<b>COLONIZAÇÃO E EDUCAÇÃO: ALGUMAS IMPLICAÇÕES<b>[1]</b></b>
<p style="text-align: left;">Helio Rodrigues da Rocha[2]</p>
<p><i>The blow took Bla-Bla utterly by surprise. It stunned and cut. The strap caught him on the side of the head but the blow seemed to coil round the root of his tongue. The teacher was asking him something angrily and telling him to speak English. But his English deserted him and he was unable to answer: the strap whistled and landed on the other side of his head and the top of his left shoulder. Instinctively, he held on to the desk but nearly lost his balance.</i></p>
<p style="text-align: left;"><i>The Ventriloquist's Tale</i>- Pauline Melville</p>
<p>Discutir a questão do processo ensino e aprendizagem é uma das tarefas não somente dos lingüistas, mas de todos os profissionais em educação envolvidos, direta ou indiretamente, com a aquisição de uma língua materna (LM), ou de uma língua estrangeira (LE). Não é à toa que este tem sido tanto o objeto de pesquisas de variados programas de pós-graduação das universidades brasileiras, como também do mundo inteiro.</p>
<p>Assim sendo, estudiosos como Magda Soares (1986) e Moita Lopes (198?) vêm desenvolvendo suas pesquisas em torno e sobre o tema. A primeira pesquisadora com questões ligadas ao estudo das ideologias que cerceiam as inúmeras possibilidades de ensino das camadas populares e as que limitam as discussões sobre o tema e naturalizam certos estereótipos e paradigmas educacionais. O segundo, com discussões ligadas ao processo de ensino de LEs, como posiciona-se, em uma vertente contrária a certos mitos, em seu texto "<i>Eles não aprendem português quanto mais o inglês</i>", em que o lingüista ilustra suas idéias acerca do assunto com uma introdução diferenciada da problemática. Ao invés de utilizar-se de enunciados como "<i>este trabalho trata de</i>" para introduzir um questionamento, o autor elabora um relato de "<i>julgamentos por parte de professores de inglês em escolas públicas do Rio de Janeiro</i>" (p. 64), quando fazia parte de uma pesquisa avaliativa de determinado programa para iniciar sua discussão sobre o tema em questão.</p>
<p>Segundo o autor, mitos como o que dá título ao seu trabalho, confirmam e condenam o estudante de uma LE a um lugar de marginalidade e, portanto, de despersonalização, assim como o processo de colonização, em países afetados por esse vergonhoso sistema capitalistaeuropeu de invasão, vem acentuando tais "vontades de verdade." Então, meu objetivo é traçar alguns comentários sobre a questões voltadas ao ensino e aprendizagem de uma perspectiva pós-colonial. Acredito que a qualquer língua, como escreve Ngugi Wa Thiong'o em seu texto, <i>Decolonising the Mind: The Politics of Language in African Literature</i>, <i>"has a dual character: it is both a means of communication and a carrier of culture" </i>(1992: 13). Portanto, esses "meios" viabilizam ou negam - como deve ser - o processo colonial.</p>
<p>Talvez o questionamento seja: como recusar tal empreendimento político? A resposta é: registrar os filhos na língua materna; colocar nomes de lojas e edifícios, de ruas, logradouros, avenidas, departamentos e etc; eventos regionais e nacionais devem - se a serviço da descolonização das mentes - posicionar-se dessa maneira como uma forma de valorização da língua nativa. </p>
<p>Nesse sentido, certamente devido ao processo de colonização sofrido pelo Brasil, o sistema educacional venha carregando e, desse modo, petrificando certas idéias propagadas por esse vergonhoso empreendimento político-econômico europeu. Antes, porém, de adentrar esse espaço discursivo, relato, abreviadamente, minha inserção ao processo ensino/aprendizagem de uma LE durante o curso de graduação em Letras/Inglês na Universidade federal de Rondônia, entre os anos de 1985 e 1998.Meu objetivo nesta rememoração é tanto exemplificar e desmantelar, também, certos mitos tratados por esses dois autores, quanto contribuir em relação à criação de ferramentas de aprendizagem com futuros aprendizes de LE.</p>
<p><i>Apesar de ser graduado </i><i>em Língua Portuguesa</i><i> pela UNESP (1989), decidi pela aprendizagem das quatro habilidades desenvolvidas, acredito, em um curso de língua inglesa (Letras/Inglês) oferecido pela Universidade Federal de Rondônia - UNIR. Assim, ingressei no programa disposto (não que tivesse <u>aptidão</u>) e <u>motivado</u>, termos usados por alguns lingüistas, para aprender o inglês. De início houve certa tensão, pois era preciso certo domínio das quatro habilidades, porém, com o correr das águas, fui orientado a estudar em tempo ininterrupto, os vocábulos, os sentidos, as expressões idiomáticas e as regras sintáticas da língua alvo. Logo, tive que desenvolver ferramentas para a memorização de tempos verbais