INTRODUÇÃO   

A conquista da América, iniciada a partir da chegada do homem europeu cristão, trazido pela obstinação do navegador e descobridor genovês Cristovão Colombo, trouxe mudanças, na vida dos povos nativos, jamais sonhadas. A literatura é campo profícuo para o debate e as revisões feitas a partir dos eventos iniciados em 1492, sobre o tema, tem trazido novas interpretações sobre o papel do homem europeu na formação do continente americano.

Dentre a vasta literatura disponível sobre o assunto, elegemos a obra de Tzvetan Todorov, A conquista da América - A questão do outro (1982), que traz em suas páginas, relatos de homens contemporâneos às mudanças sociais, políticas e econômicas da América de então. Relatos, tanto de europeus como de nativos, registrados nos dias conturbados do choque civilizacional ocorrido entre os povos distintos que, em terras americanas, concorreram.

Da mesma forma impactante, o filme 1492 – A conquista do paraíso, surge, dentro de nosso trabalho, com a finalidade de criarmos um paralelo entre a literatura e as imagens em movimento. O filme do inglês Ridley Scott nos mostra que, mesmo limitado à natureza ficcional cinematográfica, a linguagem fílmica é capaz de correlacionar acontecimentos históricos de forma crível. O cinema, alçado à condição de fonte historiográfica a partir do trabalho de Marc Ferro, na década de 1970, e aos estudos da Nova História, a partir da década de 1980 (SANTIAGO JUNIOR, 2012, p. 152), mostra-se hábil, em sua narrativa, em nos mostrar o ponto de vista do cineasta sobre o recorte temporal em questão.

Todorov chama a atenção, em sua obra, para a descoberta do outro – como bem explicitado no subtítulo de sua obra. Em suas palavras, “cada um dos outros é um eu também” (TODOROV, 1982, p. 9). Dessa forma, o autor tenta levar a perspectiva da chegada do europeu às terras americanas pelo ponto de vista dos povos nativos, que aqui se encontravam antes da chegada de Colombo. Outra característica citada pelo autor, diz respeito ao recorte temporal, empregado pelo mesmo, que decidiu estabelecer como unidade de tempo analisado, os cem anos posteriores à chegada de Colombo à América, ou seja, praticamente todo o século XVI. Segundo Todorov, esse recorte temporal “veria perpetrar-se o maior genocídio da história da humanidade” (TODOROV, 1982, p. 10).

Dessa forma, utilizando-se da literatura e do cinema, foi objetivo, dentro de nosso trabalho, apontar correlações, ratificações e similaridades entre as diferentes linguagens existentes entre os documentos impressos e as obras cinematográficas.

 

COLOMBO E A AMÉRICA

O mundo era palco de grandes mudanças na segunda metade do século XV. O outono da Idade Média chegara, e com ele surgia a primavera de novos tempoS (LE GOFF, 2007. p. 220), O período de grandes navegações e, com elas, descobertas de terras longínquoas desconhecidas, marca, para alguns historiadores, o fim da Idade Média e o início da Idade Moderna (TODOROV, 1982, p. 12). Entretanto, tal marco não pode ser considerado como unânimidade, uma vez que não há acordo no que diz respeito a transição entre o Medievo e a Era Moderna (FRANCO JUNIOR, 2001, p. 15).

De qualquer forma, Cristovão Colombo realizou um feito que marcou para sempre a História da humanidade, quando em 1492, contra todas as crenças vigentes, cruzou o oceano e encontrou o “novo mundo”. Seu ato pode ser classificado, a priori, de coragem. Todorov a chama de admirável e faz uma comparação entre a primeira viagem de Colombo e as dificuldades passadas por Vasco da Gama e Magalhães, onde o genovês mostra sua audácia, ao partir para o desconhecido, sem garantia de retorno (TODOROV, 1982, p. 11).

O filme de Scott nos mostra, em suas primeiras cenas, um diálogo entre Colombo e seu filho, onde os dois tratam da circunferência do globo terrestre. Ora, nesse mundo anterior à descoberta da América, muitos ainda acreditavam no fato da Terra não ser redonda. O sucesso da viagem de Colombo coroaria a ideia de que nosso planeta fosse, na verdade, um globo.

Aos 00:43:00 de exibição da obra de Scott, os marujos de Colombo, insatisfeitos pelo fato de não terem alcançado ainda a terra, e temerosos de caírem no abismo que acreditavam existir no limiar do planeta, ameaçam um motim. Colombo acalma os espíritos revoltosos com promessas de ouro e riquezas. Scott e Todorov defendem a mesma ideia, onde o último nos diz que “É com a promessa de ouro que ele acalma os outros em momentos difíceis” (TODOROV, 1982, p. 11). Certamente, o ouro prometido não é o motivo primordial da busca de Colombo. Tanto Todorov quanto Scott concordam com isso. Para Todorov, a vitória do cristianismo, a conversão dos pagãos aos ensinamentos do Deus católico era a premissa verdadeira (TODOROV, 1982, p. 14). Além disso, Colombo achava-se escolhido para a missão.

