A notícia de que o Collor será candidato nas próximas eleições presidenciais trouxe à memória algumas lembranças daqueles tempos. A construção mediática do político começou com uma reportagem de várias páginas na revista Veja que na época eu assinava. Sob o epíteto de Caça aos marajás, ele se notabilizou de uma hora para outra como um político jovem, moralista e modernizante. Tinha um pouco do velho político Jânio Quadros quando esse ascendeu à Presidência da República. A Folha de São Paulo começou a descontruir aquele santo de pés de barro publicando uma reportagem sobre seu conluio sorrateiro com os usineiros do seu Estado, Alagoas. Ele isentou as usinas do pagamento do ICM e ainda se comprometeu a devolver o que elas tinham recolhido aos cofres públicos. Um escândalo. O dito imposto foi pago pelos consumidores e os usineiros somente fizeram o recolhimento.

As promessas de que iria acabar com a hiperinflação, colocar os corruptos na cadeia e modernizar o país começaram a empolgar a população. Ele conquistou uma posição de centro direita que se opunha à candidatura de esquerda do Lula.  Com um perfil de galã de cinema, sempre bem vestido com ternos bem cortados, gravatas Hermès, gel nos cabelos, alardeando que era economista e falava várias línguas, começou a crescer nas pesquisas eleitorais.

Ao ver-se ameaçado por Lula, um modesto sindicalista, com ginasial incompleto e ex-torneiro mecânico, não teve dúvidas, apelou. Descobriu uma antiga namorada do oponente, que se recusou a fazer um aborto sugerido por ele.  Foi um escândalo, quando a mulher gravou um depoimento usado na campanha eleitoral. Não se sabe quanto, mas ela recebeu uma compensação para fazer o papel de mulher desprezada e induzida a cometer o aborto, considerado um crime.

O último debate foi cômico, pois o Collor procurou vender a imagem de um homem simples que não tinha um aparelho de som no mesmo padrão do que o Lula tinha. Quando o Lula comentou que a população do Nordeste, afligida pela subnutrição, estava se transformando numa sub-raça, Collor aproveitou a deixa para coloca-lo contra os nordestinos, condição em que ele se colocava com orgulho, mesmo tendo nascido no Rio de Janeiro, filho de um político alagoano com uma gaúcha descendente de alemães.

O dia depois da posse foi trágico com a inexperiente ministra da fazenda explicando como se daria o confisco das poupanças e aplicações de pessoas físicas e jurídicas. De um dia para outro muita gente ficou sem dinheiro para saldar os seus compromissos. Um conhecido acabara de vender sua casa para construir em um terreno recentemente adquirido. Ficou sem a casa e sem o dinheiro. Vários suicídios e enfartos ocorreram pelo inesperado da decisão do novo presidente. Nada podia ser feito e as pessoas trataram de se ajeitar da forma que fosse possível. Lembro-me de dois colegas numa empresa que fizeram um acordo. Um tinha uma boa poupança e outro uma dívida. Acertaram que o endividado usaria a poupança do outro e pagaria as prestações com juros. Meses depois soube que aquele que tinha dívida deixou de pagar o que tinha a poupança confiscada. Brigaram e o assunto chegou à diretoria da empresa.

Com os preços congelados pelo plano econômico do Collor alguns produtos desapareceram dos supermercados. E assim, os preços voltaram a subir, anunciando a volta da inflação. Como havia um grande déficit fiscal, somente o enxugamento dos meios de pagamento (dinheiro em circulação) e o congelamento não resolveu o problema.

No final, atolado na lama da corrupção sob a coordenação do seu Rasputin, o Paulo César Farias, Collor acabou renunciando para não ter seu mandato cassado. Mas mesmo assim, teve seus direitos políticos suspensos por oito anos. Voltou como senador pelo estado onde começou sua carreira política e confirmando o seu modus operandus, está sob investigação no STF por corrupção. Quem é rei nunca perde sua majestade.