de verbos irregulares, afixar nomes em todos os objetos que me cercavam cotidianamente, etc. Após haver montado esse arquivo, interessei-me pela pronúncia dos termos e, sucessivamente, fui montando sentença diversas, escrevendo, lendo e fazendo certas inferências com minha língua materna. Daí em diante, fui lendo revistas e jornais e assistindo a determinados filmes com legendas. Daí em diante, digeri romances, documentários, relatos de viagem, teorias e histórias variadas em língua inglesa. Meu arsenal, digo, meu processo ensino/aprendizagem, havia deslanchado. Até o presente momento visito romances, palestras, filmes, documentários, etc. uma vez que trabalho e, cada vez mais, apaixono-me na/ pela área. </i></p>
<p>Os termos em destaque (sublinhados) são propositais. Segundo Moita Lopes, "A noção de aptidão para aprender LEs pode ser antes de mais nada relacionada com a idéia comum de que algumas pessoas aprendem Les enquanto outras não. Além disso, o fato de ser considerada uma habilidade faz com que seja muito comumente vista como uma virtude ou dom..." (p. 71). O que quer Moita Lopes senão desdizer este fétido mito? Para este autor, a aptidão "é o resultado da procura do cientificismo da psicologia - especificamente da psicometria - pelas diferenças em habilidades entre os indivíduos que os classificam em capazes e incapazes." (p. 71). </p>
<p>Que outro país, na atual conjuntura política, teria maior interesse em mensurar, classificar e fortalecer este mito senão os Estados Unidos da América através de seus infames seguidores? Moita Lopes afirma que "reconhece-se na origem desse tipo de pesquisa a ideologia capitalista da eficiência no trabalho" (p.71). De fato, esse barbarismo capitalista estadudinense acentuou-se, como escreve Aimé Césaire em seu livro Discourse on Colonialism: the "<i>barbarism of </i><i>Western Europe</i><i> has reached an incredibly high level, being only surpassed by the barbarism of the </i><i>United States</i>" (1972: 26). </p>
<p>Desse ponto, minha discussão oscilará entre a atual situação do processo ensino/aprendizagem de uma LM ou de uma LE e o sistema colonial/imperialista ainda presente em alguns (senão todos) setores da ideologia, da economia, da política e, especificamente, da história educacional no Brasil, enquanto país que fora submetido a esse inaceitável tipo de política governamental. </p>
<p>Como esclarece moita Lopes,</p>
<p>As Ciências humanas têm sido usadas como instrumento de classificações dos homens entre os quês são aptos para este ou aquele trabalho, entre os que têm esse ou aquele quociente intelectual, entre os que têm talento ou não, de modo que se acredite no mito da igualdade de oportunidades, justifiquem-se as divisões em classes sociais e racionalize-se o trabalho para que a sociedade capitalista funcione então mais eficientemente e aumente assim a produção do capital (70). </p>
<p>É assim que a escola, enquanto detentora do saber e, inescrupulosamente, cerceadora, encontra-se, em diversos momentos da história, como reprodutora do sistema capitalista encabeçado pelo fraudulento sistema colonial. Apesar de não usarem o termo colonialismo, tanto Magda Soares quanto Moita Lopes, procuram desmistificar as ideologias petrificadas pelo sistema educacional vigente no Brasil. Assim, suas asserções são contra essas "vontades de verdade" conduzidas pela escola através de seus "soldados" coloniais. Se se pode visualizar ainda essa horrenda estrutura no sistema educacional é por que há muitos "capitães industriais", como diz Césaire, a serviço do sistema capitalista. Esses atuam, conscientemente ou inconscientemente, como perpetuadores de um sistema educacional capitalista que, ao longo da história, mostrou-se incapaz de estabelecer um sistema educacional adequado e justo às diferentes camadas populares.</p>
<p>É por isso que foi possível que Soares elaborasse a seguinte interrogação: "Uma escola para o povo ou contra o povo?" em seu livro <i>Linguagem e Escola: uma perspectiva social</i>e tecesse comentários sobre as diversas ideologias veiculadas pela própria escola. Logo, a ideologia do dom, do déficit lingüístico e do déficit cultural ser o carro chefe tanto de Soares quanto de Moita Lopes. A intertextualidade não é por acaso. Tanto Magda soares quanto Moita Lopes mostram que essa tática ideológica é puramente fraudulenta e não resiste a qualquer análise fundamentada numa relação dialógica. </p>