Da mesma forma é explicitado na obra de Scott, onde aos 00:15:45 de exibição pode-se ver o diálogo entre Colombo e seus financiadores, onde é perguntado ao genovês por que deveriam investir em tal aventura e ouve-se, da boca de Colombo, que, segundo Marco Polo, o reino da China é um dos mais ricos do mundo, onde as casas mais modestas são cobertas de ouro. E, mais importante que isso, Colombo deseja levar-lhes a palavra de Deus, tornando aquela gente súdita de Castela e Aragão.

Chegando à América, Colombo fica fascinado com a natureza exuberante encontrada. “Os escritos de Colombo [...] revelam uma atenção constante a todos os fenômenos naturais. Peixes e pássaros, plantas e animais são as principais personagens [...]” (TODOROV, 1982, p. 21). Como também, da mesma forma, o cineasta Scott revela em cena anterior ao contato com os nativos (1:00:00), onde se observa a presença de pássaros e plantas que chamam a atenção de homens que nunca haviam visto antes.

A chegada a essa terra desconhecida e virgem, faz com que Colombo a imagine como o paraíso perdido, comparando-a a um mamilo de uma teta (TODOROV, 1982, p. 19), na qual sua posição mais elevada do planeta a colocaria mais próxima do céu. Caracterizando, dessa forma, o novo continente como o axis mundi, onde se daria a abertura entre o mundo divino e o mundo humano (ELIADE, 1992. p. 24). Assim como, para Colombo, a terra encontrada era sagrada, o encontro com o homem branco, para os povos autóctones, também estava carregado de simbolismo. Aqueles seres estranhos, barbudos e de pele clara, só poderiam ser deuses.

Scott fala sobre isso, por volta de 1:08:50 de exibição, onde Colombo diz que devido a aparência, os europeus eram considerados como deuses. Todorov também relata o mesmo, pois tal fato foi de extrema importância para a conquista realizada por Cortez, sobrepujando o povo asteca. Montezuma temia Cortez. Acreditava que o espanhol era, na verdade, uma divindade tolteca que voltara para reivindicar seu reino. Dentre os diferentes povos encontrados na América, pelos espanhóis, os incas, astecas e maias tinham, em graus diferentes, a crença de que estavam sendo visitados por deuses (TODOROV, 1982, p. 96).

 

CONCLUSÃO 

Colombo pode ser considerado um visionário. Em seus pensamentos não havia espaço para dúvidas, em relação ao seu plano de navegação, contornando o globo terrestre até alcançar a Ásia. Houve, porém, um erro de cálculos. O descobridor genovês acreditava que a circunferência da Terra era menor do que na realidade. Entretanto, esse erro possibilitou que os domínios espanhóis se espalhassem pelo mundo de uma forma que os governantes das casas de Castela e Aragão jamais tivessem sonhado.

Colombo, em sua convicção cristã, sonhava levar a palavra de Deus aos diversos povos, permitindo àqueles que tivessem, dessa forma, acesso ao mundo celeste após a morte física. Esperava também conseguir obter vultuosa riqueza para patrocinar uma nova cruzada, retomando Jerusalém para os cristãos.

É perceptível, tanto nos escritos de Todorov quanto nas imagens de Scott, que o espírito que guiava Colombo era revestido de convicção e ausência de temor. Por outro lado, a falta de interesse, por parte de Colombo, em realizar uma comunicação com os povos autóctones mais eficiente, concorreu para as animosidades que se fizeram presentes nos anos seguintes à chegada dos europeus em terras americanas.

De qualquer forma, o estudo dos textos impressos, bem como das imagens em movimento permitem-nos observar que, apesar de não ter chegado à Ásia, Colombo realizou algo que nenhum outro navegador conseguiu se igualar. Propositalmente ou não, Cristóvão Colombo assinou seu nome na História dos povos que existiam e vieram a existir no continente americano.

 

REFERÊNCIA CINEMATOGRÁFICA

1492 – A conquista do paraíso. Direção: Ridley Scott. EUA / França / Espanha: TMG, 1992.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ELIADE, Mircea. O sagrado e o profano. São Paulo: Martins Fontes, 1992.

FRANCO JÚNIOR, Hilário. Idade Média. O nascimento do ocidente. São Paulo: Brasiliense, 2001.

LE GOFF, Jacques. As raízes medievais da Europa. Petrópolis, RJ: Vozes, 2007.

SANTIAGO JÚNIOR, Francisco das Chagas Fernandes. Cinema e historiografia: trajetória de um objeto historiográfico (1971-2010). História da historiografia, Ouro Preto, n. 8, abr. 2012.

TODOROV, Tzetevan. A conquista da América. A questão do outro. Martins Fontes, 1982.