerando, portanto, todas essas coisas, louvarei quem constrói fortalezas e quem não as constrói; e censurarei todos que, confiando nas fortalezas, não se importará de ser odiado pelo povo” (ibid., p. 108). Que fortalezas devem ser construídas? O que é fortaleza na concepção de Maquiavel nessa parte, afinal? Fortaleza é, a meu ver, é empregado como metáfora no primeiro caso e significa confiança, gozar de respaldo, ter legitimidade e fazer-se temido pelo que representa, ser capaz de convencer e parecer ter as qualidades e habilidades que dele se espera. No segundo caso, penso, trata-se de Fortaleza física, mas que, conforme já dito, Maquiavel condena pelo fato de ela não valer de nada se o governante não tiver a favor de si a legitimidade popular e a confiança que súditos nele depositam. E se tiver, nem Fortalezas precisará. Pois, ter a população a seu lado, ter o respaldo político necessário para o exercício do poder, é a maior fortaleza que um príncipe pode desejar ter.

PARTE XXI

COMO AGIR PARA SER ESTIMADO

Nunca ser neutro (regra básica) (p. 111). Um príncipe precisa saber assumir posições e não ser irresoluto. Ver o ponto 3 deste capítulo. Ali Maquiavel conta a seguinte história. Se dois principados vizinhos entram em conflito (Fortuna, ocasião, sorte), deves assumir uma posição a favor de um deles (Virtu, capacidade de saber tirar proveito da situação que surgiu). Se não o fizeres, haverá duas coisas negativas. Primeiro, ficarás a mercê do vencedor; quem vence não quer amigos suspeitos, isto é, irresolutos e indecisos. Segundo, jamais, no futuro, o derrotado quererá teu apoio, pois não lutaste a seu favor quando era ocasião. Conclusão: desperdiçastes tua sorte. Deverias ter lutado contra um dos dois. Derrotar um e ainda se tornar temido pelo outro. Nunca se deve perder a oportunidade de entrar na guerra. Um príncipe deve ser generoso, amante das virtudes daqueles que o ajudam. Precisa saber praticar a distribuição de prêmios entre aqueles que o defendem (p. 113). “Manter o povo ocupado com festas e espetáculos” (p. 113) Nero chamou isso de Pão e Circo, lembram?

PARTE XXII

OS SECRETÁRIOS DO PRÍNCIPE

Há três tipos de cérebros: aquele por si próprio; aquele que percebe o que os outros entendem; e aquele que não entende nem a si e menos ainda dos outros. O primeiro, é excelente, o segundo, bom, e o terceiro, inútil, diz Maquiavel. Os secretários precisam ser bajulados, receber prêmios, dinheiro, oferecer-lhe cargos, fazer com se sintam parte do poder. Mas com uma condição: devem sentir dependentes do príncipe. Devem saber que só têm o que têm em função do príncipe. Se não for assim, o fim será mau para um ou para outro. Um príncipe não pode deixar que as coisas saiam dessa situação de dependência.

PARTE XXIII

ADULADORES: COMO EVITÁ-LOS?

Aduladores são os conselheiros, isto é, aqueles que querem dar conselhos ao príncipe. Devem ser evitados. Um bom príncipe não ouve conselhos. Apenas quando ele quer ouvi-los e não quando é empurrado a uma situação assim. Deve saber escolher pessoas sábias para não cair na mão de aparentes amigos, cujo objetivo e apenas minar o poder do principado. Como nos diz Maquiavel: “Os bons conselhos, de onde quer que provenham, nascem da prudência do príncipe e não a prudência do príncipe dos bons conselhos” (ibid. p. 119).

PARTE XXIV

AS RAZÕES QUE LEVARAM OS PRÍNCIPES ITALIANOS A PERDER SEUS ESTADOS

Limita-se a citar exemplos e mostrar que perderam seus governos pelas chances desperdiçadas. Sobretudo porque viam no povo os seus principais inimigos. Erro fatal. Tornaram-se odiosos, roubando e empobrecendo a plebe, depois esperavam que o povo os chamasse de volta. Dormiram no ponto. Um príncipe não espera, mas cria a ocasião de o povo o aclamar (quem sabe faz a hora e não espera acontecer, diz o verso de uma conhecida música).  

PARTE XXV

A INFLUÊNCIA DA FORTUNA NAS COISAS E COMO RESISTIR A ELA

Aqui Maquiavel faz uma série de afirmações já feitas ao longo de seu texto. Reforça a idéia de que um príncipe não pode perder oportunidade (Sorte, Fortuna); toda oportunidade traz consigo também a chance (Virtú, ocasião, situação favorável). Os príncipes italianos não souberam valer-se da sorte que lhes sorriu. Desperdiçaram-na. Não souberam construir barragens, (Virtu) quando era necessário. Maquiavel conclui que é melhor ser visto como impetuoso do que como medroso. Dá aquele exemplo machista, no final do capítulo, comparando-a à sorte que precisa ser domesticada (dominada, surrada). O exemplo é terrível, infeliz para os nossos dias, mas ajuda a entender o argumento: a sorte sempre surge, mas precisa ser agarrada com impetuosidade e não com desconfiança e medo. Quem assim não agir, desperdiça a Fortuna porque não consegui transformá-la em Virtú (ocasião de fortalecer-se ainda mais no poder). Maquiavel mostra aqui também seu medo de países como França, Espanha e Alemanha. Fala das barragens. (No caso, o rio seria a Sorte [fortuna] e as barragens que evitariam as enchentes, a [Virtú] (ação, possibilidade de firmar-se, resistência e capacidade de resolver problemas). A sorte ocorre sem a participação do príncipe, mas a virtú é de sua competência.

PARTE XXVI

LIBERTAR A ITÁLIA DOS BÁRBAROS

Maquiavel fala de um novo Ciro ou de um novo Moisés. É disso que a Itália precisa. A situação favorece, mas os políticos estão temerosos em agir. Expressa seu desejo de ver as suas idéias implementadas em sua terra natal. Observa que a França é um país forte, organizado, unificado e a Itália é um país esfacelado. No final do capítulo, Maquiavel fala que a Itália está cansada de ser invadida por estrangeiros e que precisa de um príncipe novo, de um redentor que saiba fazer guerras certas para derrubar suíços e espanhóis. Para Maquiavel, a Itália é um fedorento domínio de bárbaros que estariam com seus dias contados, caso a Itália escolhesse o príncipe certo: ele (Maquiavel). Ele foi recebido com amor, com fé obstinada, com sede de vingança em todos os territórios italianos em que esteve, conta (p. 133). Ao final revela seu lado idealista, querendo uma Itália ideal, uma pátria forte, resistente e unida.

MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. 16ª edição. Tradução de Maria Lúcia Cumo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005. A análise do texto acima se refere à paginação e à paragrafação desta versão. Há outras traduções disponíveis que também são confiáveis.