COBRA NA MOTO

 

Eu ainda era estudante de história. Já estava morando em Rondônia.

Depois daquela movimentada aula sobre a pré-história, saímos, ainda discutindo as teorias apresentadas pelo professor. Elas realmente haviam mexido com as convicções religiosas de alguns colegas da turma... ou confirmado posições de outros.

O fato é que o fato dessa aula mexeu com todos...

- Eu não disse?

- Era isso que eu sempre dizia!

E do outro lado:

- Esse professor só pode estar maluco!

- Isso não tem cabimento. Na bíblia...

Entre os futuros historiadores o criacionismo falava alto. Uma crença limitadora da ciência.

O problema era que, para se contrapor ao evolucionismo, usavam argumentos bíblicos. Usavam a fé contra argumentos da ciência. Por isso a alta temperatura das discussões.

Até aquele momento poucos estavam se dando conta de que ciência e religião são campos distintos e baseados em saberes diferentes. Mas, nem por isso antagônicos, embora divergentes. Entretanto as divergências se devem ao ponto de partida do saber e não à verdade da afirmação.

O caso é que a aula havia terminado e as discussões continuavam pelos corredores da universidade. Aliás essa é a finalidade do ensino superior: provocar a discussão posterior a aula. Na verdade a aula começa depois da aula... é depois da aula que se aprofunda o conhecimento proposto na aula.

No calor da discussão os grupinhos se formavam aqui e ali. Discutindo, argumentando, buscando argumentos, refutando argumentos... buscando argumentos neste ou naquele autor. Era o mundo da ciência!

Nesse calor das discussões, grupos contra e a favor, alguns dos estudantes já se preparavam para voltar para casa. De ônibus, os que viviam em outras cidades; de carro algumas crias da grana dos pais; uns de moto outros a pé, bicicleta, carona...

Minha colega também se dispôs a ir embora. Começou a caminhar em direção a sua moto.

Parou!

Começou a vasculhar o universo que é uma bolsa da mulher. Procurava a chave da moto.

A moto, estacionada num canto do campus, esperava pacientemente.

Foi então que alguém, do nosso grupo, apontou, gaguejou e perguntou:

- Tua moto é parente dos macacos? Olha o rabinho dela ali, ó!

Gargalhada geral, pois todos puderam ver que, de fato, a piada se justificava.

Mas não era só uma piada!

De fato, havia um rabinho pendurado!

Mas não era macaco. Era uma cobra, enroladinha, escondidinha, dormindo seu soninho de filhote em crescimento.

Um filhotinho de jiboia, pouco mais de um metro, aninhado sore a corrente da moto.

Neri de Paula Carneiro

Rolim de Moura - RO