<p>Basil Bernstein, sociólogo inglês, escreve Soares, afirma subservientemente que o "fracasso" da criança seria <i>culturalmente</i> produzido, contudo "esse 'fracasso' não seria devido a sua 'deficiência' lingüística, mas ao confronto entre códigos no contexto da instituição" (1986: 30). Dessa maneira, Bernstein foi usado por outros teóricos como forte argumento do "déficit lingüístico", como escreve Soares, devido a alguns termos pejorativos utilizados por ele mesmo em sua teoria. Esses "alguns termos", já sabemos, são próprios do sistema colonizador. Qualquer sociedade capitalista deve saber, no mínimo, que esse sistema carniceiro é em si mesmo, incompetente para fazer justiça e oferecer direitos a todos os cidadãos igualitariamente. </p>
<p>Para Magda Soares, "os termos <i>deficiência, privação, carência </i>remetem ao sentido de falha, falta, ausência; as expressões <i>deficiência cultural, privação cultural, carência cultural </i>significam, pois, basicamente, <i>falta</i> ou <i>ausência de cultura</i>" (1986: 14). Entretanto, a autora defende, acirradamente, a posição antropológica de todo e qualquer grupo humano, uma vez que se existem determinados grupos, há, certamente, diversas culturas moldando e dando suportes identitários e, até mesmo, existenciais, a esses grupos. Algo negado pelo empreendimento colonialista a qualquer grupo social do globo terrestre. </p>
<p>Assim, todos esses partidários das teorias destacadas por Magda Soares e pinceladas por Moita Lopes negam a criatividade e a inventividade do sujeito em construção, julgam e afastam para a periferia, qualquer modo de estar/dizer/representar de o sujeito o/no mundo. "A discriminação das crianças das camadas populares na escola", escreve Soares, "aparece, nas sociedades capitalistas, como uma ameaça ao ideário liberal que as fundamenta" (30). Verdadeiramente, então, qualquer sociedade capitalista tem se mostrado incapaz de justiçar e "educar". Isso acontece porque, conforme Césaire, "<i>capitalist societies</i> ,<i>at its present stage, is incapable of establishing a concept of the rights of all men, just as it has proved incapable of establishing a system of individual ethics</i>" (1972: 17).</p>
<p>Desse modo, há de se convir que todos esses pseudo-humanistas da educação, trabalham a bem do capitalismo, uma vez que procuram sustentar suas sórdidas argumentações com idiotas comparações e buscam, acirradamente, dividir, afastar e justificar o motivo de insucesso escolar de muitos irmãos. É assim que a prática colonialista ainda infiltra-se nas escolas, por entre corredores, janelas, cantinas, refeitórios, livros e mentes alienadas por esse sistema fracassado e vergonhoso - o sistema educacional capitalista. Todos os aparelhos ideológicos do Estado trabalham para afirmar a sua validade sempre em detrimento dos sujeitos menos favorecidos. É contra o povo que esses "soldados do império" têm se manifestado. Todavia, de minha parte, a crítica construtiva, o desmantelamento, a recusa e a acusação de que esse sistema educacional não funciona satisfatoriamente, nem funcionará porque trabalha contra o povo. </p>
<p>De minha parte, a consciência de que não adianta colocar-me adiante, atrás ou ao lado dessas medíocres asserções, mas alçar-me a um ponto em que visualize o todo e indique direções a serem colocadas em práticas: a reelaboração do currículo escolar por regiões brasileiras; a utilização das várias esferas da linguagem em uma relação horizontal e não vertical, isto é, sem juízos de valoração de seus falantes; a busca, catalogação, utilização e valorização de todos os termos tidos como deficientes, por exemplo, <i>rumbora</i>, <i>ramo</i>, <i>cê</i>, <i>vixi</i>, <i>lombra, </i>etc.: todos eles são marcas identitárias e não impedem que o falante domine outras esferas lingüísticas. Quando a escola marginaliza tais termos em valorização de termos de outras camadas, é o colonialismo que se impõe outra vez. E isso, verdadeiramente, ocorre o tempo todo. É preciso que seja repensada todas as formas de se ensinar e de se aprender uma língua. A riqueza, creio, está nesse mosaico lingüístico que toda comunidade o é, acreditem e professem.</p>
<p style="text-align: left;"><b>REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS</b></p>
<p>SOARES, Magda. <i>Linguagem e Escola: Uma perspective social</i>. São Paulo: Ática, 1989.</p>
<p>MOITA LOPES. <i>Eles não aprendem nem o português quanto mais o Inglês.</i></p>
<p>CÉSAIRE, Aimé. <i>Discourse on Colonialism</i>. London : Paper Back Edition, 1972. </p>
<p>THIONG'O, Wa Ngugi. <i>Decolonising the Mind: the Politics of Language in African Literature</i>. 1992.</p>
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<div id="ftn1">
<p>[1]Texto apresentado ao Programa de Pós-Graduação em Língua Inglesa e Suas Literaturas, da Universidade Federal de Rondônia, como um dos requisitos para obtenção de nota na disciplina Lingüística Aplicada I, ministrada pela Profª. Ms. Carla Martins. </p></div>
<div id="ftn2">
<p>[2]Discente do referido Programa de Pós-Graduação da UNIR e professor da rede Estadual de Ensino Público em porto velho/RO.</p></div></div>